Influencer PcD Ana Clara Moniz reflete sobre capacitismo estrutural e no BBB e ainda enfrentar a LGBTQIA+fobia


A jornalista, escritora, palestrante e influenciadora digital Ana Clara Moniz, que tem Atrofia Muscular Espinhal (AME) e acumula milhares de visualizações em publicações anticapacitistas e a favor da comunidade LGBTQIA+, detonou na web a prova do Líder (“o BBB precisa fazer provas adaptáveis e inclusivas para todo mundo) e as falas de Maycon, o eliminado de ontem. “A gente ainda está no início deste debate, comentando a caminhar em direção a um mundo anticapacistista, percebo que ainda temos que colocar as pessoas com deficiência para falar. Apenas de existir, [nós, PcDs] estamos lutando. A gente precisa quebrar essa barreira e deixar claro que nós podemos fazer o que nós quisermos, não somos apenas a nossa deficiência. Ainda é muito cansativo, mas sinto que tem mudado principalmente com a internet. No meu trabalho, tento colocar esse debate de forma não a falar somente das deficiências e dos preconceitos contra as deficiências, mas principalmente [conscientizar] sobre a ocupação de espaço. Meu principal papel é em ocupar espaços como uma mulher como deficiência e LGBT”, frisa

Como mulher LGBTQIA+, a influencer Ana Clara Moniz trabalha o tópico da homofobia

*por Luísa Giraldo

Discussões sobre o capacitismo estrutural marcaram os primeiros dias do reality show Big Brother Brasil, após o participante paralímpico Vinicius Rodrigues ter sido alvo de falas polêmicas de  Maycon (que foi eliminado ontem do programa) ao perguntar a ele durante a prova do Líder se poderia “apelidar” a prótese do atleta como “cotinho” – termo que vem da palavra “coto”, popularmente usada para se referir à parte restante de um membro amputado. A jornalista, escritora e criadora de conteúdo Ana Clara Moniz, que descobriu muito cedo ter Atrofia Muscular Espinhal (AME), se manifestou sobre o ocorrido e se coloca, aos seguidores, como símbolo potente na luta anticapacitista brasileira. A partir da produção de conteúdos inclusivos e educativos, a jornalista propõe debates sobre o olhar limitante e carregado de preconceito da sociedade para pessoas com deficiência (PcDs). Antes de tudo, ela apresenta um olhar de diversidade e acolhimento com as deficiências físicas e mentais. Em conversa exclusiva ao site Heloisa Tolipan, a influencer reflete sobre o impacto da luta contra o capacitismo em sua vida e os desafios como mulher bissexual.

Ana Clara descreve que o debate anticapacitista integra a vida dela antes mesmo da criação deste termo. “Ele faz parte da minha vida desde que me entendo por gente, porque cresci com uma deficiência. É o meu normal, é quem eu sou e não define tudo que sou, mas faz parte de mim. Acredito que a gente ainda está caminhando e que as coisas estão começando a mudar, mas é um trabalho muito de formiguinha”.

A jornalista relata que, apesar do cenário próspero de mudança e inclusão, ainda sofre com olhares e comentários capacitistas. Ela relata que há, até mesmo nos debates, falas problemáticas pelo desconhecimento e ignorância de grande parte das pessoas que o preconceito contra PcDs existe de fato. 

Ainda é muito cansativo, mas sinto que tem mudado principalmente com a internet. No meu trabalho, tento colocar esse debate de forma não a falar somente das deficiências e dos preconceitos contra as deficiências, mas principalmente [conscientizar] sobre a ocupação de espaço. Meu principal papel é em ocupar espaços como uma mulher como deficiência e LGBT — Ana Clara Moniz

“A gente ainda está no início deste debate, comentando a caminhar em direção a um mundo anticapacistista, percebo que ainda temos que colocar as pessoas com deficiência para falar. Nós, PcDs estamos lutando. A gente precisa quebrar essa barreira e deixar claro que nós podemos fazer o que nós quisermos, não somos apenas a nossa deficiência”.

Ela explica que, em seus conteúdos, há “um pouco de tudo”, da sua vida e rotina diária com o detalhe de agrupar a lógica de uma mulher com deficiência e LGBTQIA+. Orgulhosa do trabalho, Ana Clara disse ter construído uma comunidade que acolhe entende os momentos de militância e aqueles em que outros assuntos são contemplados. Naquele espaço virtual, a influenciadora detalha ser “exatamente quem” é.

A criadora de conteúdo Ana Clara Moniz desabafa sobre o capacitismo

A criadora de conteúdo Ana Clara Moniz desabafa sobre o capacitismo (Foto: Divulgação)

Me coloco nesse lugar de falar sobre a deficiência por ser um assunto que eu gosto, mas a Ana Clara vai muito além de ter uma deficiência. Ela tem muitas outras características que não a deficiência: sou jornalista, escritora e apresentadora. A deficiência não define os lugares que vou falar — Ana Clara Moniz

A jornalista aproveita a oportunidade para ressaltar que tem uma adoração pelos nichos de beleza, sobretudo a moda e maquiagem, nos quais produz conteúdos com frequência. Inclusive, ela relembra que começou a carreira como influencer aos 18 anos produzindo beauty content para as redes sociais. Ciente da influência e da importância do seu lugar de fala, Ana Clara ressalta abordar o tópico da inclusão até mesmo em vídeos sobre maquiagem, como produtos acessíveis.

