Miriam Freeland relata impactos da pandemia em Portugal, onde mora desde setembro com o marido, o ator Roberto Bomtempo


O casal está com projetos culturais adiados e tem visto a tristeza de brasileiros sem emprego querendo voltar para o Brasil. “Aqui é dever cívico ficar em casa e tem o toque de recolher. Estamos lidando com vidas, então, o isolamento social é necessário, assim como o uso de máscara. Tem que se cuidar. Existe a proliferação de um vírus e agora com variações”, relata. Em janeiro, ela precisou vir ao Brasil. “Vi praias lotadas, foi assustador. Aqui pelo menos as pessoas obedecem ordens, estão em isolamento desde o início de janeiro e assim devem permanecer até o final de março”, diz a atriz

Miriam Freeland relata impactos da pandemia em Portugal, onde mora desde setembro com o marido, o ator Roberto Bomtempo

* Por Carlos Lima Costa

Passar uma temporada em Portugal, era um antigo sonho do casal de atores Miriam Freeland e Roberto Bomtempo. Mesmo diante da pandemia da Covid-19, eles não abriram mão do projeto e se mudaram para lá em setembro do ano passado. “Achamos que não valia a pena ficar no Brasil com a vida parada profissionalmente, financeiramente, em todos os aspectos. E a gente ia acabar gastando aquilo que tínhamos guardado para viver essa experiência. Então, viemos para plantar as sementes de trabalho, aproveitando para estudar e aguardando essa situação toda da pandemia se resolver, que está mais longa do que a gente pensava”, explica ela, que em Lisboa, onde os dois estão morando, vem fazendo pós graduação em Comunicação de Cultura e Indústrias Criativas. Além do filho do casal, Miguel, de 9 anos, a primogênita da atriz, Maria Helena, 21, fruto de relação anterior, também está com eles.

Portugal vive um momento rígido de restrições de circulação. “Aqui, é dever cívico ficar em casa e tem o toque de recolher. Está praticamente tudo fechado, com exceção dos serviços essenciais. Você só pode ir a mercado ou farmácia. A ideia é que realmente não tenha circulação de pessoas nas ruas. É lockdown, estado de emergência. Mas está permitido, por exemplo, uma caminhada de higienização de mente com até duas pessoas. Sou mais relax, tenho menos essa necessidade, fico mais quieta. Mas já vamos fechar um ano de pandemia, agora, em março, então, não é fácil. Estamos lidando com vidas, o isolamento social é necessário, assim como o uso de máscara. Tem que se cuidar. Existe a proliferação de um vírus que a gente não enxerga, agora com variações, é uma loucura. Se ficar pensando nisso tudo, você fica meio doida, então, realmente tem que respirar fundo e buscar algo que te faça bem. Eu gosto de cozinhar, então, é uma terapia ficar inventando receitas.”, observa, lembrando que, em 2013, ela e Roberto moraram sete meses, em Londres, na Inglaterra.

Miriam Freeland está morando em Portugal desde setembro do ano passado (Foto: Reprodução Instagram)

Em decorrência do lockdown e com voos cancelados, sem a possibilidade de poder retornar ao Brasil, muitos brasileiros estão passando por dificuldades até para se alimentar. Em um voo comercial de repatriamento, na sexta-feira, dia 26, 298 pessoas conseguiram retornar ao país, desembarcando em São Paulo. “Pessoalmente, não conheço os brasileiros que estão passando por problemas aqui, mas escuto histórias, em grupo de mães de WhatsApp, de gente desesperada, que precisa voltar. A crise é grave, Portugal é um país pequeno, que estava vivendo do turismo nos últimos dez anos pelo menos, então, o impacto da pandemia afeta muitíssimo. A parte cultural está muito desestruturada também. Estamos acompanhando de perto. O impacto da pandemia economicamente em Portugal é muito grande, o turismo forte fazia a economia  girar depois da grande crise de 2008”, frisa.

Em janeiro, Miriam precisou vir ao Brasil e ficou assustada. “Uma loucura, todo mundo na rua, as praias lotadas, foi assustador. Aqui pelo menos as pessoas obedecem as ordens, estão em isolamento social desde o início de janeiro e assim devem permanecer até o final de março. Eu tive dificuldade de retornar. Meu voo era 1º de fevereiro. No dia 28, se não me engano, decretaram os fechamentos das fronteiras, fiquei desesperada, porque imagina meu filho menor estava aqui. Meu voo era pela TAP, mas a companhia não estava dando nenhum retorno a ninguém, como não deu até hoje, na verdade. Consegui um voo pela França, uma indicação do consulado brasileiro. Teve um voo agora comercial de repatriamento, mas ainda tem muita gente que não consegue vir para cá ou que não consegue voltar para o Brasil. É uma situação complicada, famílias estão separadas, é terrível”, aponta.

