Nos bastidores do Inspiramais, Isabela Capeto falou sobre moda sustentável, crise, liberdade sexual e mais uma série de outros temas


Responsável pelo núcleo de Ecodesign do Salão de Inspiração, que rola em São Paulo até esta quinta-feira (09/07), a designer explicou sobre os benefícios de se utilizar uma produção sustentável

A história de Isabela Capeto no mundo da moda daria um enredo de um filme repleto de reviravoltas. Mas com final feliz. Depois de conquistar o mundo com suas criações cheias de brasilidade no começo dos anos 2000, ela abriu quatro lojas, fez desfiles esperadíssimos nas principais semanas de moda do país, vendeu sua marca para um grande conglomerado, insatisfeita com os rumos comprou de volta, se endividou, fechou as lojas, voltou a atender em esquema de ateliê e, enfim, voltou às passarelas depois de cinco anos de ausência com um superelogiado desfile na última edição da SPFW.

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Agora, com as dívidas pagas e cheia de clientes de novo, ela está feliz, serena e fazendo exatamente a moda que ela gostaria de fazer, do jeito que ama e ao seu tempo. Pois foi sobre tudo isso e um pouco mais que conversamos com a designer carioca nos bastidores do Inspiramais, Salão de Design e Inovação de Materiais, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal), pelo Footwear Components by Brasil e pelo Centro das Indústrias de Curtumes do Brasil (CICB), que está agitando a indústria da moda no Centro de Convenções do Shopping Frei Caneca. Por lá, Isabela dirige o setor de Ecodesign do salão, que consiste na consultoria para o desenvolvimento de produtos em couro a partir de práticas que tenham pouco impacto ambiental, utilizando solventes a base de água, produtos chrome free e taninos vegetais para o desenvolvimento de bolsas, calçados e acessórios – apresentados nessa edição do Inspiramais.

Para chegar ao resultado final desta coleção de inverno – destaque para a bolsa em formato de cara de vaca, supercharmosa e atitude – a estilista visitou os curtumes Aguapé – couros exóticos (peixe e rã); Krumenauer – vacum; FCC – solas em grupon; Fuga Couros – vacum e Curtume Caxiense (ovelha) e as empresas: Comlasa – forro; Sander Irmãos – chifres; Blaze Transfers  e Componentes / hot fix ; Reuter Metais– Metais e Cifa Fios e linhas – cordão encerado, acompanhando passo a passo de cada etapa do desenvolvimento da coleção. Os produtos são de couro exótico ou vacum, criados a partir de taninos e garantindo maior aproveitamento das matérias primas.

Entre uma visita e outra ao seu espaço no Inspiramais, ela conseguiu um tempinho para um papo delicioso. Vem com a gente.

HT: Como você foi parar no universo sustentável da moda?

IC: De certa forma, minha moda sempre teve essa pegada. Como lá no começo, que pegava peças e customizava, bordava e retransformava.  Sempre tive mania de reaproveitar tudo, sobras de tecidos, peças antigas, rendas, enfim, tudo vira um novo material nas minhas mãos. Hoje, em dia, por exemplo, não tenho estoque. Faço cinco peças de cada modelo e pronto. É tudo o que tenho na loja.

HT: Além da atemporalidade de suas peças, né? Elas não perdem o sentido depois de seis meses…

IC: Exatamente. Não me preocupo em ter que fazer uma nova coleção a cada seis meses. As peças vão entrando aos poucos, sem uma necessidade de sazonalidade. Este ano, por exemplo, só vou apresentar esta coleção de verão que mostrei na SPFW. Já comecei a fazer os modelos para o ano que vem, mas tudo com calma, sem pressa, para deixar tudo do meu jeito, ao meu tempo.

HT: De que forma esse seu trabalho com a Assintecal e o Inspiramais influencia na sua marca?

IC: Estou há três edições fazendo esse trabalho e me proporcionou conhecer várias áreas. Uma vez fui a um curtume de couro de pirarucu, e vi sacos de escama pelo chão que iam ser jogados fora. Pedi e me deram todos. Levei tudo para o hotel, tirei do saco e estendi tudo no chão do quarto para secar. Fiquei uma semana lá e avisei às camareiras para não mexerem ali. Eles me acharam uma louca! Usei tudo nas minhas coleções e foi um sucesso. Por mim, eu só usaria produtos ecologicamente corretos nas minhas criações, acho muito mais lindo. Não trabalho com produto sintético. Se é seda, é 100% seda, se é algodão, é 100 % algodão. Mas isso ainda é uma questão quando se chega na conta final, já que o produto sustentável ainda é mais caro.

