Nas telas e no teatro, a atriz Lyv Ziese leva seu recado artístico, luta contra a gordofobia e desabafa sobre bullying nas redes sociais: “por trás da tela do computador e de um perfil bloqueado, todos são muito corajosos”


A artista esteve em cartaz com a peça Se Existe Ainda Não Encontrei, em São Paulo, e também atuou recentemente na série Filhos da Pátria

A atriz Lyv Ziese fez parte do elenco de Filhos da Pátria
(Foto: Sergio Baia)

Filhos da Pátria deu o que falar com uma trama que se passa em 1822, mas que parece ser muito atual. A série tratou contar a história do jeitinho brasileiro e como esta característica é quase histórica na nossa sociedade. Com a possibilidade de uma segunda temporada, a atriz Lyv Ziese, que interpretou uma prostituta na trama, teve a experiência pela primeira vez de viver uma personagem daquele período histórico. Sua última trama de época, Boogie Oogie, por exemplo, se passava na década de 60, logo ela tinha referências na família, diferente da narrativa dos livros do tempo da proclamação de independência.  “De uma forma muito leve, Filhos da Pátria toca em pontos muito sérios e atuais. A graça é ver coisas que lemos nos jornais todos os dias transpostas para 1800, o que mostra que o problema veio desde o início. Foi muito inteligente e corajoso falar disto agora, porque parece engraçado, mas é verdade”, lamentou.

Enquanto a segunda temporada ainda é uma incognita, Lyv atua na peça Se Existe Ainda Não Encontrei, que acabou de sair de cartaz nos teatros paulistas. Foram mais de cinco anos envolvidos neste projeto escrito pelo inglês Nick Payne. A trama traz uma família comum e disfuncional que pode ser reconhecida em qualquer lar, inclusive no da própria atriz. “O texto é simples, mas ao mesmo tempo possui indiretas fortes e claras, sobre questões como o bullying e o Alzheimer. As pessoas estão tão preocupados com os seus próprios problemas que não enxergam o outro, logo falamos da incomunicabilidade”, explicou a artista. A peça começa leve com o público sendo levado para um lugar de comédia de uma família disfuncional até chegar ao trágico e ao dramático.

Lyv intepreta uma menina de 15 anos que sofre bullying na escola (Foto: Sergio Baia)

Os pais não veem o bullying que uma menina de 15 anos, interpretada por Lyv, está sofrendo na escola por causa do peso. Somente com a chegada na casa de um tio viajado e fumante é que os mais velhos se dão conta dos desafios que a garota vem enfrentando. Diferente de sua personagem na peça, a atriz contou que nunca enfrentou problemas no núcleo familiar ou entre amigos por causa do peso. “Nunca passei pelo bullying, por ter uma família que me deu uma base muito forte. Meus pais sempre buscaram o melhor para mim. Fiz muita dieta quando era menor, mas por uma questão de saúde. No colégio, eu não era o alvo, talvez por ter uma personalidade alegre. Os problemas que tive por ter uma estrutura maior do que a das outras meninas era comigo mesma devido às referências corporais que o mundo me dava como novelas e filmes. A menina magra com cabelo liso e olhos claros é quem vai ganhar o menino, então eu já me colocava na posição de melhor amiga”, contou.

Lyv nunca escondeu a sua opinião sobre questões que envolvem a gordofobia e sempre esteve envolvida em projetos que lutassem contra isto. No filme Lindas, Gostosas e Sexies, por exemplo, as personagens criticam o padrão de beleza imposto pela sociedade. “O preconceito hoje é velado, principalmente, pelos discursos que temos hoje contra isto. Acaba que a ideia de perfil maquia isso. É claro que é compreensível, existem várias outras meninas fazendo os testes e uma hora cada uma vai passar. No entanto, sinto que não existem as mesmas oportunidades para a galera plus size. Se é uma personagem que possui problemas normais, geralmente, escolhem outra artista, isto porque veladamente eu não sou normal. Tenho um diferencial que é estar acima do peso”, explicou.

A artista usa as redes sociais para quebrar padrões de beleza (Foto: Sergio Baia)

Em entrevistas e em seu cotidiano, a atriz busca mostrar que ainda existem questões dentro do meio artístico que a impendem de ter as mesmas oportunidades de uma atriz com alguns quilos a menos. “Existe um olhar diferenciado, mas não é preconceituoso. As pessoas ainda não estão preparadas para lidar com o plus size, pois as modelos são sempre magras e finas. No entanto, quando aparece uma mulher de copo ‘normal’, ou seja, com uma estrutura mais comum do dia a dia, a galera não sabe como lidar”, contou. Recentemente, Lyv fez parte de uma campanha de lingerie que abrangia todos os corpos e garantiu que não houve nenhuma diferenciação das outras modelos. “Fui tratada da mesma forma que a minha companheira. Quanto mais propagandas existirem com corpos diferentes, mais mulheres vão se ver naquela marca. Isso faz com que as pessoas percebam que são capazes da mesma forma que a modelo. Na minha adolescência, haviam peças que nem cogitava comprar porque as meninas que usavam tinham uma estrutura diferente da minha”, lamentou.

