Em papo exclusivo com HT, o ator e dramaturgo Frank Borges fala sobre o papel social do teatro, da arte de representar e nova peça


Depois de temporada de sucesso de público e de crítica em São Paulo, Frank Borges traz “Casa Encaixotada” para o Rio de Janeiro

Frank Borges traz a peça "Casa Encaixotada" para o Rio (Foto: Divulgação)

Frank Borges traz a peça “Casa Encaixotada” para o Rio (Foto: Divulgação)

Frank Borges mal terminou a temporada em São Paulo de sua peça “Casa Encaixotada” e já desempacotou tudo no Rio, mais precisamente no Teatro Poeirinha, em Botafogo. Ele fica em cartaz até o começo de maio por aqui com o texto de sua própria autoria e dirigido por Ruy Filho, que leva o espectador a refletir sobre a família, o primeiro grupo social com que todo mundo se relaciona, e as situações que surgem nessa relação, que pode oferecer tanto amor quanto tristezas, nascidas da frustração e da indiferença.

“O personagem principal, Ben, sofre um atropelamento histórico por não ter um teto afetivo para se proteger. O que sobra deste homem-objeto sujeito às mudanças em meio a tantos deslocamentos físicos é a imobilidade. Se um dia você voltasse a uma de suas casas à procura de si e nada mais estivesse ali, sem a certeza de que as casas por onde passou não foram senão uma criação da sua imaginação, você não faria a velha pergunta: quem sou eu?”, questiona o autor e ator.

Frank, para quem não está ligando o nome à pessoa, esteve recentemente no elenco fixo da série “Sexo e as Nega”, de Miguel Falabella, programa no qual interpretava Vinagre e onde consolidou uma parceria profissional com Claudia Jimenez, que também fazia parte do elenco, para além dos estúdios. Cláudia, aliás, foi uma das maiores incentivadoras para que Frank contasse essa história e é quem assina a realização da peça.

No teatro, entre outros trabalhos, Frank integrou o mais do que conceituado Centro de Pesquisa Teatral (CPT) de Antunes Filho, participou de dezenas montagens teatrais com grandes mestres como Moacyr Góes, Jaqueline Laurence e Maria Luiza Mendonça, além de ser autor de vários textos como “Geração Pocket – Pessoas Mal Traduzidas” e o “Futuro está Cancelado”O site HT, que adora teatro e, principalmente, gente talentosa, puxou Frank para um papo sobre a função social do teatro, a temporada em São Paulo e as parcerias profissionais. Vem com a gente:

HT:Ser ator é um pouco como encaixotar casas, né? Sempre trocando de papel, viajando muito… Conta um pouco de como é encaixotar suas casas profissionais.

FB: Nunca havia respondido a esta clássica pergunta, parece que chegou a hora. O lugar-comum pode se fazer presente. Mas vou arriscar… Nunca penso em ser ator. Ajo em função dos novos paradigmas que uma peça me oferece, quando não, eu os construo para que o meu exercício de ser ator esteja sempre em contato com o prazeroso e complexo ato de ser humano. O verbo que nos define me parece útil, tanto para o homem em construção que sou quanto para o ator em formação. Não se “é humano”, não se é ator, estamos apenas. Esta posição transitória da condição humana parece um bom lugar se traduzir a importância de um ator na sociedade: investigar nossa paleta infindável de sensações.

Frank Borges em cena: força para contar sua própria história (Foto: Divulgação)

Frank Borges em cena: força para contar sua própria história (Foto: Divulgação)

HT: Como foi a temporada em SP e qual a expectativa da temporada no Rio? Público é diferente de cidade pra cidade?

FB: A temporada de São Paulo foi um desafio para todos nós, Ruy Filho, diretor, e Camila Turim, assistente de đireçao e quem fez a voz em off, dois artistas com grande capacidade de criação e de entrega. Nos dispusemos a ensaiar num curto espaço de tempo, mas numa intensidade redobrada. O resultado do processo, se assim posso chamar, foi a permanência da mudança. Há um código nesta criação a três que permanece até hoje e faz da peça um organismo vivo: a possibilidade de mudar, que é também o tema da peça. São Paulo nos deu este aprendizado, pois pudemos experimentar dia a dia a peça sob o olhar do sempre interessado público paulista. Para o Rio, as expectativas são mais que positivas. Estar no Teatro Poeira, um reduto de manifestação humana, de alta competência, numa cidade onde morei por dez anos e abastecida por uma platéia calorosa e sempre aberta à compreensão do homem através da arte cênica. É uma alegria poder oferecer a peça “Casa Encaixotada” para uma cidade “escrita no mar”.

HT: Você escreve suas peças. Como é este processo de escrever as histórias que você quer contar? Primeiro vem a vontade de montar mais um espetáculo e depois a ideia ou vice-versa? 

FB: As peças são sempre um reflexo da minha análise a respeito do homem contemporâneo e sua capacidade de adaptação aos desafios da atualidade, que são muitos, o que me proporciona um intenso e diário processo de escrita, pois são os textos que me escrevem na história, e não o contrário. O ato físico de escrever é a etapa artesanal do ato em si, pois o intelecto e seu exercício de percepção do entorno, através do corpo como um todo, o organismo, pois é um corpo que pensa, sempre antecede em muito tempo o ato de se colocar diante a tela do computador.

casaencaixotada

HT: Como foi essa aproximação com a Claudia Jimenez na série? Vcs já se conheciam antes? De que forma ela te ajudou a viabilizar esta ideia?

FB: Conheci Claudia Jimenez quando fui convidado pelo meu grande amigo, autor e diretor Miguel Falabella, para atuar em “Mais respeito que sou tua mãe”, no ano de 2011. Minha admiração pela genialidade de Claudia Jimenez, que quando se une a outro gênio, como Falabella, alça voos impressionantes. E foi o que aconteceu quando trabalhamos juntos. A delicadeza e profundidade com que Claudia respira numa cena, altera você de imediato, pois sua presentificação é plena. Contracenar com Claudia é jogar bola com Romario, você é catapultado a outra dimensão. E quando passamos a nos conhecer, ser amigo já não era mais uma opção, mas uma necessidade. Claudia Jimenez é uma mãe singular que encontrei nesta vida, por quem tem uma admiração e carinho imensuráveis.

HT: Qual a função social do teatro nos dias de hoje? 

FB: Para mim, o teatro não tem como objetivo ser social. O teatro, enquanto espaço de manifestação humana, é o lugar do extraordinário, da extravagância no sentido de que nos colocamos para além do ordinário que nos acorda todos os dias. Não é função do teatro ser social, político ou qualquer coisa do tipo. Teatro é um espaço para o pensamento humano que engloba as inúmeras facetas do homem, que pode ser social, sim, mas como consequência. Pra mim, teatro é pintura em movimento. Você fica parado diante a obra sem saber a dimensão que a obra abarca, mas é modificado inevitavelmente.