Com Madonna e Guy Ritchie como clientes, o arquiteto brazuca Élcio Betta lança a Kitchens & More e bate um papo com HT


Junto com o artista plástico Virgílio Neves, o paulista – dono da loja especializada no comércio de appliances high-tech em Londres – fala sobre as novidades do mercado e, claro como é trabalhar com a Rainha do Pop e o ex-marido cineasta

*Por João Ker

Elcio Betta é o brasileiro que vem fazendo seu nome pela capital inglesa nos últimos anos. Arquiteto e responsável por clientes da high society e jet set, gentecomo Madonna e Guy Ritchie no currículo, Élcio agora se prepara para lançar a Kitchens & More, uma loja de appliances high tech para cozinhas, adegas, guardarroupas e áreas de serviço. O espaço fica na Kings Road, ali mesmo na sofisticada Chelsea, e ainda conta com uma obra de arte exclusiva do amigo Virgílio Neves, chamada “Vento”. HT bateu um papo com esses dois para falar sobre o projeto e, claro, perguntar como é trabalhar com a Rainha do Pop.

Interior da Kitchens & More, com a tela de Virgílio em destaque (Foto: Divulgação)

Interior da Kitchens & More, com a tela de Virgílio em destaque (Foto: Divulgação)

HT: Como começou a relação com Virgílio e o que vê de especial em sua arte? De que modo ela dialoga com a loja?

EB: Eu conheço o Virgílio há mais de 20 anos e acompanhei bem a carreira dele. Sempre gostei de suas obras e achei que seria ótimo contactá-lo para produzir um quadro para a  minha loja. Além de me conhecer, Virgilio sabe trabalhar com cores, padrões, sentimentos e energia, e isto se integraria de forma perfeita com o espaço que eu estava inaugurando. No hall de entrada da loja, onde há uma escada para acessar o basement, a parede original de tijolo aparente foi preservada no meu projeto. Achei que aquele espaço seria ideal para a pintura do Virgilio. Basta olhar as fotos para constatar que o quadro foi feito para aquela parede. Pela vitrine costumo acompanhar vários ingleses, meus clientes que, ao visitar a loja, ficam hipnotizados com a obra.

HT: Virgílio, qual a diferença de expor em um ambiente tão específico e ainda assim tão familiar?

 VN: Expor é sempre bom, onde quer que seja. Estar em Londres, depois da minha primeira individual em 2014 em SP, na Galeria Vila Nova, foi para mim um grande passo. É como viver duas experiências ao mesmo tempo: a de levar um pouco do Brasil para o Élcio e a outra, mostrar para os ingleses que passam por lá, uma parte do meu trabalho. O Élcio já conhecia os meus desenhos e pinturas de longa data, mas o tema que norteou a minha individual deste ano (hipnoses) trouxe uma nova faceta que ele ainda não havia visto e que acabou provocando uma identificação com o projeto  de loja que ele tinha em mente. Isso foi decisivo para que ele encomendasse uma tela para mim. Tudo se encaixou desde o início. Mesmo sendo uma loja de decoração de cozinhas, ambiente bastante específico, o fato de conhecê-lo me deixou muito à vontade.  Além disso, o espaço amplo da loja permitiu que eu desenvolvesse uma tela de grandes dimensões, um projeto que eu já tinha em mente mesmo antes de ele me procurar. E assim foi. Mais do que as diferenças, o que me surpreendeu neste projeto foram os pontos de convergência. É como dizer que, entre a loja em Londres e o meu ateliê em São Paulo, a tela virou o nosso denominador comum .

 HT: Como acha que a obra dialoga com o espaço da loja?

VN: Uma tela de grandes dimensões na frente da Kitchens & More, ocupando uma parede logo na entrada, poderia cumprir o mesmo objetivo que eu tinha na minha exposição em São Paulo: se as obras “hipnotizavam” por aqui, poderiam hipnotizar por lá também. E quanto maior ela fosse, maior seria a chance de isso acontecer para quem ainda não tivesse entrado na loja. A escolha das cores não veio ao acaso. Parti do princípio de que laranjas, verdes e azuis ajudariam a compor uma escala cromática inspirada na natureza dos trópicos e carregariam consigo as raízes do próprio arquiteto Élcio Betta. Recebi o projeto da loja muito antes de começar a produzir a tela e isso me ajudou bastante a criar as conexões entre as duas. E mais, se por um lado as formas orgânicas da minha tela se conectavam aos ingredientes usados numa cozinha, por outro criavam um contraponto com o tom clean e contemporâneo do ambiente.

