Fabricio Boliveira lança projeto Elenco Negro, que mapeia talentos e representatividade para o audiovisual


Convidado para ser um dos protagonistas de ‘Cara e Coragem’ a próxima trama no horário das 19h, na Globo, o ator e diretor está organizando um cadastro amplo e atualizado de artistas negros, avançando nos espaços e pensando no streaming que cresce em alta potência no Brasil. “Tenho me emocionado com as cenas escritas por autores negros cariocas, e com os depoimentos pessoais”. Fabricio que está no momento no Recôncavo Baiano, de onde bateu um papo conosco, fala do próximo trabalho na TV, das reflexões dos 40 anos, revela que tem mania de andar pelado e que dança para se equilibrar, além de produzir arte para enfrentar o momento caótico que atravessamos no país: “A arte tem me ajudado a cuidar da cabeça. Consumindo ou fazendo arte tenho refletido e exorcizado muitas dores. Perdi três amigos para a Covid-19 e dois para o câncer”, revela

Fabricio Boliveira lança projeto Elenco Negro, que mapeia talentos e representatividade para o audiovisual

*Por Brunna Condini

Viva Fabricio Boliveira que tem conseguido se manter em movimento em um período de extrema angústia e apreensão em que a área da cultura vem sendo impactada de forma desoladora por conta das (necessárias) restrições em consequência da pandemia da Covid-19. Com o projeto Elenco Negro, o ator se voltou para uma necessidade de anos, respondendo à falta de olhar para o assunto através de iniciativa, e se apegando à potência da união do coletivo para ressignificar esse momento. O projeto idealizado ao lado de Gabriel Bortolini, foi muito inspirado por Zezé Motta – que faz esse trabalho desde 1990 – e Fabricio vem mapeando artistas negros com o objetivo de fazer com que produtores de elenco tenha acesso a um grande cadastro.

“A realidade hoje é de um mercado aquecido no Brasil com a chegada do streaming. Com isso , a necessidade de artistas negros protagonizando produtos do audiovisual se torna urgente" (Divulgação)

“A realidade hoje é de um mercado aquecido no Brasil com a chegada do streaming. Com isso , a necessidade de artistas negros protagonizando produtos do audiovisual se torna urgente” (Divulgação)

Ele falou ao site HT direto de São Felix, cidade no recôncavo baiano. “Estou morando em Salvador e vim para cá para trabalhar com a produtora Rosza Filmes”, revela, e comenta sobre detalhes projeto: “A realidade hoje é de um mercado aquecido no Brasil com a chegada do streaming. Com isso, a necessidade de artistas negros protagonizando produtos do audiovisual se torna urgente, principalmente para as empresas internacionais que já se deram conta do consumo desses conteúdos dirigidos, escritos e atuados por pessoas negras, aqui e fora do Brasil. Por isso, essa organização que o Elenco Negro propõe, ressurge com força na ponte entre esses talentos e o mercado de trabalho, em um processo de manutenção e preparação dos atores e atrizes. Por enquanto estamos funcionando só no Rio, mas com o desejo do Brasil todo”.

Um dos atores mais admirados da sua geração, Fabricio teve performance impactante recentemente no primeiro filme com produção Globoplay, ‘Breve Miragem de Sol’, e foi convidado para ser um dos protagonistas de ‘Cara e Coragem’ a próxima trama no horário das 19h. Mas nas entressafras dos trabalhos para TV, o ator vem se voltando para seus propósitos mais profundos. Ele, recentemente, postou um vídeo com o seguinte texto: “São anos de uma trajetória próspera dentro da arte de interpretar, produzir, dirigir e se dedicar ao que hoje me move. De ‘Capitães de Areia‘ a grandes prêmios do Cinema Brasileiro são muitas histórias e recortes que a todo momento se conectam com o meu passado para que um novo projeto aconteça. Sankofar é isso, bora?”.

É o início de um novo ciclo? O que tem nele, com o Fabricio de 40? “Me sinto frente à toda essa tragédia desses últimos anos, com a entrada desse governo, seguido da pandemia, com necessidade de olhar para o que errei nas minhas ações, relações e escolhas. Por que chegamos até aqui? Fazer essa pergunta e não ficar preso nela, mas ‘arregaçar as mangas’ e viver o futuro equitativo que eu desejo. Já começar a materializar ele nas renovadas ações”, analisa. “Eu já carregava comigo essa necessidade de me renovar, me rever e mudar para o ano seguinte, para o aniversário ou somente para o mês seguinte. Estou sempre em movimento. Carrego histórias comigo, fico atento aos aprendizados no presente e sempre com um espaço para a descoberta. Serendipidade! Vivo assim, com esse talvez meu ‘vício de vida’, de estar sempre me revendo frente às novas histórias que aprendo com o meu trabalho, por exemplo. Saio transformado de cada set, seja atuando ou dirigindo”.

