“Moda está dando tiro no pé”, afirma a consultora Mey Leng, que completa: “Modelo que Gisele usou na final da Copa é o que vende”


Estilo “Ném”: com a estagnação das tendências e a pouca renovação da cartela de cores, as apostas agora são o vestido com cava americana, camisetinha e o shortinho de cós alto”

“O sistema de moda atual está dando um tiro no pé”, afirma Mey Leng, consultora de varejo atuando nesse mercado há quase 40 anos. Obviamente, o mau desempenho nas vendas deste Natal gerou desconforto entre a turma do setor, que está repensando seus modelos de negócio. É fundamental criar estratégias para driblar o ano atípico, que não deixou as vendas aquecerem nem nesta época do ano, e não se fala somente em superar os percalços de 2014 com economia estagnada, inflação alta, carnaval tardio, negócios neutralizados pela Copa do Mundo e pelas incertezas das eleições presidenciais gerando. A empresária Rosilane Jardim, da Karamello, com 13 lojas espalhadas pelo Grande Rio, é categórica: “Esse Natal vendeu 15% a menos que o ano passado. É preciso fôlego e viajo para a China neste início de 2015 para desenvolver coleção”.

Karamello: rede com 13 lojas no Grande Rio sofre com o desaquecimento da economia e com a competição do e-commerce (Foto: Reprodução)

Karamello: rede com 13 lojas no Grande Rio sofre com o desaquecimento da economia e com a competição do e-commerce (Foto: Reprodução)

Para Mey Leng, a moda está se aniquilando: “Cadê as novidades? Cadê a criatividade? A antecipação absurda – com as empresas do Hemisfério Norte comprando com antecedência demais na Ásia e os contêineres desembarcando repletos de mercadorias – tira a emoção da moda. Que o fast fashion está pasteurizando a moda isso todo mundo já sabe, mas deve haver uma espécie de suicídio a longo prazo em toda a cadeia produtiva”.

“O vestido com cava americana da Louis Vuitton que a Gisele (Bündchen) usou na final da Copa do Mundo é da coleção resort do ano que vem, mas como todo mundo precisa de novidade, foi antecipado e é o que está vendendo. Quando a moda vira uma salada, perde o rumo. Basta ver a pouca variedade da cartela de cores, que se mantém estável há tempos, com pouquíssimas novidades significativas. Tédio. Você pega uma régua do Pantone, vê que gama já usou, analisa os números, chega um pouquinho para a direita ou para a esquerda, escolhe uma cor parecida para lançar e nada de novidade no front”, desabafa a profissional. “A moda não pode ser tão mecânica”.

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Segundo a expert, como as vendas foram mal nesse Natal, começa a surgir uma parcela da população brasileira com uma cultura de consumo pós-25 de dezembro voltada para ofertas de verdade: “Ainda é um grupo de dimensões pequenas, mas ele existe e deve aumentar. Trata-se do amadurecimento do consumidor, mas é preciso também investigar para onde foi parar o dinheiro que circulou, já que ele não foi para o segmento. Alguma coisa foi movimentada, mas não no setor têxtil”.

A consultora ainda acentua a questão da venda online, que ainda não tem medição, mas que certamente já afeta o comércio físico: “Conheço várias pessoas que hoje em dia compram roupa na internet e isso certamente está concorrendo com a venda tradicional. Esses sites chineses estão enchendo a burra de dinheiro”, afirma, chamando atenção para um dado significativo: “Muita marca de moda mais popular estabeleceu um patamar de peças em torno de R$200. Se o orçamento de muita família foi gastar R$300 em presentes no Natal, como vender um item a esse preço? A Mercatto vendeu bem e as peças eram todas abaixo de R$100″.

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Essa tendência corrobora com uma notícia que deixou o segmento de queixo caído nesse ano que encerra: o fechamento de todas as lojas físicas da Totem, que optou por só atuar no e-commerce a partir de então. Em agosto, Fred D’Orey, seu proprietário, declarou: “O modelo de lojas físicas em shoppings com estruturas caríssimas e alugueis exorbitantes está em decadência e caindo no mundo inteiro”.

Segundo matéria publicada nesta noite passada no Globo online, as vendas frustrantes fizeram o comércio antecipar o Boxing Day para liquidar os estoques de Natal. “Algumas marcas, sobretudo lojas de departamento, já haviam planejado fazer a promoção antes mesmo de confirmar os dados de vendas desse feriado. O Brasil vai viver nestes próximos dias aquela sensação que se vê quando se viaja logo após as festas e se confere nas vitrines de Nova York adesivos com a palavra ‘sales’ ou, em Madri, ‘rebajas’. Dessa vez, liquidação por aqui vai ser de verdade”, completa Mey, afirmando que, com o carnaval cedo em meados de fevereiro, muitas marcas já lançam o preview outono e é imperativo decretar o fim do verão imediatamente após a folia de Momo, mesmo com as altas temperaturas. “Não tem saída. Para driblar este final de ano com caixa espremido, a solução é baixar bem o preço para tentar arrebentar de vender branco nesta última semana do ano e já cair 2015 com estampas folk, muita camisetinha e vestidinho solto em cores de outono, além de shortinhos de cós alto”.