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HT: Mas suas peças nunca foram exatamente baratas, né? Como equacionar preço e mercado?

IC: Depois da minha reestruturação, consegui chegar a um preço melhor sem abrir mão da qualidade que tanto prezo. Não tenho mais lojas,  em dois anos tive que mudar quatro vezes de endereço para me adequar aos alugueis até me estabilizar nesse ateliê no Horto, no Rio, e comercializo com algumas multimarcas. Hoje tenho quatro funcionários fixos e o resto é tudo terceirizado. No meu auge, eu tinha 47 pessoas trabalhando diretamente para minha empresa! Mas, como disse, são poucas peças, exclusivas, bordadas por dias, manualmente, não é uma roupa de massa.

HT: Você gosta dessa exclusividade? Não tem vontade de chegar a mais gente?

IC: Eu adoro a ideia de levar minha moda para um número maior de pessoas. E, por isso, trabalho com os licenciamentos, como as parcerias que fiz com a Chilli Beans, a Malwee, a C&A…

HT: O mercado da moda vive uma crise, e você, ao que parece, já superou a sua pessoal, certo? Como encara essa questão?

IC: Acho que na crise as pessoas ficam mais criativas, por conta da necessidade de se transformar. Eu aproveitei a minha para me reestruturar, pensar no que era importante e enxugar gastos.

IMG_2541HT: Mas essa sua superação da crise tem a ver com uma construção forte de marca, certo? Um DNA Isabela Capeto que não vai ser encontrado em outra marca.

IC: Quando comecei meu trabalho, há 15 anos, com R$ 5 mil de investimento, eu acreditei em um aspecto, que colou em mim mesmo sem que eu planejasse, que é a brasilidade. Mesmo quando minha roupa é mais simples, sem bordado, ela tem brasilidade. E isso me deixa orgulhosa, porque eu sou feliz de ser brasileira. Sempre respeitei minha verdade. Quando compraram minha marca, queriam transformá-la  numa estrutura extremamente comercial, mais simples, e foi aí que eu resolvi retomar as rédeas. Não trabalhei tanto para consolidar meu nome e a imagem das minhas coleções para deturparem tudo assim.

HT: E se ainda está encerrando dívidas, por que resolveu assumir um novo gasto voltando aos desfiles?

IC: Porque eu adoro desfiles, adoro ver a fila final das modelos, com todas as roupas contando uma história. Aí me deu vontade. Fiz tudo da forma que coubesse no meu orçamento com ajuda de pessoas queridas que fazem parte da minha história. O fotógrafo, o maquiador, o stylist, a sala de desfiles que é o escritório de outro amigo, enfim, todos me disseram que fariam do jeito que fosse, pagando em peças, quando eu pudesse, enfim. Todos foram muito parceiros. Não tinha dinheiro para contratar 20 modelos, contratei 10 e chamei a Roberta Sá para cantar no meio da apresentação e a gente poder ganhar tempo para trocar as roupas das meninas nos bastidores.

HT: Seu desfile tinha imagens de Iemanjá e remetia a alguns rituais de Ano Novo que tem um pé nas religiões afro-brasileiras. Recentemente, uma garota foi apedrejada por estar usando branco num caso de intolerância religiosa. Como se inspirar em um mundo cada vez mais careta?

IC: Sou católica, mas todas as religiões me interessam, porque sou uma pessoa de muita fé. Fico triste com intolerância, censura e falta de amor. Estamos ficando muito caretas por um lado, mas também acho que nunca fomos tão livres de poder ser o que a gente quiser ser. Outro dia estava conversando com um amigo em um jantar e falávamos sobre isto, que nunca a expressão querer é poder fez tão sentido. As pessoas podem ser o que quiserem ser. Homem, mulher, trans, gay, bi, pan…

HT: E o que você acha de termos duas semanas de moda?

IC: Acho que tinha que ser só uma cidade por temporada. Inverno em São Paulo e Verão no Rio. Não precisa duas semanas de moda em duas cidades. É tão pertinho uma da outra, dá para encaixar bem esse exercício de alternância. Eu apoio essa ideia.