Fernando Rocha, ex-‘Bem Estar’: Etarismo, fakenews e recolocação no mercado para jornalistas maduros demitidos


Ex-apresentador do “Bem Estar”, programa exibido na Globo entre 2011 e 2019, ele foi um dos primeiros jornalistas a passar pela onda de demissões oriundas do projeto de unificação das empresas do Grupo Globo. Fernando Rocha hoje trabalha em várias plataformas: Numa TV governamental – a TV Senado – além de ser co-host de dois podcats e estar presente em um canal do YouTube. Dizendo-se saudoso da TV aberta, o comunicador anseia pelo seu retorno, bem como tem um olhar crítico para o etarismo, que paira sobre a televisão e a contínua dispensa de jornalistas maduros. “Tudo muda de um jeito bastante rápido e a precisamos entender essas mudanças”

*por Vítor Antunes

Após quase 30 anos na TV aberta, sendo aproximadamente 10 deles à frente do “Bem Estar“, da Globo, Fernando Rocha encontra-se o início de 2000 fora da TV aberta comercial. O jornalista hoje dedica-se a podcasts que debatem o etarismo e a qualidade de vida, além de compor o cast de dois programas na TV Senado. Um deles é o “É Assim Que a Gente Fala“, e o outro, “Essa Bandeira Tem História“. Nesta entrevista, ele repercute a recente onda de demissão dos jornalistas da Globo, falando da sua própria experiência ao ser dispensado pela emissora carioca e como precisou reinventar-se diante da dispensa. “Eu tenho mais de 50 anos. (…) Quando eu saí da Globo, me senti completamente perdido, precisei reinventar um lugar que era diferente de tudo aquilo que estava tão impregnado em mim. Eu era o meu crachá. (…) Precisei entender que eu não era mais o meu crachá”. Quanto à recolocação no mercado para as pessoas mais velhas, aposta na Internet. “Existe lugar, sim, para todo mundo, existe muito o que fazer, muito o que pensar, muito o que criar. Temos nas mãos quase que uma emissora de TV, que é o nosso celular, que tem mais tecnologia do que a primeira nave que foi pra Lua”, compara.

Desde a saída do jornalista da condução do “Bem Estar“, o show passou a ser um quadro fixo das manhãs da Globo. “O que aconteceu com o programa foi algo que está muito ligado à estrutura, à busca de uma performance melhor. Ele, por quase uma década inteira, foi exibido de maneira autônoma, então é normal que esses ajustes aconteçam. Quantos programas longevos passam por transformações?…”. A seu ver, a sua saída, bem como a de Mariana Ferrão, co-apresentadora, foi o prenúncio desta onda de liberações de nomes de peso. “A minha saída foi, de certa forma, a abertura dessa porteira de demissões da Globo. Depois de mim muita gente saiu, muita gente bacana”.

Depois de haver deixado o programa sobre qualidade de vida, Fernando está fora da TV aberta. Todavia, seu filho, Pedro Rocha, hoje faz parte do time de repórteres esportivos da emissora líder de audiência e do canal a cabo vinculado a ela. “Ele participa da cobertura esportiva geral da TV Globo paulistana e do SporTV. Isso, de certa forma, é o que me ajuda a matar a saudade, mas eu gosto muito desse meio, assim como do rádio. Tenho muita vontade de ter um projeto que me leve de volta para televisão. O rádio também está nos meus planos”.

Fernando Rocha precisou reinventar-se após ser dispensado da Globo, em 2019. Hoje ocupa múltiplas plataformas, além de discutir o etarismo (Foto: Vinícius Mochizuki)

ETARISMO

Perguntado por um jornalista sobre qual conselho daria aos jovens, Nelson Rodrigues (1912-1980) disse: “Envelheçam”. Hoje, porém, o etarismo  – preconceito às pessoas em decorrência de sua idade – tem pautado muitas discussões, após a onda de dispensas na TV Globo, na qual os jornalistas, especialmente os mais maduros, foram demitidos. Antecipando o grupo atual, ainda em 2019, Fernando Rocha foi liberado pela emissora carioca depois de quase 30 anos de casa, sendo praticamente dez deles à frente do “Bem Estar“, programa sobre qualidade de vida exibido pela Globo entre 2011 e 2019 e atualmente um apêndice dos programas “Encontro com Patrícia Poeta” e “É de Casa“.

Diante deste desafio pós demissão, Rocha descreveu-o como: “Eu era o meu crachá e de repente esse chão desaparece. Precisei entender que eu não era mais o meu crachá, mas o meu próprio gerente. A semana passa a não ter mais os sete dias, o mês não tem mais os 30. Talvez o mês fique mais curto, talvez mais longo. Temos de nos organizar de maneira diferente daquele mundo corporativo que era tão importante”. A seu ver, sua saída da Globo foi tão decisiva que precisou ser registrada. “Tanto que escrevi um livro sobre isso. Quando vem 2020, em razão da pandemia, eu percebo que o mundo inteiro passa por uma mudança muito parecida. E aí eu entendi o meu processo de mudança e de adaptação a esse novo tempo, a essa nova dinâmica. Ninguém ficou impune, nem imune a isso”.

