Casa de Criadores verão #15 / parte um: da arte de Amílcar de Castro ao amor em preto & branco de Igor Dadona


Em retrospectiva especial, HT comenta também as coleções de Tilda, Gralias, Gustavo Carvalho, Jadson Raniere, Rober Dognani, Luiz Leite, Kauê Brito, Gefferson Vila Nova, Rafael Caetano, Karin Feller e Apt 401

A 35ª edição da Casa de Criadores encerrou nesta noite de sexta-feira (6/6) na Galeria Prestes Maia, em São Paulo, trazendo a peculiar visão de moda de seu realizador, André Hidalgo, um exemplo de quem luta contra a maré em um país em que nada é fácil, sobretudo em era de governo PT, onde os esforços são voltados para o populismo eleitoreiro e na pseudo valorização de domésticas cheias de charme, na contramão de práticas que estimulam o real crescimento das atividades econômicas. Chega a ser curiosa que, na semana desse evento voltado para o fomento de novos designers, seja lançada por Paulo Borges a campanha de promoção da moda brasileira – Amo Moda Amo Brasil – que visa chamar atenção para o mercado têxtil em um momento em que os olhares estão voltados para as grandes confraternizações esportivas. Os sinais são visíveis. É preciso sacudir o Brasil de alguma forma, e o objetivo é fortalecer o segmento. Se por um lado, destacar a importância dessa cadeia produtiva é essencial – ainda mais em uma temporada em que várias grifes foram obrigadas a declinar da participação nas semanas de moda, uma lástima decorrente do contexto atual –, por outro lado viabilizar a Casa de Criadores também é prova de persistência e amor.

O Projeto Lab, dentro do evento, abriu com o verão 2015 de Gustavo Carvalho nesta noite de quarta-feira (4/6). Carioca e habituê do HT dado o seu talento, o rapaz que estudou no SENAI Cetiqt/ RJ, se inspirava em Lady Gaga, morava no alojamento dos estudantes e freqüentava a piscina da instituição para depois, se mudar para São Paulo e trabalhar com Reinaldo Lourenço prova que existe coerência no trabalho sequencial de novos autores e que os deslumbres da noite parda não precisam necessariamente afetar o dia a dia profissional. Em coleção baseada nas esculturas criadas por Amílcar de Castro a partir da década de 1960, Gustavo dá vida a peças com zíperes que as desconstroem e faz o diabo com pregas, dobras e transparências, tudo em ouro velho, pérola, vermelho e turquesa. Assimetrias e envelopes que remetem a dobraduras comparecem ao lado de tops trespassados, maxi coletes com lapelas perfecto, tubinhos, blusas cropped, calças confortáveis e macacões.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Em seguida, Gefferson Vila Nova partiu da silhueta anos 1940 para brincar com hibridismo, aves exuberantes, o paraíso perdido e dismorfismo sexual. HT gostaria de ser uma abelha e participar de uma sessão de psicanálise do garoto para saber o que se passa em sua cabeça, prato cheio para Hannibals e outros maliciosos expoentes da percepção humana. A coleção “Reação punk from paradise” (quase nome de filme de Jim Jarmush) traz assimetrias em cores vivas e em tecidos como brocado de algodão, lamê de linho e tyvek laminado. Os contrastes chiaroscuro e as estampas de folhagem exuberante ou animal print colorido são ótimos, mas Gefferson precisa melhorar a modelagem em alguns casos para que essa não comprometa as ideias mirabolantes.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Julia Guglielmetti e Grazi Cavalcanti, da Gralias, levam a sério a missão de trazer o figurino para o universo da moda. Segundo elas, “procuram criar histórias e fantasias que possam se traduzir em coleções” e, agora, seu scriptzinho fashion transita por uma ilha fictícia, Escanxiga, que mistura peculiaridades do italianíssimo bairro do Bixiga, em São Paulo. Vestidos curtos e midis, cores fortes, estampinhas com jeito de mamma que foi à feira, aplicações gráficas e até uma maxi bolsa de feira dão as caras em montagens divertidas, com acessórios de efeito nas montagens – como galochas colorjeteadas ou com franjas e colares com maxi borlas – colaborando no resultado. Além de agradar às moderninhas, poderiam servir para repaginar Nair Bello, se estivesse viva.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Igor Dadona é puro amor. Mas, para quem acha que os delírios da paixão são uma explosão de cores, ele vai logo mostrando a que veio na passarela: muito preto, branco, cinza e prata. “Estou transpondo para as criações minha vivência sentimental”, revela o estilista, que deve gostar de uma relação preto no branco, sem meio-tom. Qual deve ser o signo dessa criatura? Bom, o moço é leonino, com ascendente em sagitário, então tudo é over, passional. É, o rapaz é fogo, e deve amar uma relação cheia de contrastes, entregando o jogo logo no release, dizendo que quando se envolve com alguém, já está perdendo uma parte de si, como um bom e abnegado súdito do sol. A coleção, por sinal, estava apaixonante mesmo: partes de peças se desmembram e se encaixam em outros lugares, como uma relação a dois que vai mexendo com a dupla, reinventando as personas. Daí, inclusive, as sobreposições, tudo naquela levada masculina e moderna que o estilista sabe fazer tão bem.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Karin Feller tenta misturar uma verve autoral com pegada comercial nesta coleção de verão, sobretudo na parte inicial, onde mescla tramas artesanais com formas curtinhas, ideais para esses dias de calor Brasil afora. Ou no final, quando abusa de listras em azul e neutros, coordenando-as com lisos em shorts, vestidinhos, macaquinhos em jeans ou macacões fluidos. O toque pessoal fica mais por conta das montagens e de um detalhe aqui ou acolá, como aplicações artesanais ou laçadas.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Com um masculino bacana, Luiz Leite se diverte com a cartela militar de cáquis, verdes e areias, mas abandona os camuflados para emulá-los com prints de folhagem e animais, como onça, tigre e girafa. E, neste safári urbanoide, ainda encontra espaço para inserir, na malharia, aquelas estampas localizadas com rostos de bichos da savana – recurso usado em demasia nas últimas temporadas, mas que ele consegue encontrar um viés satisfatório agora, dentro do conjunto proposto, sem cansar. Se a coleção não é inovadora dentro dos parâmetros da originalidade que a CdC se propõe, é bonita e comercial, com shorts enroladinhos e calças de cós alto que deixam este jornalista com vontade de dar um rolé na reserva selvagem mais próxima.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Em seu périplo por uma moda autoral, Rober Dognani se concentrou em uma única levada de matéria-prima e desenvolveu 20 looks em gaze de algodão com látex bi-centrifugado e pré-vulcanizado. O processo lembra um pouco a vulcanização da borracha em solados de tênis que arrematam cabedais em lona, tipo All Star ou Kichute. Só que, como estamos falando de roupas e, sobretudo, de Rober, sai de cena qualquer intenção de produção em série em prol de um curioso resultado com pegada teatral, já que, a partir de um busto masculino ele trabalha as peças sem costura, mas com toda a sorte de experimentações. Pode até parecer estranha à primeira vista, mas a coleção é genuíno fruto da visão de moda do designer, vista como processo artístico.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Entre os modernos, Jadson Raniere se consolida com um estilista que apresenta propostas interessantes temporada após temporada, tanto no masculino quanto no feminino. Ele começa com brancos e pretos, com toques de prata e aquelas sobreposições que já são familiares do seu público, e vai colorindo o conjunto da obra com prints digitais exuberantes, até chegar ao preto com azul e coral. Tudo como se fosse uma sinfonia minimalista de Philip Glass ou Michael Nyman, onde novas nuances vão se inserindo sobre a base musical que se repete, em um todo crescente. Parece complicado de entender nesta tradução da coleção em palavras? Talvez, mas basta conferir as fotos para compreender o resultado.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Lucas Barros, da Apt 401, mostra como fazer uma coleção com formas simples, contrastes gráficos, efeitos plastificados, alguns volumes criados por dobraduras e estampas corridas pontuais. Tudo embalado por cartela de cores neutra que ganha o reforço de pasteis secos, como azulzinho, celadon, amarelinho e lilás. Um trabalho delicado e maduro, gostoso de ver na passarela e agradável de vestir na vida real.

