Coronavírus: psicólogas e pesquisadora em saúde falam sobre as relações humanas em tempos da doença global


Os impactos da COVID-19 são pandêmicos, assim como o alcance global que classifica a doença. Com o estágio de alerta acionado, as pessoas ao redor do mundo tendem a ficar mais apreensivas, receosas e precavidas. As atividades cotidianas são as primeiras a sofrerem impacto, sobretudo o contato interpessoal, principal canal de transmissão do vírus de acordo com especialistas. Beijos, abraços, apertos de mão e até aglomerações são vedados segundo recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS). O reflexo desses novos comportamentos recaem sobre o modo de vida das pessoas. Para compreender as consequências deste cenário, o site Heloisa Tolipan entrevistou as psicólogas Conceição Marinho e Stella Nessimian, além da pesquisadora em Saúde Chrystina Barros

 

*Por Felipe Rebouças

Ainda que tenha provocado milhares de mortes ao redor do planeta ao longo dos últimos meses, o novo coronavírus (COVID-19), descoberto no final do ano passado na cidade chinesa de Wuhan, tem causado um rearranjo nos hábitos e relações humanos. Semelhante a uma gripe, mas com potencial de contágio mais elevado, a doença se alastrou rapidamente pelo mundo e provocou um clima de receio generalizado. Na Espanha, por exemplo, o governo impôs confinamento à população sob pena de multa de 100 euros em caso de descumprimento em flagrante. O despreparo do nosso sistema imunológico para combater o novo vírus alojado, o desconhecimento da classe especializada para construir formas imediatas e acessíveis de prevenção à doença e a falta de leitos para atender quantidade demasiada de pacientes geraram movimentos internacionais de reclusão, a fim de evitar uma proliferação em cadeia ainda maior.

Frasco com o novo coronavírus, o COVID-19. (Foto: Freepik)

Especialmente por conta de idosos, crianças, gestantes, diabéticos e pessoas com problemas respiratórios, que fazem parte do grupo de risco do novo coronavírus, cujas taxas de mortalidade giram em torno de 15% dos casos. “É uma situação ambígua, porque ao mesmo tempo que nos isolamos em nossas casas, fazemos isso pensando em nós e no outro. Trata-se de uma profunda manifestação de amor em que as pessoas se retiram dos espaços de encontro em nome da saúde coletiva”, afirma a psicóloga Stella Nessimian.

Nessa linha, postos públicos de trabalho, aulas, eventos e shows estão sendo interrompidos e/ou cancelados. Essa é a ordem do dia, literalmente. De acordo com decreto publicado no dia 13 de março pelo governador do Estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, estão suspensos, “com único objetivo de resguardar o interesse da coletividade na prevenção do contágio e no combate da propagação do coronavírus”, shows, feiras, comícios, passeatas, aulas, visitação às unidades prisionais e aos pacientes diagnosticados com a doença, bem como eventos culturais, desportivos e científicos em praça pública.

A Associação dos Produtores de Teatro (APTR) divulgou nota fazendo recomendações e informando um encontro de gestores de espaços como Sesc Rio, Oi Futuro, CCBB, Petra Gold, Prudential, Riachuelo, Poeira e Multiplan com autoridades municipais e estaduais. “Acabamos de ter um encontro com o governador Wilson Witzel e a determinação é suspender todos os eventos. Foi criado um comitê de emergência, faremos parte deste grupo”, declara o produtor teatral, Eduardo Barata. A atriz e roteirista Suzana Pires decidiu adiar o lançamento do filme ‘De Perto Ela Não É Normal’, programado para o dia 2 de abril. “Agora precisamos proteger uns aos outros e evitar lugares fechados com aglomeração de pessoas. Devido ao meu respeito e amor máximo ao público, decidimos por adiar o lançamento. Vai estrear numa nova data, num momento em que todos nós possamos nos alegrar com a história”, afirma Suzana, que é produtora e protagonista do longa.