“Me sinto frente à toda essa tragédia desses últimos anos, com a entrada desse governo, seguido da pandemia, com necessidade de olhar para o que errei nas minhas ações, relações e escolhas. Por que chegamos até aqui?" (Divulgação)

“Me sinto frente à toda essa tragédia desses últimos anos, com a entrada desse governo, seguido da pandemia, com necessidade de olhar para o que errei nas minhas ações, relações e escolhas. Por que chegamos até aqui?” (Divulgação)

Resiliência abastecida na arte

Soteropolitano, morando novamente em Salvador há 2 anos, após mais de 10 no Rio, ele divide seu estado emocional atravessando esse período de pandemia. “Tenho sido bastante resistente, mas com muitas quedas durante esse período. Perdi três amigos para a Covid-19 e dois para o câncer. Além disso, tivemos mais de 400 mil mortos no Brasil. Temos vivido tempos de guerra. O Governo Federal tem sido responsável pelas mortes. E tem gente escolhendo apoiar uma presidência incompetente para manter os seus privilégios ultrapassados. Isso tem me doído muito. A arte tem me ajudado a cuidar da cabeça. Consumindo ou fazendo arte tenho refletido e exorcizado muitas dores. O que mais tem me marcado é perceber o imenso descaso com as vidas nessa pandemia”, desabafa o artista.

O país está em ebulição e o ator também. A diferença é que o resultado para Fabricio são criações e frutos que ele espera serem duradouros e para transformações esperadas. Com Elenco Negro, que tem o ‘apadrinhamento’ e ‘amadrinhamento’ de nomes como Babu Santana, Flávio Bauraqui, Sheron Menezzes, Dani Ornelas, Rodrigo França, Geandra Nobre, Noêmia Oliveira, Cyda Moreno, Ailton Graça e Licínio Januário, ele pretende além de ser ponte para visibilidade, também oferecer renovação de rostos no audiovisual.

Afinal, com as produções sendo reprisadas, temos visto a repetição de atores escalados na TV, escancarando a necessidade de espaço para outros talentos também. Como a plataforma tem trabalhado neste período com a necessidade de distanciamento? “Com a pandemia, as gravações dos monólogos estão sendo feitas de forma remota, o que deixa tudo um pouco mais difícil por conta das conexões de internet falhas, mas, por outro lado, aproxima e deixa a relação mais íntima, porque adentramos a casa, a família e as minúcias da vida dessas atrizes e atores”, observa Fabricio.

“Temos descoberto gente de muito talento e sensibilidade. Tenho me emocionado com as cenas escritas por autores negros cariocas, e com os depoimentos pessoais. Tem sido transformador pra gente e imagino que também para todo o mercado nacional. As pessoas terão acesso pelo Instagram, mas os produtores de elenco, autores, diretores e produtores de audiovisual inscritos como parceiros do Elenco Negro, poderão ter acesso ao conteúdo completo e informações de contato desses atores. Teremos muita produção artística como resultado dessa primeira fase de monólogos, reels, lives, fotos e conteúdo original, que estarão disponíveis no Instagram”.

Revendo o passado para construir o futuro

Fabricio iniciou a carreira há 18 anos na peça ‘Capitães de Areia’, que o revelou, em Salvador. E, após 15 anos da última montagem, ele voltou ao espetáculo este ano, de forma online. Que enredo é esse do filme que passa na cabeça da sua carreira até aqui? “Foi muito gostoso rever amigos de trabalho de tantos anos como em um espelho do passado me lançando para o futuro. Me fortalece sentir a minha caminhada nessa sincronicidade que foi rever essa peça no formato digital. Me sinto muito diferente, crescido, mas me vejo nas cenas. A arte revela muito a gente. Me lembro até dos meus pensamentos (risos), e sorrio hoje com a segurança do Fabricio que estou. Sabendo que daqui a pouco vem mudança novamente, nem dá para se apegar muito . Só se divertir no vagar da lembrança e na certeza no presente”.

Fabricio iniciou a carreira há 18 anos na peça ‘Capitães de Areia’, que o revelou, em Salvador. O ator voltou com o espetáculo em março passado (Reprodução)

Fabricio iniciou a carreira há 18 anos na peça ‘Capitães de Areia’, que o revelou, em Salvador. O ator voltou com o espetáculo em março passado (Reprodução)

Você andou disputado na TV recentemente, não é? Afinal, vai ser um dos protagonistas de ‘Cara e Coragem’ no horário das 19h ou vai fazer o remake de ‘Pantanal’? “Por enquanto estou formalmente convidado pela Rede Globo para fazer a novela ‘Cara e Coragem’. Mas adorei saber que andei disputado por aí, me conte mais (risos). Tenho trabalhado nesse momento de pandemia aproveitando para estudar e realizar alguns desejos antes pouco possíveis pelo acúmulo de outros trabalhos. Dirigi dois curtas-metragens e um longa-metragem, por exemplo, que sempre desejei e consegui me adaptar às restrições da pandemia e fazer”.

