No longa “Sangue Azul”, que estreou no Festival do Rio, o Homem-Bala de Daniel de Oliveira está prestes a explodir


O filme, que foi elogiado durante o Festival de Paulínia, aborda questões como homossexualidade e incesto

*Por João Ker

O Festival do Rio está a todo o vapor pela capital fluminense e a noite desta segunda-feira (29) não foi diferente. Repleta de estreias importantes no Cinépolis Lagoon, uma delas foi “Sangue Azul”, o novo filme de Lírio Ferreira, estrelado por Daniel de Oliveira. Rodado inteiramente no arquipélago de Fernando de Noronha, o longa retrata a história de Pedro (Daniel), que ainda criança foi entregue pela mãe ao circo e agora volta à sua ilha natal como Zolah, o mulherengo e problemático Homem-Bala do espetáculo.

Pouco antes do início da sessão, Daniel comenta com HT os motivos que o levaram a entrar na produção: “Primeiro, é um filme do Lírio, um cara excepcional. E eu sempre fui fã do trabalho dele, já vi todos os filmes. Me lembro que, por volta de 1998, cheguei ao Rio e consegui ver “Baile Perfumado” (1998) em Copacabana. Agora, ele resolveu fazer um filme em Fernando de Noronha, com o circo indo para a ilha, então era irrecusável fazer o Homem-Bala, o cara que sai do canhão. É uma coisa que você nem imagina fazer na vida, né?”, diz o ator, bem-humorado com a presença da família e de amigos, como Sophie Charlotte, com quem contracenou recentemente na minissérie Rebu”. Ele ainda conta que precisou fazer um pouco de ginástica acrobática para ajudar com a flexibilidade exigida pelo personagem, que esbanja vigor e aparece nu em várias partes do longa-metragem.

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Fotos: Zeca Santos

Quem também passou por ali foi Matheus Nachtergaele, que em “Sangue Azul” dá vida a um atirador de facas, Gaetan. Em entrevista, o ator também se declara fã de Lírio Ferreira: “Ele tem um nível cinematográfico e sempre, de alguma forma, autobiográfico. Eu o conheço há muitos anos, fiz o “Árido Movie” (2005) com ele e não podia deixar de participar de “Sangue Azul”, quando ele me deu um personagem tão lindo, que ainda é um belga como eu e minha família. Eu aproveitei o filme para estar com o Lírio, integrar esse estilo que a gente gosta, e homenagear um pouco os meus antepassados”, comenta.

Apesar de elogios ao diretor serem de praxe, ao ver o filme pronto você entende o porquê de os atores gostarem de participar em uma produção de Lírio. O cuidado com cada cena e enquadramento alcança o artístico, como se o resultado final se fundisse em um belo texto imagético onde a fotografia audiovisual se destaca e imprime tanto significado quanto o roteiro. A chegada do circo à cidade, a sonoplastia envolvida nas cenas menos agitadas e até o uso do azul, que aparece em seus mais variados tons, tanto no horizonte paradisíaco do arquipélago quanto nos figurinos, cenários internos e realçado nos olhos de Daniel, transformam a produção em uma aula cinematográfica que só potencializa as ótimas performances do elenco.

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Fotos: Zeca Santos

Falando em elenco, cada personagem e ator têm seu momento no filme. Sandra Corveloni, que já recebeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 2008 por sua participação em “Linha de Passe” (Walter Salles), apresenta uma performance visceral como a “mainha” Rosa, que tem seu ponto alto na cena de confronto com o filho abandonado. Caroline Abras, que em 2008 também recebeu o Prêmio de Melhor Atriz do Festival do Rio por “Se Nada Mais Der Certo” (José Eduardo Belmonte), mescla muito bem a melancolia de uma esposa insatisfeita, com a inocência de menina interiorana apaixonada pelo irmão. A novata Laura Ramos tem cenas estonteantes como a dançarina cubana Teorema e o ilusionista Kaleb, vivido por Paulo Cesar Pereio, também merece seu destaque.

Mesmo com algumas cenas longas demais, o roteiro do filme surpreende ao abordar, simultaneamente, um tabu e uma polêmica: o incesto, fio principal da trama; e a homossexualidade, que aqui não é tida como tema principal, mas levanta questionamentos importantes. O primeiro, como era de se esperar, gera culpa, repulsa e inconformidade nos moradores de Fernando de Noronha, mesmo que seja encarado com confusão entre seus protagonistas e retratado de forma inicialmente pura. O segundo apresenta, ao mesmo tempo, uma quebra de estereótipos e a reafirmação de ideias populares: Inox, o homem mais forte da trupe vivido Milhem Cortaz (outro ator em seu auge), é um personagem cheio de nuances que, mesmo com extrema competitividade e físico gigantesco, aparece à vontade com a sua sexualidade e seu relacionamento com Kaleb, fugindo completamente da ideia reforçado de que gays, em sua maioria, são mirrados e afeminados. Mais interessante ainda é ver o nascimento de uma “relação” homossexual quando um dos personagens, a princípio heterossexual, se envolve com Inox, para a surpresa geral da audiência. Há também um certo tom feminista através da proporção de homens/mulheres no arquipélago, o que confere às sereias poder sobre a própria sexualidade. Até o Zolah de Daniel de Oliveira é um personagem complexo que, ao mesmo tempo em que banca o líder onipotente e pretende fugir dos problemas através do sexo desenfreado, com o ator aparecendo “a ponto de bala” já na cena inicial, mostra uma fragilidade intensa, representada tanto pelo seu medo da água quanto pela sua relação com a irmã e a mágoa que guarda da mãe.

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Fotos: Divulgação

Todas essas características mostram o por quê de “Sangue Azul” ter sido tão elogiado durante o Festival de Paulínia. Daniel, por outro lado, não se preocupa com prêmios: “Tenho mais expectativas em relação ao público, essa galera que vai sair por aí falando do filme”. Divulgação boca a boca é o que não faltará, já que o longa parece ter se preparado para isso. Seja pela ótimas performances, o cuidado artístico e técnico, as polêmicas e fases do roteiro ou o físico totalmente exposto de Daniel de Oliveira, “Sangue Azul” pode ser considerado um dos lançamentos mais importantes do cinema nacional este ano e um forte concorrente na mostra Première Brasil.

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Fotos: Zeca Santos