Para a atriz, é importante que mais marcas se conscientizem da importância de trazer várias diferenças para uma campanha. Como ela mesma relatou algumas meninas não acreditam que podem usar certas roupas por não se reconhecer nas propagandas. Por acreditar que certas roupas não serviam para o seu biotipo, Lyv só colocou o primeiro tomara que caia aos 18 anos, após uma cirurgia de redução de seios. “Foi uma decisão pessoal minha, porque sofria muito por não poder colocar certas roupas. Por ser muito grande, o meu peito era muito caído, então eu me sentia mal. Conversei muito com a minha mãe antes de fazer e ela me incentivou muito. Acho que quando vamos fazer algo pela nossa felicidade não há nem o que questionar. Quando coloquei o meu primeiro tomara que caia com 18 anos chorei muito”, relembrou. Ela garantiu que não houve nenhuma pressão social sobre esta mudança e que, na verdade, foi algo pessoal que a fez se sentir melhor com o seu próprio corpo.

Lyv fez cirurgia nos seios aos 18 anos (Foto: Sergio Baia)

Lyv frisou ainda como esta exigência de beleza existe de forma mais incidente no universo feminino, no entanto acredita que o feminismo e movimentos parecidos estão mudando este discurso. Pessoalmente, tenta fazer a sua parte para mostrar que estar acima do peso é normal. “A minha forma de luta é apresentar a minha visão todas as vezes que estou conversando com alguém, seja um diretor ou um amigo. Gosto de deixar claro que aquela é apenas mais uma personagem e posso fazer qualquer outra. Não preciso ficar enjaulada em uma caixinha por ser gordinha. Ninguém pensa todos os dias no peso, assim como as protagonistas. Tomara que eu possa fazer uma novela onde exista a questão do peso, mas que tenha questões que não tem nada a ver com isso. O problema é que sempre sou levada para o lugar da balança”, criticou.“É uma luta diária porque muitas vezes estou bem e acordo querendo me cuidar, mas tem dias que uma foto em um ângulo errado me deixa triste o dia inteiro”, contou.

Lyv relatou sobre como se sentiu sobre a polêmica que houve na internet quanto a sua publicação (Foto: Sergio Baia)

Este questionamento diário da vida da atriz está presente, inclusive, nas redes sociais onde expõe para os seus seguidores textos e vídeos que os ajudem a se aceitarem. “Quero colocar na cabeça das minhas seguidoras que não tem problema delas irem à praia ou à piscina. Use biquíni, maiô, short, mas não deixem de fazer as coisas por causa da opinião do outro. Emagreça por você e não por aquele cara que não vai te querer pelo seu corpo, porque que ele não te merece. A ideia é estar cercada de pessoas que te aceitem”, contou. Desde que se jogou nesta luta contra a gordofobia, a atriz passou a seguir diversas ativistas ao redor do mundo, desde Brasil até Croácia.

Apesar de ter vários comentários positivos na rede, a atriz já recebeu uma chuva de comentários negativos sobre a sua forma de ver a vida. Em setembro, Lyv esteve envolvida em uma polêmica nas redes sociais ao repostar uma publicação de uma ativista americana. A foto havia sido feita por algum paparazzo e trazia evidência para as celulites em sua perna. Na legenda, a brasileira escreveu que não era errado as mulheres terem celulite, barriga ou estria e que aquilo fazia parte do ser humano, pois ninguém é culpado por não ser uma Barbie. “Teve uma repercussão incrível com pessoas marcando as amigas e apoiando, mas também teve comentários negativos. Não fico irritada com os homens, porque eles não passam isso na pele, mas fico muito triste com as mulheres que retrucavam falando ‘desculpa, mas sou uma Barbie’. Tenho certeza que essa menina que disse isso já se olhou no espelho um dia e não gostou do que viu. No entanto, por trás da tela do computador e de um perfil bloqueado, todos são muito corajosos. Vários profissionais também comentaram absurdos falando que se continuasse com esta saúde morreria mais rápido. A questão é que saúde e peso não têm nada a ver, muita gente se alimenta bem e faz exercício, mas continua acima do peso”, lamentou.