Ainda sobre as demissões na Globo e se há espaço para esses jornalistas dispensados se realocarem, todos eles com bons salários sendo  profissionais maduros, Rocha comenta. “Fico  muito à vontade para falar sobre isso já que tenho, literalmente, lugar de fala. Tenho mais de 50 anos, trabalhei na Globo por quase 30, e entendi o meu lugar, e que é possível criar essas oportunidades. Tudo muda de um jeito bastante rápido e precisamos entender essas mudanças”.

Quanto à nova onda de fakenews e elaboração de narrativas, Rocha acredita que este momento é desafiador para o jornalismo. “Nós, jornalistas, temos a responsabilidade de checar as informações. Temos a prerrogativa de cuidar dessa disseminação de dados  imprecisos a todo tempo, afinal agora há a inteligência artificial que transforma sorriso em choro, choro e sorriso, e que é capaz de mudar a roupa do Papa. Então temos que estar com um olhar mais atento, especialmente a esses novos espaços que surgem com as mídias digitais”

Sou uma pessoa de 55 anos e um milhão de planos. Vários deles envolvem rádio e TV. Tenho muita saudade da TV. Então, vendo o Pedro [Rocha, seu filho] na TV eu um pouco mato a saudade. Acho que a televisão vai passar por grandes transformações, mas ela ainda tem esse impacto maravilhoso, essa magia. É algo inebriante. Ela consegue trazer esse encanto. Eu gosto muito desse mundo, eu tenho o DNA da televisão e vou carregá-lo comigo pra sempre. Eu tenho certeza que um dia eu vou estar de volta [à TV comercial] – Fernando Rocha

De acordo com as falas de Rocha, é importante debater o etarismo, justamente em face do envelhecimento da população. “A longevidade é uma realidade. A nossa expectativa de vida cresce cada vez mais, hoje somos mais de 50 milhões de brasileiros com mais de cinquenta anos. Uma parcela significativa da nossa população. O Brasil já tem mais avós do que netos. Estamos invertendo essa pirâmide demográfica: A cada minuto uma pessoa no mundo faz cinquenta anos. Então, essa é uma realidade que em muito pouco tempo vai ser visível na nossa rotina”.

Precisamos discutir isso, formas de encontrar qualidade de vida, de fortalecer os músculos, de cuidar da nossa saúde. Não existe mais diferença entre saúde física e saúde mental. Existe só saúde. E se tivermos sorte, viveremos muito. Se tivermos sorte e qualidade de vida, cuidado, e boas escolhas, além de bons hábitos e com alimentação saudável pro corpo e pra mente – Fernando Rocha

Fernando Rocha sinaliza que há um envelhecimento da população, e, por isso, importante discutir o etarismo (Foto: Vinícius Mochizuki)

SEDE DE VIVER TUDO

Em “Fazenda”, música de Nelson Ângelo cantada por Milton Nascimento, tão mineiro quanto Fernando Rocha, uma das frases diz, justamente sobre essa urgência de viver tudo. Fernando Rocha diz ser perguntado, recorrentemente, sobre “por onde anda?”. Especialmente por não estar diante das câmeras das grandes emissoras. “Eu estou fazendo a roda girar. E fazê-la girar é algo que dá muita disposição, aumenta até nossa imunidade”, diverte-se. E prossegue: “Tão logo saí da TV, escrevi um livro que se chama “Como Ser Leve em Um Mundo Pesado? – O seu propósito é um plano B?”. Trata-se, na verdade de uma pergunta retórica que não tem uma resposta apenas, mas uma provocação que ajuda-nos a encontrar o nosso propósito. Além deste projeto literário estou ministrando palestras que tratam exatamente desse tema, a leveza nos dias atuais e a busca de propósito. Componho também um canal no YouTube de um grupo de publicitário chamado Viva Brasil onde eu falo diariamente sobre saúde, qualidade de vida, além de estar em dois programas na TV Senado. Um que fala sobre sotaques brasileiros, o “É Assim Que a Gente Fala“, e o outro “Essa Bandeira Tem História“, cujo tema são as bandeiras dos estados nacionais”.

Não são apenas estes os atuais direcionamentos profissionais de Fernando Rocha. “Estou em dois podcasts e sigo muito atuantes com eles. Um fala sobre saúde e qualidade de vida, um tema bem recorrente, e se chama “Na medida do possível”, e participo de outro que é o “50 Mais”, que também é videocast, e está no YouTube e em todas as plataformas de áudio. Creio que este último seja um mapa de navegação, um farol pra quem já passou dos cinquenta. Falamos sobre as coisas a vida econômica, social, cultural, sexual, emocional e é muito muito interessante discutir esses temas e aprender também enquanto fazemos o podcast”.

O jornalista tem essa prerrogativa, de aprender, de se educar enquanto trabalha e é isso que eu estou fazendo – Fernando Rocha

Em “Fazenda” , canção que abre este segmento da reportagem, é dito que “os velhos falavamcoisas da vida. Eu era criança, hoje é você. E, no amanhã, nós”. Fernando Rocha observa o mundo, que amadurece mas nega-se a olhar para a madureza com a mesma complacência que tem para a juventude. Mundo este que não quer reconhecer que nada é mais indelével que o tempo e mais inexorável que a própria vida. E todos nós nos veremos, no futuro.

Fernando Rocha segue a vida na profissão com a garra de sempre (foto: Divulgação)