Mês do Orgulho LGBTQIA+: Felipe Cabral promove série de eventos na web para fortalecer a produção nacional


Ator, autor e roteirista em novelas de sucesso, como “Totalmente Demais”, que está no ar no horário das 19h, ele coordena ações artísticas em celebração em seu canal no YouTube e fala sobre a importância da representatividade no teatro, no cinema e na TV: “Meus chefes mais do que queridos, Rosane Svartman e Paulo Halm, sempre foram autores muito abertos à questão da diversidade em suas obras. Eles sempre fizeram questão de colocar nas suas novelas personagens LGBTs. Por saberem que eu já trabalhava em meus projetos fora da Globo com a temática, era natural que eles me dessem essas cenas e esses personagens. Digo com toda certeza que ainda precisamos caminhar muito! Hoje já sabemos que mães pedem nos grupos de pesquisa para que a emissora coloque personagens gays e lésbicas em Malhação, por exemplo, porque precisam entender como lidar com seus filhos gays e lésbicas em casa também. É um avanço. Ao mesmo tempo, os personagens LGBTs ainda não têm a mesma gama de conflitos do que personagens heterossexuais. A questão do afeto é gritante. Colocar um beijo gay no ar é uma batalha. É preciso escrever esses personagens e ir avançando cada vez mais na sua representação”

*Por Brunna Condini

O mundo ainda atravessa a pandemia do novo coronavírus e, apesar do cenário, junho chegou trazendo um período que merece ser lembrado: o Mês do Orgulho LGBTQIA+ (sigla que abrange pessoas que são Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, e mais). As comemorações culminam no dia 28, com o Dia do Orgulho Gay, e marcam o movimento de liberdade e conquista de direitos. Apesar da necessidade de isolamento físico, o período será celebrado com programações online no Brasil e no mundo, destacando, mais do que nunca, a manutenção de direitos conquistados, o respeito ao amor do outro e a importância da inclusão. O ator, autor e roteirista Felipe Cabral elaborou ações artísticas que acontecerão em seu canal “Eu Leio LGBT”, e fala com exclusividade ao site sobre a programação, e sobre seu trabalho pautado na temática, seja na TV, no teatro ou no cinema.

O que destaca na agenda especial do canal para este mês? “Com certeza, a exibição online do espetáculo que escrevi e atuei “40 Anos Esta Noite” no Youtube, até 30 de junho. Nós vivemos três temporadas incríveis no Rio de Janeiro, no ano passado, levando aos palcos cariocas uma comédia sobre famílias homoafetivas. A resposta foi a melhor possível. Muita gente se identificou com o conflito das personagens e se sentiu representada com protagonistas gays e lésbicas numa dramaturgia nacional atual. A possibilidade de exibi-la para o país inteiro é linda. Já nas lives sobre literatura LGBT no Instagram do canal, eu destacaria o bate-papo com Jean Wyllys, no domingo, dia 7, às 19h. Certamente será uma conversa muito enriquecedora”, anuncia o idealizador do projeto, que também vai receber a escritora transexual Amara Moira, e a autora Natália Borges Polesso, entre outros. “Vivemos um momento tão delicado com o isolamento social e as notícias da pandemia… No entanto, os livros estão sendo bons aliados nessa quarentena. Nada mais justo, então, do que celebrar a literatura LGBTQIA+ com nomes representativos para nossa comunidade. E espero levar um pouco de amor e esperança a todos que assistirem a peça, que me trouxe tantas coisas boas”, torce Felipe.

“Vivemos um momento tão delicado com o isolamento social e as notícias da pandemia, que fica difícil celebrar qualquer coisa. Mas estou tentando levar um pouco de amor” (Foto: Dalton Valerio)

Colaborador das novelas de Rosane Svartman e Paulo Halm, com quem trabalhou em “Totalmente Demais”, no ar por aqui em reprise especial, e “Bom Sucesso”, no ar na Globo Portugal, Felipe também faz questão de esclarecer o significado da data. “Junho se tornou o Mês do Orgulho LGBTQIA+ em homenagem à Revolta de Stonewall, na cidade de Nova Iorque, nos Estados Unidos. Em 28 de Junho de 1969, frequentadores do Bar Stonewall, em sua maioria LGBTs, se rebelaram contra a perseguição por parte de policiais. O confronto seguiu por algumas noites e tomou conta das ruas da região. Pela primeira vez, muitas pessoas se sentiram parte de uma comunidade e lutaram com orgulho contra a opressão. No ano seguinte, em 1970, aconteceu uma marcha em Nova Iorque para celebrar a memória desta data. Aos poucos, as primeiras Paradas do Orgulho LGBTQIA+ foram acontecendo nessa época, até junho se tornar oficialmente o Mês do Orgulho”.