A compositora e percussionista baiana Lan Lanh também decidiu adiar seus compromissos. Neste fim de semana ocorreria, no teatro da UFF, em Niterói, duas apresentações de ‘A Arte É Mulher’. “Pela segurança do público e das mulheres do espetáculo, sobretudo idosas e gestante, achamos prudente seguir as orientações da vigilância sanitária”, afirma. Na Rede Globo, as gravações das novelas estão mantidas, mas a coletiva com a protagonista da próxima novela das 18h, Gabriela Medvedovski, prevista para hoje, segunda-feira, foi cancelada. Em São Paulo, o show da banda Backstreet Boys foi adiado. Os norte-americanos tocariam no domingo (15), no Allianz Park. “Informações sobre a nova data do show e ingressos serão anunciadas em breve, bem como a política de reembolso do valor do ingresso para aqueles que não conseguirem comparecer na nova data”, declara a assessoria do grupo em nota.

Para a psicóloga Conceição Marinho, o momento deve ser encarado como um desafio. “Apesar de nos sentirmos ameaçados, este medo não pode ser paralisante”, afirma. Ainda que a reação natural ao temor seja a fuga, segundo ela, é importante frisar que o movimento deve ser desprovido de egoísmo e desinformação. “Em tempos de fakenews, a sensação de medo na população é estimulada por mensagens, fotos ou vídeos inverídicos. Sentimentos como pânico, histeria e o individualismo acaba aflorando na população”, diz Marinho. Entre as notícias falsas, inclusive desmentidas por uma campanha do Ministério da Saúde, há de que o coronavírus tem apenas nove dias de vida útil e que beber chá e água quente mataria o inquilino indesejado.

Neste contexto, com mais tempo dentro de casa, eventualmente próximo a familiares, a psicóloga aconselha reviver momentos cada vez mais raros nos dias de hoje. “Com a suspensão das aulas e a restrição ao lazer em ambientes fechados, podemos intensificar atividades familiares que tragam de volta brincadeiras e valorizem esse momento juntos”, recomenda Conceição Marinho. “Até mesmo a forma adequada de lavar as mãos, sendo passada de forma lúdica, pode enriquecer o momento em família e marcar o aprendizado de uma criança, por exemplo”, indica a especialista.

“Nós brasileiros temos uma maneira muita calorosa de cumprimentar. Não precisamos perder essa característica, basta adaptá-la a nova situação. Mesmo não havendo aquele abraço, o aperto de mão tão enfático, podemos substituí-los por sorrisos ternos, olhares afetuosos. Isso não significa que estamos diminuindo o valor do encontro, estamos apenas colocando e respeitando os limites sem indelicadeza”, finaliza.

Pesquisadora em Saúde Chrystina Barros responde:

Heloisa Tolipan – O termo pandemia (para designar o alcance da doença) justifica pânico?

Chrystina Barros – O termo pandemia significa que a doença está disseminada pelo mundo. Já tivemos outros casos como Aids e Tuberculose, por exemplo. É claro que no momento mais agudo da pandemia há números mais altos [de casos confirmados e mortes] e depois essa doença passa a ser endêmica em alguns países. É compreensivo que, para a população, essa informação gera um certo pânico. Mas não é para ter pânico. A informação de que a doença é uma pandemia serve para os gestores [governantes] se planejarem e tomarem medidas.

HT – Quais são os principais sintomas?

CB – Os sintomas são semelhantes aos da gripe. Febre, dor no corpo, tosse, cansaço, mal-estar…. Podem ser mais leves e mais intensos de acordo com o paciente.

HT – Quais são os grupos de risco? Quem deve tomar mais cuidado?

CB – Idosos, gestantes, hipertensos, diabéticos e pacientes que façam uso de medicamentos que mexam com o sistema imunológico.

HT – Quais são as formas de transmissão?

CB – A forma de transmissão é o contato. Através das gotículas [frações de gotas de saliva] que são expelidas quando tossimos, espirramos e até quando falamos. O processo mais comum é a contaminação da superfície da mão, que é levada aos olhos, boca e nariz com frequência. Movimentos que introjetam o vírus no indivíduo. Por isso é importante respeitar o espaço individual, mantendo distância de um metro e meio a dois metros.

HT – Como prevenir?