No momento, Miriam vem tendo aulas online, mas, ano passado, foram presenciais e ela criou rede de contatos. A atriz conta, então, o que escuta falar sobre o Brasil. “As notícias são sempre as piores sobre o presidente. Tem sempre um ‘olha o que esse homem está fazendo, que pena’. O mundo e nós mesmos víamos um Brasil muito crescente, positivo, com uma imagem bacana e aí o mundo faz piada direto. Não só aqui em Portugal. Na França, eles debocham muito, porque são supercríticos”, comenta.

A união de Roberto Bomtempo e Miriam Freeland acaba de completar 16 anos (Foto: Reprodução Instagram)

A união de Roberto Bomtempo e Miriam Freeland acaba de completar 16 anos (Foto: Reprodução Instagram)

A ideia de Miriam e de Roberto sempre foi passar uma temporada, sem descartar uma permanência definitiva, se dividindo entre os dois países de acordo com os projetos profissionais. “Nosso planejamento sempre foi de permanecer em Lisboa dois anos para entender como funciona. Viver a experiência de verdade e perceber se vai estar bom para os filhos. Agora, precisamos trabalhar, criar meios de sobreviver. Roberto sempre teve esse sonho. O desejo seria ficar com um pezinho cá, um pezinho aí no Brasil, enfim, são vontades de abrir novas possibilidades e experiências. Gostamos muito daqui e namoramos a possibilidade de apresentar nossos espetáculos. E também achamos que para os nossos filhos é uma experiência boa, abre horizontes. Mas não tem nada definido como será”, acrescenta ela.

Em março do ano passado, quando começou a pandemia e foi decretada a quarentena, o casal estava para estrear quatro dias depois, no Teatro Village Mall, no Rio, com o espetáculo infantil Diário de Pilar na Grécia, baseado em livro homônimo de Flávia Lins e Silva, com o qual os dois vinham se apresentando desde 2018. E já tinham programada temporada em abril e maio, em São Paulo. “Gastei uma grana, mas tivemos que cancelar tudo. Ficamos naquele susto como todo mundo, sem saber quanto tempo esta situação iria durar. Quando percebemos que não ia ter retorno real, não quis apresentá-lo em um drive-in, porque é uma peça que precisa ser encenada em um teatro por questões de luz, de produção”, conta. Ela e Roberto ainda nutrem a ideia de apresentar o espetáculo, em julho, no Brasil, mas percebem que é grande a possibilidade que isso não se realize. “Temos o desejo de voltar a fazer, de estar com o público, com os companheiros de cena, mas não sabemos de fato em que pé vai ficar tudo isso”, acrescenta.

Antes de partir para a Europa, Miriam, inclusive, já tinha captado parte dos recursos para outro espetáculo infantil, Diário de Pilar na Amazônia (ela planeja encenar no Brasil, em 2022), da mesma autora. Flávia Lins e Silva, aliás, é a criadora do incensado seriado infantil D.P.A. – Detetives do Prédio Azul, exibido no Gloob, o mais recente trabalho de Miriam na TV. “No momento, estamos trabalhando com as possibilidades, devido a esse momento tão crítico que o mundo está passando.” Recentemente, o casal fechou ainda com o autor Bosco Brasil os direitos autorais de um espetáculo assinado por ele para montar em Portugal.

Durante dois anos, Miriam planeja vir ao Brasil somente para trabalhar (Foto: Reprodução Instagram)

Durante dois anos, Miriam planeja vir ao Brasil somente para trabalhar (Foto: Reprodução Instagram)

Quando a família se mudou para Lisboa, em setembro, os teatros estavam abertos. Eles, inclusive, assistiram alguns espetáculos. Mas em dezembro, tudo fechou novamente. E toda a programação foi se arrastando para mais adiante. Então, lá também existe uma indefinição de datas por conta da duração das restrições impostas pela quarentena. “A gente adoraria fazer um dos nossos espetáculos aqui, mas está tudo em suspenso, indefinido”, reforça.

Antes de deixar sua terra natal, Miriam viveu sobressalto, em julho, quando o pai, Victor Freeland, de 75 anos, contraiu a Covid-19. “Foi difícil, mas não precisou ser hospitalizado. Essa doença é muito louca, não dá para entender. A gente tinha separado um pedaço da casa para ele, que foi o único a ter. A gente não estava saindo de casa mesmo, nem para ir ao supermercado. Nesse período, só eu circulava nessa área, levava comida, limpava, cuidava das coisas dele, mas não tive nada”, recorda.

E prossegue sobre como a pandemia lhe afetou psicologicamente: “No início, foi muito forte para todo mundo, mas aqui em casa é diferente. O Roberto tem temperamento mais rueiro. Ele se sente mais enclausurado, precisa da natureza, de caminhar. Eu sou mais caseira, fico mais na boa do que ele. Minha filha mais velha também é mais rueira, mas foi superdisciplinada. Ela se debatia igual um leão na jaula, mas não saía e condenava os jovens que iam para a rua. Ela nem vinha com a gente. Resolveu vir, por que estava causando sofrimento a ela ficar presenciando essa loucura das pessoas não estarem nem aí para a Covid”, realça.

