Ponte cinematográfica Rio-Atlanta na era da Cidade-Espetáculo: Steve Solot, do Rio Commission Film, explica o porquê ao HT


Um dos legados para o Rio de Janeiro deixado pelo Festival do Rio, que acaba nesta quarta-feira, é o acordo entre a Cidade Maravilhosa e Atlanta, capital da Geórgia, para o desenvolvimento das suas indústrias audiovisuais.

*Por Flávio di Cola

Um dos efeitos mais notáveis da globalização e das revoluções tecnológicas nos campos da informação e da comunicação é que tudo e todos podem – literalmente – acabar numa telinha, seja como conteúdo, seja como gerador de conteúdo. Há muito tempo que o mundo deixou de ser apenas um “lugar” para se tornar “um cenário” ou um gigantesco teatro da insaciável Sociedade do Espetáculo. Portanto, é natural que as grandes cidades do planeta briguem por um espaço de visibilidade onde possam mostrar suas belezas, sua história, seu estilo de vida e seu potencial, atraindo para si a atenção de turistas, além de novos negócios.

Neste mundo construído para e pelo espetáculo, é fatal – também – que a indústria audiovisual não só cresça e se torne um pilar econômico importante, como ainda se transforme na principal arma de qualquer localidade para se destacar e encontrar o seu lugar sob os refletores. Algumas cidades já entraram nessa corrida há muito tempo e com larga vantagem – como Roma, Veneza, Paris ou Nova York -, pois sempre foram amadas e desejadas ao longo dos séculos e, até hoje, continuam a alimentar poderosamente o imaginário de povos de todo o planeta.

É claro que o Rio de Janeiro é a nossa “cidade-cenário” por excelência e para onde se voltam todos os olhos do mundo quando o assunto é Brasil, principalmente neste momento histórico em que a metrópole fluminense está sediando megaeventos de alcance planetário, como foi a Copa do Mundo de 2014 e serão os Jogos Olímpicos de 2016.  Seguindo o modelo pioneiro bem-sucedido de algumas cidades do Hemisfério Norte, o Rio também dispõe de um “Film Commission”, ou seja, de um escritório oficial que atua estrategicamente no apoio à produção de conteúdo audiovisual para cinema, programas de TV, documentários, filmes publicitários e web.

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Recentemente, através do Rio Film Commission (RFC), por exemplo, foram atraídas para o Rio de Janeiro as locações de “Velozes e Furiosos 5 – Operação Rio” (Fast & Furious 5, 2011) com o indefectível Vin Diesel, e de “Vermelho Brasil” (Rouge Brésil, 2011), adaptação para o cinema do best seller de Jean-Christophe Rufin que relata a invasão francesa na Baía de Guanabara no século 16. O penúltimo episódio da série “Crepúsculo” –  “A Saga Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1” (The Twilight Saga: Breaking Down – Part 1, 2011)  – teve cenas rodadas na Lapa, tradicional reduto da boemia carioca, e até blockbusters como “O Incrível Hulk” (The Incredible Hulk, 2008) já ambientaram parte da história na Cidade-Maravilha, realizando tomadas in loco. 

Este ano foi a vez do badalado diretor britânico Stephen Daldry – autor de “Billy Elliot” (Idem, 2000), “As Horas” (The hours, 2002) e “O Leitor” (The reader, 2008) – aproveitar as potencialidades temáticas e as facilidades logísticas oferecidas pelo Rio para rodar o esperadíssimo Trash, a esperança vem do lixo (Trash, 2014) que teve sua pré-estreia ontem, no Festival do Rio.

