Casa de Criadores Day #2: estilistas se esbaldam no dueto moda e arte, costurando de Dali a Ligia Clark


Projeto LAB e Art Experience transbordam em propostas conceituais para o inverno

O segundo dia da 34ª edição da Casa de Criadores foi fértil. Além do line up principal, a estrutura montada no Memorial da América Latina ainda apresentou o show coletivo fomentado pelo Les Parfums Salvador Dali, com looks dos participantes inspirados no pintor surrealista, seguido dos desfiles da turma de novos designers selecionados pelo Projeto LAB. Traduzindo: uma festa criativa para várias gerações de novos criadores, alguns já veteranos (mas com a pecha de novos) e outros que realmente são carne fresca no pedaço.

O Art Experience, desfile-show inspirado em Dali teve alguns looks muito criativos e outros nem tanto. Como em todo evento multi visão com um tema definido, obviamente existem aqueles que flanam melhor e outros que demoram a decolar de terra firme. O objetivo, em uma proposta dessas, é ser conceitual interpretando os cânones da moda de forma o mais artística possível. Afinal, é aqui, justamente neste tipo de evento, que é permitido viajar na macarronada sem a menor preocupação com o comercial, coisa que se torna cada vez mais difícil quando se está inserido de verdade no mercado.

Como era de se imaginar, houve uma profusão de olhos esbugalhados do pintor, boquinhas que remetem ao sofá-batom dos retratos que o artista fez da desbocada Mae West e até mesmo estampas que evocam os pitorescos bigodes de Dali, naturalmente um último refugo de uma ou duas temporadas em que os bigodes de turco estiveram em alta na estamparia. Houve até quem apelasse para o teatral – coisa absolutamente cabível aqui –, vestindo o modelo com gigantescos braços de lagosta em um exercício fashion-surrealista. Mas, claro, houve também propostas que deixaram a desejar, ficando anos-luz aquém do delírio criativo do mestre espanhol.

Em relação ao Projeto LAB, surgiram algumas boas surpresas. Igor Dadona trouxe uma interessante coleção masculina em preto, branco e off-white, com boas peças usáveis por debaixo das montagens e sobreposições de efeito na passarela. Ele usou como fonte o universo do pintor Michael Hussar, que usa elementos masculinos e femininos em alusão à religião e ao sexo. Felizmente, a dualidade sexual ficou mais nas montagens e em algumas peças emblemáticas usadas no styling do que propriamente nos modelos desenvolvidos, o que aparenta denotar uma capacidade do estilista de ser criativo com o pé no chão.

O carioca Gustavo Carvalho mandou bem. É gostoso ver o trabalho do designer, que estudou no SENAI CETIQT, no Rio de Janeiro, e que sempre mostrou talento – inclusive para modelar – mas que, às vezes se rendia mais à fascinação pelo figurino de videoclipe do que à moda propriamente dita. Os looks que Gustavo criou nos últimos três anos, muitas vezes influenciado pelos modelitos que Lady Gaga usava no palco, eram lindos, mas felizmente são coisa do passado, o que ficou claro na ótima coleção que ele apresentou ontem à noite. Deve ter feito bem a ele o período em que ele passou trabalhando com Reinaldo Lourenço, após ter se mudado para São Paulo. Revelou amadurecimento sem contenção de talento. E, como a noite de ontem, pelo jeito, teve relação estreita com as artes plásticas, vale mencionar que ele soube interpretar direitinho o trabalho da pintora Lígia Clark, sua inspiração.

Em sua estréia na Casa dos Criadores, o estilista Anderson Tomaz, da Tilda (Swinton?) parece ter perdido o prumo na concepção do todo. Em um desfile onde pretendeu contar o encontro entre a dama de ferro Margareth Tatcher com a estilista britânica Katherine Hamnet, ele se concentrou na elaboração dos looks individuais e deixou de considerar que o conjunto da obra, o que importa, e muito! Ainda mais em um desfile com cerca de dez looks, onde a concisão precisa imperar para contar uma história têxtil. Ainda assim, ele apresentou coisas interessantes.

E, por fim, a Gralias, sob o comando da dupla Julia Guglielmetti e Grazi Cavalcanti, trouxe para o inverno 2014 uma coleção inspirada no Jokempô. A partir de um conceito desenvolvido em torno desse jogo japonês de pedra, tesoura e papel, as meninas desenvolveram peças soltas que, por baixo do colorido rico e das montagens com cara de moderninhas, apresentam uma curiosa interpretação da cartilha esportiva do próximo inverno. Dentro de uma lógica alternativa, é claro! Mas tudo bem, aqui ainda é hora disso.

fotos: Agência Fotosite / divulgação