CB – Lavar as mãos com frequência e evitando mãos nos olhos, nariz e boca. Se espirrar ou tossir, utilize a parte interna do braço ou um lenço de papel ou papel higiênico.

Lavar as mãos com frequência e evitando mãos nos olhos, nariz e boca. Se espirrar ou tossir, utilize a parte interna do braço ou um lenço de papel ou papel higiênico. (Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

HT – O que difere o novo coronavírus dos demais vírus?

CB – A maior diferença está na formação genética, que dá nome ao COVID-19 e ajuda os cientistas a identificá-lo durante os estudos para elaboração de medicamentos e vacinas. O que se sabe até agora é que os sintomas são bem parecidos com os sintomas da gripe.

HT – Como os especialistas de saúde tem visto esse cenário?

CB – A grande preocupação é conter a velocidade de expansão. Porque se houver muitas pessoas doentes ao mesmo tempo teremos muita gente no hospital tentando fazer diagnóstico, o que não ajuda em nada. O principal ponto é disseminar as informações e alcançar exatamente aquelas pessoas inseridas no grupo de maior vulnerabilidade. O que nos preocupa agora é conscientizar as pessoas da importância de não disseminar a doença e alertar que não há necessidade de ir ao hospital no primeiro espirro.

HT – Qual o maior receio da classe especializada?

CB – O maior medo é que haja um gargalo entre o atendimento ofertado pelo SUS e a demanda de pacientes infectados.

HT – O quadro é inédito ou há algum paralelo?

CB – Sem dúvidas a velocidade de expansão do vírus atrelada à realidade conectada que vivemos atualmente. É o primeiro registro desse tipo. Até por conta das conexões atuais, que atualizam a todo instante o quadro de casos confirmados e o número de mortes a nível global, além das conexões físicas, de transporte, que facilitam o deslocamento das pessoas para todas as partes do mundo. E para além disso, há um componente social muito forte. Vivemos numa era em que a disseminação de conteúdos falsos corre com uma velocidade incontrolável, acrescentando a isso a mobilização política. Ou seja, as pessoas invariavelmente emitem opiniões com base em informações falsas e acabam desinformando outras pessoas. Sendo assim, mais algo [além do vírus] a ser combatido.

HT – O Brasil tem condições de acolher um contágio generalizado?

CB – Temos condições de desenvolver estratégias para um atendimento maior. Temos profissionais técnicos excelentes e, em tempos de crise, já mobilizamos hospitais de campanha para atender pessoas vítimas de terremotos no Haiti ou enchentes em Santa Catarina. Mas mesmo nos Estados Unidos, país mais rico do mundo, sempre há dificuldades para dar conta de atender um volume muito maior do estimado inicialmente. Por isso é importante seguir as medidas de desaceleração, para que a estrutura atual dê conta de realizar o atendimento de maneira adequada.

HT – Quais são as principais desinformação sobre o tema?

CB – O grande problema está em quem acredita e compartilha fake news e não entende que as restrições se tratam de cuidados com o outro. E aqui eu destaco comportamentos egoístas de pessoas, de pessoas que só pensam em si, e que quando são orientadas a ficar em casa vão ao supermercado e enchem cinco carrinhos de compra, sem necessidade, sem pensar em quem vem atrás e precisa também. Todos têm informação, mas algumas pessoas não conseguem entender que tem o papel coletivo dentro de uma sociedade.

HT – O que você tem a dizer para as pessoas que creem em mensagens falsas veiculadas na internet?

CB – Não acreditem em mensagens que falam que água quente, soro fisiológico ou complexo vitamínico são a cura. Se receber uma mensagem dessas não repasse de forma alguma. Nem leia. Procure as informações no site do Ministério da Saúde.

HT – Qual será a lição deixada pela pandemia do coronavírus?

CB – O comportamento humano será o grande aprendizado dessa grande epidemia. Também deixará lições importantes para gestores, em relação ao investimento em infraestrutura e principalmente em pesquisa, que deve ser sempre mantido. Porque para gripe certamente haverá muita diferença quando tivermos uma nova vacina. E isso leva tempo, porque é necessário uma série de trâmites e testes de segurança para liberá-la. Pesquisa é o que traz a vacina e novos medicamentos.