Giulia Dias chega ao Olimpo da moda assumindo suas cicatrizes: ‘Característica física não pode nos impedir de lutar’


A modelo emprestou a beleza em sua primeira campanha publicitária e está inspirando várias mulheres a buscarem pela aceitação dos próprios corpos e do amor próprio. Durante algum tempo, a curitibana de 23 anos se deparou com algumas incertezas: as cicatrizes de um acidente de trânsito, aos 9 anos. O receio, no entanto, se transformou em força e hoje inspira várias pessoas que se interessam ou se reconhecem na sua história. E ela fala que esse reconhecimento é uma de suas maiores motivações

*Com Bell Magalhães

Guardem esse nome: Giulia Dias. A modelo curitibana de 23 anos está ganhando o Brasil e estrelou recentemente a sua primeira grande campanha de beleza a marca Avon, pouquíssimo tempo depois de raspar o cabelo e resolver seguir a carreira. Apesar do interesse pela moda a acompanhar desde pequena, Giulia se deparou com algumas incertezas: as cicatrizes de um acidente de trânsito, aos 9 anos. “Sempre gostei do mundo da moda, mas nunca achei que teria espaço para mim. Não tive o corpo do que chamam de ‘padrão’, de uma modelo magra, e achava que as minhas cicatrizes poderiam me impedir de trabalhar como modelo”. O receio, no entanto, se transformou em força e hoje inspira várias pessoas que se interessam ou se reconhecem na sua história. E ela fala que esse reconhecimento é uma de suas maiores motivações.

“Tenho percebido um número crescente de pessoas que me acompanham. Elas contam relatos de suas vidas, desabafam sobre as próprias histórias e elogiam os meus trabalhos. Eu amo essa troca, porque mostra que estou no caminho certo, inspirando mais pessoas a se sentirem bem consigo mesmas e se abrirem para o mundo sem se incomodarem com um simples aspecto físico. Inspira a poder continuar o meu caminho”, frisa Giulia. 

Modelo curitibana de 23 anos vem ganhando o Brasil e estrelou recentemente a sua primeira campanha de beleza para a marca Avon (Foto: Junior Becker)

Modelo curitibana de 23 anos vem ganhando o Brasil e estrelou recentemente a sua primeira campanha de beleza para a marca Avon (Foto: Junior Becker)

Ao longo dos anos, os consumidores vêm fazendo um esforço crescente para que a indústria acabe com a ditadura de corpos, padrões e raças e dialogue para a pluralidade e diversidade. “As pessoas querem uma mudança no mercado da moda e a inclusão de corpos normais, porque o ‘corpo padrão’ não existe. É um pedido, um grito para termos uma representatividade maior”, diz Giulia, acrescentando que “muitas marcas precisaram se reinventar e incluir mais pessoas no mercado. É mais do que necessário. É essencial. Temos que mostrar para as crianças, por exemplo, que ter uma deficiência, uma marca, uma cicatriz, não é um impedimento para ela fazer o que deseja. As nossas características físicas não podem nos impedir de lutar para sermos e alcançarmos o que quisermos”. 

"As pessoas querem uma mudança no mercado da moda e a inclusão de corpos normais porque o ‘corpo padrão’ não existe" (Foto: Sherolin Santos)

“As pessoas querem uma mudança no mercado da moda e a inclusão de corpos normais porque o ‘corpo padrão’ não existe” (Foto: Sherolin Santos)

Um dos aliados da construção de identidade e autoconfiança foi o feminismo. A modelo conta que o movimento a fez entrar em contato com estudos sobre aceitação com o corpo e que a ajudaram nessa jornada de cultivo do amor próprio: “Ter o contato com esse movimento fez toda a diferença para me aceitar e me libertar mais dessa pressão e da questão de sentir necessidade de fazer parte de um padrão que não existe”. Na opinião de Giulia, o movimento feminista foi deturpado com o passar do tempo, o que fez com que as pessoas criassem um imaginário que não condiz com a realidade do feminismo: “Falta estudo para as pessoas entenderem melhor o movimento”. 

"Não pode falar que é feminista que você é considerada uma pessoa que é contra os homens. É uma questão de mulher para mulher" (Foto: Hudson Rennan)

““Ter o contato com o feminismo fez toda a diferença para me aceitar e me libertar mais dessa pressão e da questão de sentir necessidade de fazer parte de um padrão que não existe” (Foto: Hudson Rennan)

Os ataques direcionados nas redes, de acordo com a modelo, são algumas questões que também impedem a busca pelo aprendizado coletivo. “A crítica do outro, o cancelamento, é muito grande na nossa sociedade e faz com que a gente não busque conhecimento por medo de errar e ser julgado. Muitos ainda acham que você sempre tem que dar o seu parecer, a sua opinião, mas não pode ser diferente da realidade do outro”.