Autoaceitação

Ao mencionar o diagnóstico que recebeu de Atrofia Muscular Espinhal (AME) em seu primeiro ano de vida, Ana Clara relembra que o processo de autoaceitação se deu aos poucos. Dos quatro graus da doença, ela tem o mais brando: o três, sendo que o tipo zero é o mais grave.

Ana Clara detalha os desafios da sua deficiência. “Preciso ficar explicando para os profissionais de saúde sobre o funcionamento da minha doença, porque a maior parte deles não tem ideia. Entendo que são milhares de doenças e que não tem como a gente conhecer todas a fundo, mas é muito difícil. Quando preciso de ajuda ou de um medicamento em algum lugar que não seja no [consultório do] meu médico da minha doença, as pessoas não fazem a menor ideia do que estou falando”.

A jornalista Ana Clara Moniz é um expoente na luta anticapacitista

A jornalista Ana Clara Moniz é um expoente na luta anticapacitista (Foto: Divulgação)

Ter uma deficiência nunca foi uma novidade para mim e sempre fez parte do meu dia a dia. Os meus pais sempre foram muito sinceros comigo sobre o que eu conseguiria, ou não, fazer, principalmente pelo fato da minha doença ser generativa — Ana Clara Moniz

Em uma publicação no Instagram, a influenciadora detalha que a doença rara faz com que não tenha forças nos músculos do corpo, além de piorar com o tempo. Apesar de ter descoberto cedo a deficiência, Ana Clara diz ter começado o tratamento apenas em 2022. Desde então, ela toma uma série de medicações diariamente.

A autoconfiança foi construída ao longo da vida da escritora, sobretudo pelo suporte emocional dos pais dela. Ana Clara percebeu que, mediante as dificuldades, poderia conquistar o que desejasse, independentemente de sua deficiência. Afinal, ela precisa lutar por questões e direitos, que já deveriam ser assegurados. 

“Os meus pais me criaram como uma pessoa independente e forte. Isso é curioso porque a sociedade me vê como uma pessoa dependente. Hoje em dia, moro sozinha, mas tenho três cuidadoras. Preciso de ajuda para levantar da cama, para tomar banho e ir ao banheiro. Pode ser que eu não consiga, de fato, colocar a mão na massa e fazer uma comida sozinha, mas consigo dizer como quero que ela seja feita, consigo ver a receita, consigo controlar como a pessoa que está comigo vai fazê-la. É como se elas fossem as minhas mãos”.

A influenciadora de 24 anos ressalta a importância de referências como elemento fundamental para o seu empoderamento. Portanto, procura seguir pessoas que “abriram portas” antes dela para que ela “pudesse entrar e ocupar esses espaços” nas redes.

Ana Clara fala sobre a comparação com pessoas públicas padrão. “Não sigo pessoas padrão, tipo influenciadores padrão. Nada contra, mas sinto que me comparam muito com aquelas pessoas. Nunca vou ter um corpo ou uma vida igual a delas. Então, comecei a seguir pessoas que tivessem uma vida um pouco parecida com a minha, outras pessoas com deficiência e amigos. Criei um círculo de pessoas que também tem a minha doença”, descreve.

Além de ser uma mulher com deficiência, a escritora se orgulha em ressaltar que pertence à comunidade queer.

Não estava nos meus planos fazer parte de mais um grupo memorizado, mas fui entendendo [essa parte de mim]. A minha apresentação aos relacionamentos e à sexualidade foi um processo longo. Na verdade, considero constante até hoje porque, quando você tem uma deficiência, as pessoas não consideram nem que há uma sexualidade, mesma que seja hétero — Ana Clara Moniz

Ela aproveita o tópico para desabafar sobre os desafios de se “colocar como uma mulher com preferência sexual por mulheres” e se relacionar com elas. Segundo Ana Clara, a sociedade ainda carrega um olhar repleto de estigmas e preconceitos.

A escritora Ana Clara Moniz relembra do processo de autoaceitação das próprias deficiências

A escritora Ana Clara Moniz relembra do processo de autoaceitação das próprias deficiências (Foto: Divulgação)

“No começo [quando expus a minha sexualidade], me incomodou bastante. Senti o capacitismo com a LGBTQIA+fobia, tudo junto. Não consegui distinguir o que era cada coisa. Tive receio de compartilhar isso com as pessoas na internet, mas acredito que também é um processo de me auto-afirmar e ter referências”.

Lido com a reação das pessoas de forma diferente na qual lido comigo mesma. Me aceito muito e aceito que faço parte da comunidade, mas o que é [um desafio] constante para mim é como lido com a reação do outro — Ana Clara Moniz.