Enquanto estavam no Brasil, o filho Miguel vinha assistindo aulas online. “Aqui, o ano letivo começa em setembro. Quando viemos para cá, demos sorte das escolas estarem abertas, porque era um momento de pandemia controlada, e ele foi para a aula presencial o que foi importante para ele criar vínculos com o professor e com a turma. Desde janeiro, está online novamente. Eu sempre bati palma para os professores, agora, mais ainda. Para mim, eles são linha de frente tanto quanto os médicos e os enfermeiros. Para os professores, enquanto indivíduos, foi uma transformação. Muitos não gostam de câmera, não sabem falar diante dela, e tiveram que gravar aula, então, essa loucura toda foi uma tourada para eles”, analisa.

Miriam conta que o pai enfrentou a Covid-19, em julho, e se recuperou (Foto: Reprodução Instagram)

Miriam conta que o pai enfrentou a Covid-19, em julho, e se recuperou (Foto: Reprodução Instagram)

Miriam relembra com orgulho seu trabalho  no seriado Detetives do Prédio Azul. Ela participou também dos três filmes baseados na série, D.P.A. – O Filme, D.P.A. 2 – O Mistério Italiano e D.P.A. 3 – Uma Aventura no Fim do Mundo. “Não estou mais, o terceiro filme foi a última coisa que fizemos. Na verdade, saíram todos, as famílias dos detetives foram trocadas. Eu fiz quase seis anos de programa e amava. Primeiro, porque é incrível, acho que é a entrega de um produto maravilhoso para a infância. Não é só entretenimento, tem um cunho educacional, tem sempre uma mensagem nas entrelinhas. Quando entrei ainda não era essa febre que o programa virou. Eu brinco dizendo que o DPA é a Xuxa dessa geração. O sucesso se deve muito por conta da qualidade do produto. Agora, já está na terceira geração de detetives. Eu fiz parte da segunda, vivi a mãe de um deles, até a 13ª temporada. É bom perceber a longevidade do projeto. Como mãe e artista, vejo que a geração atual tem acesso a uma quantidade absurda de conteúdo através do controle remoto. Então, é um orgulho ver este que é um produto brasileiro fazendo este sucesso, tendo qualidade artística e educacional. Acho que a autora tem um mérito incrível nisso tudo. O projeto nasceu pequenininho e virou uma referência, uma febre. Quando eu ía buscar meu filho na escola era uma loucura”, frisa ela, que estreou profissionalmente como atriz, aos 14 anos, com a peça infantil Passo a Passo no Paço, de Maria Clara Machado (1921-2001), fundadora do Tablado, escola de teatro onde ela começou a estudar aos 12 anos. “Tenho orgulho, aprendi muito ali”, diz.

Essa paixão se intensificou ainda mais ao lado do marido com quem acaba de completar 16 anos de união não só amorosa, como profissional. “Eu já nasci meio anciã, então, sempre me senti mais velha do que a minha geração, tudo precoce, tive minha filha muito nova. Eu brinco que sou mais velha do que os anos que tenho de vida (risos). O Roberto sempre produziu, sempre foi muito autodidata na construção da carreira dele, nunca ficou esperando ninguém para realizar o que ele queria. Então, aprendi muito. Eu já vinha com essa sede de produzir e encontrei nele um terreno fértil. A minha sogra (Regina Sampaio), que produzia com ele, até brincava quando cheguei: ‘Pelo amor de Deus, quero me aposentar de produção’. Ela me entregou o bastão e saiu fora, foi ser só atriz (risos). E a nossa parceria profissional é muito boa, a gente gosta muito de trabalhar juntos. Temos uma intimidade cênica divertidíssima”, explica. Miriam e Roberto estiveram juntos no palco em peças como Tomo Suas Mãos nas Minhas, baseada na correspondência do escritor russo Anton Tchekhov (1860-1904) com sua mulher, a atriz Olga Knipper (1868-1959), e Casa de Bonecas, do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828-1906).

Em Lisboa, Miriam está cursando pós graduação em Comunicação de Cultura e Indústrias Criativas (Foto: Reprodução Instagram)

Em Lisboa, Miriam está cursando pós graduação em Comunicação de Cultura e Indústrias Criativas (Foto: Reprodução Instagram)

Nessa pandemia, muitos casais terminaram suas relações pelo excesso de convivência. Isso não afetou em nada a vida de Miriam e Roberto. “A gente sempre conviveu muito, a gente gosta de estar junto, e como sou muito caseira, sou tranquila, então, no nosso caso foi o contrário. A gente faz reflexões muito de benefícios que tudo isso trouxe, como estar um pouco mais perto do filho”, diz.

E, aos 42 anos, com uma filha de 21, se diverte com a possibilidade de se tornar uma avó jovem, antes mesmo de chegar aos 50. “Acho o máximo. Não que eu queira que ela seja mãe agora. Mas quando acontecer, quero ser uma avó bem animadona. Eu sou muito família, então, pra mim vai ser mole”, finaliza.