Apesar da crítica à hostilidade desmedida que vem tomando conta da web, Giulia diz que toma muito cuidado com o que compartilha e reforça que os usuários das redes sociais, principalmente influenciadores e pessoas públicas, devem usar as plataformas com muita responsabilidade: “Temos que tomar muito cuidado com o que falamos e com a forma com que nos posicionamos. Tenho milhares de jovens me acompanhando e que podem usar o meu discurso como base para criar a ideologia delas. Então, todo o cuidado é pouco. Não quero me sentir responsável por uma decisão de alguém ou falar algo sem eu ter a real convicção daquilo que estou abordando. Se vou falar de algo que não sei, primeiro me informo. A palavra tem muito poder. Não podemos sair repercutindo assuntos sem fundamento, sem checar ou procurar saber a verdade. Temos que ser muito cautelosos”.

"A palavra tem muito poder, ainda mais de uma pessoa que tem um espaço muito grande na mídia" (Foto: Lucy Hallak)

“A palavra tem muito poder. Não podemos sair repercutindo assuntos sem fundamento, sem checar ou procurar saber a verdade” (Foto: Lucy Hallak)

Essa reflexão, inclusive, surgiu durante o isolamento social devido à pandemia do coronavírus. Giulia conta que sua vida pessoal e o seu ‘eu’ mudaram muito, além de adicionar algumas práticas de autocuidado à rotina: “Consegui incluir mais tempo para mim mesma e, agora, pratico atividades físicas, algo que não fazia ou por falta de tempo ou esgotamento mental. Mudei a perspectiva comigo mesma de achar que antes eu não tinha espaço em um certo lugar. Agora sei que sou uma pessoa forte e posso chegar aonde eu quiser. Antes, eu era muito reservada. A minha visão de mundo também vem sofrendo mudanças. Venho analisando a nossa situação enquanto sociedade, como usamos os recursos do nosso planeta, e como vamos deixá-lo para as gerações futuras. São questionamentos que ocupam os meus pensamentos, mas se intensificaram com a pandemia”, revela.

Mudei a minha perspectiva comigo mesma, de achar que antes eu não tinha espaço em um certo lugar, mas agora sei que, se eu quiser, posso fazer qualquer coisa

“Mudei a perspectiva comigo mesma. Antes achava que não tinha espaço em um certo lugar, mas agora sei do meu poder” (Foto: Amanda Mercer)

Para se manter mentalmente saudável diante do bombardeamento de informações somados ao estresse de uma pandemia, a modelo se desliga das redes: “É muito difícil manter a sanidade em um momento como esse e acompanhar todas as notícias. É algo que me desgasta muito. Por isso, de vez em quando, prefiro ficar ‘off’ e focar no meu casulo, mas, ao mesmo tempo, não quero que seja algo egoísta. É bem complicado não se sentir culpado mesmo quando estamos priorizando a nossa saúde mental e emocional”. Para Giulia, o ‘ficar off’ pode ser também resultante de uma exaustão mental: “São tantos acontecimentos tristes que é difícil não abalar o nosso emocional e, consequentemente, não conseguimos entregar as nossas obrigações da melhor forma possível e optamos por ‘ficar off ‘ para poder voltar ao controle. O problema é que isso acaba se tornando um ciclo vicioso e percebo que muitos jovens estão fazendo o mesmo”, analisa.

prefiro ficar ‘off’ de todas as redes de informação, abstrair do mundo externo e focar no meu casulo, mas, ao mesmo tempo, sinto que sou egoísta

Para se manter mentalmente saudável diante do bombardeamento de informações somados ao estresse de uma pandemia, a modelo se desliga das redes sociais de vez em quando (Foto: Amanda Mercer / Jordana Figueira)

Além da carreira de modelo, Giulia cursa duas faculdade, a de Relações Internacionais e de Secretariado Executivo. Conciliar a profissão e os estudos é um pouco corrido, mas ela garante que consegue dar conta. “Como são em horários diferentes, consigo dividir o meu tempo entre as duas e procuro me planejar com antecedência e produzir tudo o que preciso antes de qualquer trabalho. Com a modalidade de aula online fica mais fácil conciliar as minhas atividades”.

O objetivo é adiantar o máximo de matérias possível e terminar a faculdade o quanto antes, mas, se por algum motivo eu precisar interromper os estudos por um momento da minha vida, não vejo problema em fazê-lo.

Giulia concilia a carreira de modelo cursando duas faculdades (Foto: Hudson Rennan)