Elza Soares mostra que ainda está tão viva como uma pantera negra no lançamento do seu documentário “My Name Is Now”


Em sessão no Cinépolis Lagoon, filme que entrou para a programação do Festival do Rio traz o olhar contundente da artista sobre si mesma, em roteiro onde a trajetória de vida fica em segundo plano e a emoção de ser quem é está em destaque

*Por João Ker

“Este não é um filme sobre a vida dela. É um filme sobre o que ela está vivendo”, explica Elizabete Martins, diretora do documentário “My Name Is Now”, sobre uma das maiores vozes e presenças mais marcantes da cena musical brasileira, Elza Soares. A declaração foi proferida no final de tarde deste sábado (27/9), no interior de uma das salas do Cinépolis Lagoon, onde o longa-metragem teve sua exibição em primeira mão no Festival do Rio. A própria cantora, presente na ocasião, falou para o público: “Este é um filme de Elza, não da vida de Elza”.

Trailer oficial (Divulgação)  

E, realmente, se algum cinéfilo ou fã da artista tentar enxergar algum traço de retrospectiva da carreira nos mais de 70 minutos de filme, dificilmente encontrará algo de novo nesse viés. Alguns momentos da trajetória pessoal e artística de Elza até comparecem no filme, mais como flashes ilustrativos do que como o próprio miolo do roteiro: sua história de amor com Garrincha, sua relação com o Flamengo, a perda do filho de oito anos, o preconceito racial, o machismo, o sucesso, os carnavais e as apresentações. Tudo isso surge intercalado com músicas que tangem esses assuntos.

O forte do documentário, por sinal, engloba a trilha sonora e os discursos poderosos de Elza para si mesma. Em frente a um espelho, ela se ataca e se apaixona por si mesma, falando coisas do tipo: “Eu não gosto de ser espertalhão como você”, “Você brincou comigo, agora é minha vez de brincar com você”. Freud explica. Desavisados podem até achar que Elza Soares esteja passando por alguma fase de autodepreciação, mas esse não parece ser o caso. Aliás, tudo indica que a cantora se redescobriu consigo mesma, a ponto de declarar no início da sessão: “Hoje em dia eu me namoro, estou apaixonada por mim. Não sei como não casei comigo antes! Se eu soubesse que era tão gostosa, ninguém nunca teria me dado um pé na bunda”, ri. A autoestima elevada – admirável para os seus 77 anos – pode ser vista tanto no filme, onde a artista aparece sendo massageada enquanto deita completamente nua em uma cama; quanto na pré-estreia, na qual ela está vestida com um longo de renda, transparência e vários pedaços de pele amostra. Bravo, bravíssimo!

Elza mostrando sentido duplo para a palavra "reflexão" (Foto: Divulgação)

Elza mostrando sentido duplo para a palavra “reflexão” (Foto: Divulgação)

A voz e as músicas são o que mais chama a atenção no documentário, compondo aquilo que ficará na cabeça do público nas horas seguintes após seu término. “Eu sou tudo, eu sou nada. Eu sou samba, sou funk, eu sou jazz, blues, soul, rap, rock’n roll…”, diz a artista durante um dos seus discursos mesclados com imagens de arquivo. E isso é facilmente provado, quando a cantora alterna números em que apresenta baladas dilacerantes com improvisações vocais, à frente de uma banda de jazz, que chegam a durar cerca de dez minutos. Não é à toa que ela foi eleita como “Cantora do Milênio” em 2000, pela BBC de Londres.

Super consciente de seu papel no país, a questão do racismo e da pobreza extrema com que começou a carreira são facilmente citadas e repetidas: “Já imaginou uma negra pobre e barriguda com 12, 13 anos ganhar o reconhecimento que eu ganhei?”, ela afirma durante a projeção. No filme, a questão da  idade parece pesar em uma frase que pode passar despercebida por muitos, mas talvez sintetize o porquê dos discursos para si mesma e da vontade de se mostrar de forma tão artística e conceitual para o público, enfatizando sempre seu poderio vocal: “Às vezes, eu me sinto uma pantera reduzida a um filhote de gato de padaria”. Por mais que isso tenha saído da própria boca de Elza, “My Name Is Now” prova exatamente o contrário e mostra que essa pantera ainda consegue rugir com o vigor de sempre, quase uma atirada puma com olhos de lince.

Elza em uma de suas performances poderosas tanto em voz quanto em presença teatral (Foto: Divulgação)

Elza em uma de suas performances poderosas, tanto na voz quanto em presença teatral (Foto: Divulgação)

Se por um lado o filme peca pelo excesso de imagens conceituais sobrepostas umas às outras (sério, qual foi a da fixação com água?), por outro lado é exatamente o que o Brasil precisava para se recordar de que uma das suas maiores vozes e artistas performáticas ainda está com tudo em cima. E ah, Elza, quanto ao pedido que você fez no início da sessão – “Espero que vocês gostem dessa nega mais uma vez” -, não precisa se preocupar. Isso é algo que independe de qualquer filme.