Trailer oficial de “Vermelho Brasil” (Divulgação)

É verdade que o espetacular panorama do Rio de Janeiro já era, desde meados do século 19, um dos temas mais retratados do mundo através de reproduções de quadros e aquarelas, principalmente de viajantes e cientistas europeus. Na Belle Époque, as paisagens cariocas estavam tão na moda que até o célebre vitralista Émile Gallé criou toda uma coleção de vasos inspirada nas então já clássicas silhuetas montanhosas do Rio. Mas foi mesmo a “fábrica de sonhos”  Hollywood que transformou a Wonder City numa das paragens mitológicas do planeta através de dezenas de filmes escapistas, entre os quais o mais importante é sem dúvida “Voando para o Rio” (Flying down to Rio, RKO, 1933) cuja vocação pioneira foi tripla: lançou a maior dupla de dançarinos do cinema  Fred Astaire e Ginger Rogers , fotografou o Rio de Janeiro como o verdadeiro protagonista da história, principalmente no extravagante e absurdo balé aéreo do gran finale; e vendeu para o mundo as primeiras linhas aéreas comerciais para passageiros da Trans World Airlines (TWA) com destino à América do Sul.

“Voando para o Rio” (Reprodução)

Embora tirado do baú da história do cinema, o exemplo de “Voando para o Rio” ilustra muito bem as relações estratégicas e sinergéticas entre o cinema, o capital icônico das cidades e business, válidas até hoje e que não cessam de evoluir. Por exemplo, durante este Festival do Rio foi celebrado o primeiro acordo de cooperação entre uma cidade brasileira e uma norte-americana com a finalidade de promover conjuntamente suas respectivas indústrias audiovisuais e contribuir para o desenvolvimento econômico e para a criação de empregos em suas respectivas regiões, numa atividade que injeta cerca de R$ 19 bilhões na economia do Brasil e tem faturamento bruto anual de R$ 42,8 bilhões, sustentando 110 mil postos de trabalho diretos e 120 mil indiretos, segundo pesquisa da Motion Picture Association na América Latina (MPA-AL), com base em dados de 2012.

Assinatura do acordo Rio-Atlanta: Candance Byrd (esq), Chefe do Gabinete da Prefeitura de Atlanta, Steve Solot, presidente do Rio Film Commission, e Felipe Marron (dir), Diretor Administrativo da Rio Filme

Assinatura do acordo Rio-Atlanta: Candance Byrd (esq), Chefe do Gabinete da Prefeitura de Atlanta,
Steve Solot, presidente do Rio Film Commission, e Felipe Marron (dir), Diretor Administrativo da Rio Filme

Mas por que Atlanta? Além de ser cidade-irmã do Rio de Janeiro desde 1972, por iniciativa de Jimmy Carter  ex-presidente dos Estados Unidos e, nessa época, governador do estado da Geórgia  que se encantara com o Rio, Atlanta tem muitos outros predicados, como explica Steve Solot, presidente do Rio Commission Film e o estrategista que costurou o acordo com o Escritório de Entretenimento do Município da nona maior cidade americana: “Atlanta é o terceiro maior polo de criação e produção audiovisual dos Estados Unidos, suplantado apenas por Nova York e Los Angeles; é a sede de corporações poderosíssimas ligadas à comunicação e ao entretenimento como a CNN, a AT&T e a Coca-Cola, além de ter vários pontos de afinidade com o Rio: a cidade também organizou uma Olimpíada [a de 1996], e sua cultura é o resultado do entrecruzamento de várias etnias que produziram uma rica paisagem humana, propícia para o desenvolvimento de uma indústria criativa que já acumulou valiosa experiência no trabalho de atração e de desenvolvimento de projetos audiovisuais, que agora vai ser trocado com o Rio”.

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Fotos: Divulgação

Das chanchadas ao “E o vento levou…”, Rio e Atlanta são duas cidades cujos passados foram construídos e narrados com a ajuda do cinema e que agora – unidas – usam as telas do planeta para consolidarem o seu futuro. Aguarde os resultados num cinema perto de você.

* Flávio Di Cola é publicitário, jornalista e professor, mestre em Comunicação e Cultura pela UFRJ e coordenador do Curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá. Apaixonado pela sétima arte em geral, não chega a se encantar com blockbusters, mas é inveterado fã de Liz Taylor – talvez o maior do Cone Sul –, capaz de ter em sua cabeceira um porta-retratos com fotografia autografada pela própria