Cena do espetáculo “40 Anos Esta Noite”, que estará no Youtube, até 30 de junho (Foto: Danton Valério)

Você costuma trabalhar na TV Globo como um colaborador de dramaturgia nos núcleos de diversidade. É um trabalho de naturalizar a vivência gay na dramaturgia? “Sempre tive contratos por obra, então tive a honra e a felicidade de participar de dois projetos muito gratificantes, “Totalmente Demais” e “Bom Sucesso”. Meus chefes mais do que queridos, Rosane Svartman e Paulo Halm, sempre foram autores muito abertos à questão da diversidade em suas obras. Eles sempre fizeram questão de colocar nas duas novelas personagens LGBTs. Por saberem que eu já trabalhava em meus projetos fora da Globo com a temática, era natural que eles me dessem essas cenas e esses personagens. Digo com toda certeza que ainda precisamos caminhar muito! Hoje já sabemos que mães pedem nos grupos de pesquisa para que a emissora coloque personagens gays e lésbicas em Malhação, por exemplo, porque precisam entender como lidar com seus filhos gays e lésbicas em casa também. É um avanço. Ao mesmo tempo, os personagens LGBTs ainda não tem a mesma gama de conflitos do que personagens heterossexuais. A questão do afeto é gritante. Colocar um beijo gay no ar é uma batalha. É preciso escrever esses personagens e ir avançando cada vez mais na sua representação”

“Temos avanços. Ao mesmo tempo, os personagens LGBTs ainda não tem a mesma gama de conflitos do que personagens heterossexuais. A questão do afeto é gritante” (Foto: Hardman)

Em tempos de tantas dificuldades, incertezas, e de manifestações populares, aqui e ao redor do mundo, levantando as bandeiras do respeito, contra o racismo, e qualquer tipo de preconceito, e também denunciando retrocessos; como avalia as pautas LGBTQIA+ hoje? “Escutei em uma live com a drag Rita Von Hunty na semana passada, um pensamento que me fez todo sentido. Ela disse que quando vemos conservadores revoltados, gritando enlouquecidos contra a comunidade LGBTQIA+, significa que estamos no caminho certo”, avalia Felipe. “Claramente, nosso Legislativo ainda não se importa tanto com a comunidade LGBT, já que nossas conquistas derivam do Judiciário. Mas hoje já temos o direito ao casamento, à doação de sangue, vimos a criminalização da homofobia. Culturalmente também estamos andando para frente. Já vemos muitos filmes e séries com personagens gays, lésbicas, trans, bissexuais, até no mainstream. Na televisão aberta muito ainda precisa ser feito, mas acredito que os passos estão sendo dados”.

Por todas as formas de amar

Aos 34 anos, Felipe vive a quarentena desde março ao lado do namorado, Jorge Vieira, e conta, que não foi fácil desde o início. “Assim que pandemia começou, fiquei duas semanas doente com a suspeita da Covid-19. Demorou um mês para que eu pudesse ficar um pouco melhor”, lembra. “Estou isolado junto ao meu namorado e nosso cachorro. Nós dois tivemos os sintomas da Covid-19. Foi assustador passar mal em casa sem saber se tínhamos, de fato, o coronavírus. Ainda era uma época onde se falava muito sobre não ir até os hospitais porque poderia ser pior. A gente não sabia o que era considerado falta de ar ou não. Os cientistas ainda estavam descobrindo os sintomas da doença. Tudo era muito recente aqui no país, então foi muito estressante passar por aquilo “às cegas””, relata Felipe, que está recuperado.