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O segundo dia de evento (5/6) começou com Rafael Caetano no Projeto Lab em coleção que enfatiza o processo de modelagem. Apesar da boa intenção, o conjunto cyber futurista se revela meramente conceitual, apesar de algumas idéias isoladas poderem ser aproveitadas em criações que visem a venda. Nitidamente se percebe o propósito de evocar genialidade criativa e, infelizmente, nem sempre o material desfilado apresenta montagens que denotam bom gosto. Tudo parece perfeito para replicantes, robocops ou quintos, sextos, sétimos e oitavos elementos, todos saídos de produções sci-fi e prontos para causar nas salas de cinema. Ainda assim, é importante valorizar esse tipo de iniciativa, pois é esse tipo de exercício de criação – agora, quando a preocupação com o comercial ainda não é preponderante – que possibilita a renovação da moda como um golpe de katana na mesmice.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Em seguida, Kauê Bueno se insurge contra o caminho de seguir tendências e propõe uma coleção sem tema definido. Para ele, se inserir dentro de tendências propostas pela indústria é fator limitador, que puxa para baixo a busca pelo eterno graal do estilo. Okay, é um conceito interessante, mas como não seguir tendências quando se está inserido em um contexto macro e é preciso lidar com toda a cadeia produtiva? Naturalmente, esse é o tipo de questionamento que encontra eco nestas semanas de moda com DNA autoral, onde a criatividade se sobressai à necessidade de se manter no mercado. Prato cheio e momento oportuno para Kauê, que talvez ainda não precise pagar o leitinho das crianças e se esbalda com vestidinhos, jardineiras, tops cropped, shorts e saias, prontos para serem usadas com tênis confortáveis em um passeio ao shopping sábado à tarde. E, a começar pelo uso dos godês, índigos e madras, é possível perceber que, mesmo com as melhores intenções, o designer se rende ao corolário dos bureaux de tendências, já que tudo visto na passarela é uma gracinha, mas completamente inserido dentro do alcorão da moda atual. Mesmo quando se pretende ser libertário, sem querer, acaba se tornando xiíta e se entregando aos cânones que regem tudo e a todos.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação

Anderson Tomaz é daqueles que enfia margaridas no cano dos fuzis. Explica-se: o estilista foi fundo na oposição entre o flower power e o estilo militar em sua coleção de verão da Tilda “Transform Today: fim, começo e meio” – e misturou no mesmo balaio o movimento hippie durante a Guerra do Vietnã e a Tropicália brasileira. E ainda trouxe o fetiche sob a forma, tanto de peças corsetadas para elas, quanto de macaquinhos com levada army para eles. Segundo o release, tudo começa a partir de um paletó de fanfarra garimpado pelo designer em um brechó parisiense, e ele usa mesmo peças second hand coletadas na Califórnia, França e Brasil no desfile, transformadas por ele. O ponto alto é a camisa militar que se desdobra em um quimono oriental.

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Foto : Marcelo Soubhia | Agência FOTOSITE | Divulgação