O ator filmando o curta 'Funda': Tenho trabalhado nesse momento de pandemia aproveitando para estudar e realizar alguns desejos antes pouco possíveis pelo acúmulo de outros trabalhos" (Reprodução)

O ator filmando o curta ‘Funda’: Tenho trabalhado nesse momento de pandemia aproveitando para estudar e realizar alguns desejos antes pouco possíveis pelo acúmulo de outros trabalhos” (Reprodução)

No longa ‘Breve Miragem de Sol’, de Eryk Rocha, você faz um homem desempregado e recém-separado, que dirige um táxi como alternativa. O filme fala de tensões internas, mas também confronta as desigualdades no país, que ficaram ainda mais evidentes e imensas na pandemia. Está difícil morar no Brasil? Já pensou em sair daqui em algum momento? Ou é ficar, se envolver cada vez mais e lutar? “Decido a cada dia ficar e batalhar pelo meu país. Entendendo as questões, no nível macro das relações e resolvendo as nas micro ações. Tenho ficado bastante antenado a quem está do meu lado e precisa de ajuda, a quem dorme na porta da minha casa e estou no exercício da empatia com causas que não são minhas diretamente. Sobre o mulherismo e o feminismo, por exemplo, para além de fazer textão nas redes, eu já vou me observando, me calando, escutando as minas, para tentar errar menos e compartilhar os aprendizados com os manos”.

Em 'Breve Miragem de Sol': “Decido a cada dia ficar e batalhar pelo meu país. Entendendo as questões, no nível macro das relações e resolvendo as nas micro ações" (Divulgação)

Em ‘Breve Miragem de Sol’: “Decido a cada dia ficar e batalhar pelo meu país. Entendendo as questões, no nível macro das relações e resolvendo as nas micro ações” (Divulgação)

Jogo rápido site HT com Fabricio Boliveira

Uma bebida: Vinho.

Uma frase ou pensamento: Escuta, escuta, escuta .

Um disco: ‘O sorriso do gato de Alice’, de Gal Costa.

Uma mania: Andar bastante pelado.

Um defeito: Esquecer compromissos pessoais.

Um medo: De perder o prazer na arte.

A próxima viagem: querendo viajar de barco.

Lugar preferido no mundo: Salvador.

Com o que se preocupa? Com a violência.

A doença do século: Doenças da cabeça, em geral.

Desafio na profissão: Me renovar sempre.

Quem você gostaria de ser se não fosse você? Um artista do Mali que conhecesse meus antepassados até antes de Cristo. Toumanie Kouyaté, me falou sobre essa ser a realidade dele . Senti vontade de ter essa sensação dele.

Um sonho?   Fim da Covid-19 e mudança nas cabeças.

O que mais te perguntam? Sobre racismo.

Ser ou não ser…. Tão indeciso.

O que falta você entender nesta vida? Sigo na busca de reentender o que entendi.

Um livro:  ‘Um defeito de cor’, de Ana Maria Gonçalves.

Politicamente correto é…  relaxar .

Quais os maiores tabus atuais? A relação tempo x redes sociais.

O que não deveria ter acontecido na história da humanidade? Ficado dependente de redes sociais.

Em momentos tão difíceis, como encontrar a paz e algum equilíbrio? Dançando.

Se pudesse mudar algo em você, o que seria? Ansiedade.

Melhor conselho que já ouviu e de quem? Pra além do amor, o respeito. Ouvi da vida.

Qual foi a maior extravagância que já fez na vida? Abrir uma Veuve Cliquo , com Ana Flavia Cavalcanti, em um dia de semana pra acompanhar uma feijoada ao meio-dia.

Se pudesse viver a base de um alimento, qual seria? Camarão.

Autoconhecimento é: Conhecer os mitos que nos cercam.

A cultura do entretenimento e das redes sociais bombardeiam as pessoas pela busca do prazer rápido, dos números de ‘likes’ e seguidores. Como convive com isso?

Respirando muito e escolhendo bastante o que consumo. Tentando dosar meu tempo de uso nas redes e me expondo com propósito, qualquer um que seja, mais bem nítido para mim. O Achille Mbembe fala do sujeito da neuroeconomia, que acha que tudo na sua intimidade tem que ser monetizado. Uma vida afastada da reflexão e subjetividades .

O que te tira o humor? Falta de responsabilidade no trabalho.

O que te alimenta e faz feliz? Trabalhar e viajar.