Lino Villaventura: um tapa na cara do fast fashion


Com sua nova coleção – coleção, não, delírio! – mais uma vez o estilista sapateia sobre os desafortunados sem imaginação

Os desfiles de Lino Villaventura não se calcam em tendências de moda. Isto, para alguns jornalistas e pesquisadores de moda, pode parecer, à primeira vista, um componente dificultador na hora de escrever sobre o show. Para nós, do site, é um momento de plena libertação, quando, ao invés de nos atermos ao cárcere das apostas ditadas pela mesmice comercial do fast fashion, é possível nos deixarmos levar pela possibilidade de vislumbrar algo único, completamente diferente, um sopro de poesia, loucura ou devaneio em meio a uma temporada de formas, cores e texturas determinadas pela necessidade de classificar, catalogar ou estereotipar resultados criativos na hora de otimizar espaço nas folhas de papel dos jornais e revistas, nas telas de computador ou na matemática da exposição de mercadorias naquilo que se consolidou como merchandising visual. Para Lino, felizmente, isso é pura balela. Existe, mas nunca dentro do seu universo e, cá entre nós, para ele ser feliz, é absolutamente essencial que estas premissas da moda comercial passem ao largo de seu trabalho. Não que ele não queira ou não precise vender, óbvio que tem. Mas, para a alegria geral da nação, ele conseguiu alcançar um patamar onde seu sucesso de vendas está intimamente relacionado ao apreço que sua clientela tem pelo aspecto não massificado de suas coleções.

Foto: Vinícius Pereira

Já ouvimos algumas vezes, após seus desfiles-shows, outros profissionais do meio estabelecerem críticas à sua obra, não porque não gostaram, mas pela absoluta ignorância de compreender como funciona a cabeça do estilista. Ou, ainda, pela impossibilidade de se deixar levar, de se permitir sentir o que ele pretendeu dizer. E, sobretudo, pelo enorme esforço que representa o exercício quase literário de escrever sem ser conduzido pela mera classificação. Obviamente, quem está na chuva, é para se molhar e, por isso, ninguém está alheio à possibilidade de não agradar. Unanimidades são burras, já dizia Nelson Rodrigues. E o que Lino pretende atingir não é  nem a unanimidade da repetição, nem a burrice da classificação científica, ainda que sua história linear possibilite a manutenção de certos códigos estéticos que são o cerne da sua identidade. Seu trabalho nada tem a ver com tabelas periódicas de elementos ou a catalogação aristotélica dos seres vivos em ramos, ordens, famílias e gêneros. Seu trabalho é único como uma espécie.

Fotos: Vinícius Pereira

Dessa vez, ele partiu do conjunto de imagens fortes composto pelos seus 35 anos de carreira para expressar o seu desejo particular de moda. E, nesse caso, vale até usar um blues de Nina Simone, que já havia tocado em um outro desfile cerca de 20 anos antes, para pontuar a trilha sonora,  chegando a um novo resultado. Para quem se permite sonhar, é perfeitamente possível delirar junto com o designer e viajar no sentido mais lisérgico da palavra. Viajar pelas figuras em negro, na abertura do desfile, com tintas coloridas que brotam da cabeça e salpicam os colos e e ombros para, depois, perceber a evolução dessas cores na sequência de looks que vão ficando cada mais vivos, como um sonho de memória mais recente. Ou das formas que se estruturam a partir de tules transparentes na altura dos ombros ou em elegantes costados, dando a sensação de que estão sendo retiradas tremulamente pelas mãos de quem veste, quase em uma convulsão de sensual volúpia, em perfeita sintonia com a música que embala o sinuoso andar da modelo. E é em horas como esta que as silhuetas desenhadas por Lino, combinadas com o casting, os cabelos e a maquiagem, mais a direção corporal das modelos, definem imagens quase cinematográficas como as de inconsequentes  flappers da virada dos anos 1920/30 que, em uma frívola festa, regada a muita borbulha e rapé, se permitem descobrir o mundo através um beijo lésbico, como aquele que Alícia Kuczman e Isabel Hickmann deram no final do show. Precisa dizer mais?

Após o desfile, demos uma rápida passadinha para cumprimentá-lo e fazer um bate-bola que estávamos há quase uma semana para fazer, mas que, pelo ritmo intenso de nosso trabalho nas últimas semanas, mais a frenética agenda de Lino, ainda não havíamos conseguido. Qual não foi nossa surpresa quando ele nos recebeu, exaltante com o show, e nos respondendo com prontidão às perguntam que se transformaram neste artigo, mutante igualzinho às criaturas que ele imaginou quando concebeu o desfile.