“Estamos confinados e presos em casa. É muito desgastante, angustiante e pode ser desesperador. Então, é preciso se respeitar” (Acervo pessoal)

E compartilha algumas reflexões do período: “O que aprendi nessa quarentena foi a me respeitar. Se não estou conseguindo trabalhar, produzir, criar, é preciso espairecer a cabeça. Então assisto a um filme, vejo um pouco de televisão, tento relaxar. Aprendi desde o começo do isolamento a não ficar com a televisão ligada o tempo inteiro acompanhando as notícias. O nosso cenário é triste e eu sabia que, com o passar do tempo, só ia piorar. Por aqui, nos obrigamos a só acompanhar as notícias na hora do almoço e no jantar, para dar aquela atualizada sobre o que estava acontecendo. A gente precisa entender que não estamos com tempo livre. Não ganhamos nenhuma oportunidade maravilhosa. Estamos confinados e presos em casa. É muito desgastante, angustiante e pode ser desesperador. Então, é preciso se respeitar. Temos o direito de ficar tristes e para baixo. Vale sempre pedir ajuda, falar com amigos, tentar manter o contato com as pessoas mais próximas”.

Felipe mantém em suas obras as temáticas que naturalizam a vivência gay na sociedade. Além das novelas e das peças, os cinco curtas-metragens temáticos escritos por ele participaram de mais de 150 festivais nacionais e internacionais, acumulando mais de 20 prêmios. “Meu primeiro curta-metragem foi realizado em 2012 e se chamava “Gaydar“. Era uma comédia sobre um menino que contrabandeava um aparelho que indicava se alguém era gay ou não. A partir dali, minha trajetória foi se desenhando nessa temática. Era natural para mim colocar em cena, tanto atuando, como dirigindo ou escrevendo os roteiros, as minhas questões sobre sexualidade”, observa. “A participação nos festivais de cinema voltados para a diversidade sexual me colocou em contato com outros realizadores que também criavam obras sobre nossa comunidade. Foi emocionante perceber que existiam muitas pessoas também criando e fortalecendo uma cultura LGBT nacional. Me senti acolhido, parte de uma turma. Fazia cada vez mais sentido usar a arte como meu espaço de expressão, como minha arena para combater o preconceito. Com a projeção dos curtas, fui convidado para entrar na equipe de autores da novela “Totalmente Demais”, em 2015, e pude dar início a outra etapa na carreira. Agora estava dentro de empresas e grandes estruturas que falavam para milhões de pessoas. O alcance que poderia ter era muito maior. Felizmente encontrei parceiros com quem pude colaborar da melhor forma possível. Ser um autor jovem e assumidamente gay é um orgulho. Quero fortalecer cada vez mais a produção de conteúdo teatral, literário e audiovisual LGBT nacional. É importantíssimo que as novas gerações se vejam representadas na cultura do nosso país. Isso certamente lhes ajudará a construir uma identidade positiva sobre si mesmas. Hoje escrevo trabalhos que gostaria de ter visto quando era mais novo”.

O diretor Luiz Henrique Rios, Fabio Assunção e Felipe Cabral, na época das gravações de “Totalmente Demais” (Acervo)

Por que acha que a liberdade de amar quem se queira, ainda incomoda tanto? “Essa é uma pergunta muito difícil porque, para mim, o preconceito não faz o menor sentido. Mas podemos reconhecer que vivemos em uma cultura extremamente machista. Então, para homens preconceituosos, uma mulher lésbica só é lésbica por que “nunca conheceu um homem de verdade”. Um gay mais afeminado é chamado de “mulherzinha”, como se o feminino fosse uma característica negativa. Eu acho a lgbtfobia uma loucura, uma doença. Ela é alimentada por uma cultura machista e por um fundamentalismo religioso que nos atacam diariamente. A própria Igreja Católica ainda condena a homossexualidade. Como alguém pode crescer ouvindo que o que ele sente, quem ele é, é um pecado condenado ao inferno? O que me incomoda é o preconceito”.

Que projetos foram adiados com a pandemia? “Desde 2010 eu assino a direção artística junto com o produtor Miguel Colker do FESTU – Festival de Teatro Universitário. É um festival que apresenta duas Mostras, uma de Espetáculos e outra com uma competição entre esquetes (cenas curtas) do Brasil todo. Nossa décima edição seria em agosto, mas o processo seletivo já aconteceria presencialmente em Junho. Logicamente, tivemos que adiar o evento. Não poderíamos expor ninguém a nenhum risco de infecção. Estamos adaptando o festival para um festival virtual. Temos o desejo de realizar parte dele presencialmente em dezembro, mas ainda sem plateia. A competição entre os esquetes seria gravada, editada e exibida online. Vamos aguardar o que acontece até lá”, anuncia.