 

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HT: Élcio, como entrou na área e qual o projeto que mais o desafiou até hoje? 

EB: Nasci em São Paulo, capital, cresci no bairro do Brooklin, zona sul da cidade. Estudei no Bandeirante, depois fui para o Objetivo Luís Goes e passei no vestibular para a FEI em São Bernardo do Campo. Fiz somente seis meses de faculdade de engenharia. Não era minha praia. Depois entrei na Belas Artes, que ainda estava com sua sede na Pinacoteca do Estado. Era perfeito o local para uma faculdade de Arquitetura. O prédio é lindo, mas por questões financeiras da época tive que desistir do curso e resolvi trabalhar. Primeiro como organizador de eventos para Vera Simão, depois fui fazer a produção de shows no Memorial da América Latina, onde fiquei por quatro anos. No Memorial, resolvi voltar para a faculdade de arquitetura que eu havia abandonado alguns anos antes e esta minha decisão do retorno à área acabou acontecendo por influência de um assistente de Oscar Niemeyer, com quem me encontrei várias vezes no Memorial da América Latina através de longas e produtivas conversas . Voltei para a Belas Artes e me apaixonei pela arquitetura novamente. Me mudei para o Rio e terminei a faculdade de arquitetura no Bennett. Comecei a trabalhar como Arquiteto para o Raul Amorim e depois para o Gruppo Designo.

HT: E depois dos estudos, como sua carreira avançou e como você foi parar em Londres? 

EB: Montei um pequeno estúdio de arquitetura com uma sócia, mas logo depois comecei uma nova fase em minha vida. Acabei me mudando para Londres com meu parceiro, e trabalhei como arquiteto já no primeiro ano após a minha mudança. Passei por vários escritórios em uma fase de adaptação com a arquitetura inglesa e, neste momento, tive a oportunidade de ingressar em um escritório como arquiteto responsável pela obra no N. 53 Great Cumberland Place em Marble Arch, mais precisamente, a casa da  Madonna. Logo depois, fui convidado pela empresa de Interiores Argent Design para fazer o projeto da nova casa do cineasta e ex-marido da pop star, Guy Ritchie. Após 10 anos trabalhando para outros arquitetos em Londres resolvi caminhar novamente com as minhas próprias pernas, abri meu estúdio de arquitetura novamente. LCO Design. Como tenho especialização em interiores, meus projetos se direcionaram para a reforma de casas tombadas pelo patrimônio histórico aqui da Inglaterra. Uma das minhas maiores dificuldades nos projetos são as cozinhas. Por isso acabei indo procurar um fornecedor que pudesse me atender, seguindo os meus desenhos, especificações e com qualidade. A parceria e o resultado foram tão bons que resolvi montar uma loja com cozinhas, guarda roupas, adegas de vinho e lavanderias, isto é, uma loja que monta a casa para você. Uma cliente me estimulou com a seguinte frase: “Você não vende cozinhas, você vende estilo de vida”.  Esta foi o insight que me levou a encarar meu maior desafio: montar a Kitchens & More.

HT: Qual a diferença entre o mercado (e consumidor) brasileiro e britânico?

E.B.: Acredito que aqui na Europa temos mais acesso a produtos de diferentes marcas e nacionalidades. Existem produtos espanhóis, italianos, alemães e franceses de excelente qualidade com uma ótima relação custo-benefício. Essa diversidade nos dá mais acesso ao que existe de mais moderno, atendendo a todos os tipos de estilo. No Brasil, os importados são muito caros e os produtos nacionais variam muito pouco. Na Europa, temos um design moderno contrastando com o clássico, o que compõe uma mistura interessante. O Brasil tem se limitado a fazer apenas um design moderno.

HT: Qual sua parte preferida em trabalhar com appliance high-tech? Quais as novidades mais interessantes que você vê no mercado?

E.B.: Os appliances hi-tech são um diferencial, pois a nossa ideia foi juntar os projetos de arquitetura com o design de cozinhas, desenhos exclusivos com produtos diferenciados. Existe todo um trabalho técnico por trás de uma bela cozinha.  Temos marcas como Gaggenau, Siemens, Bosch, Miele, Fisher & Payke, Wolf, Sub-Zero, Hot Point etc… Existem vários produtos entrando no Mercado Europeu. As novidades são os fornos auto limpantes, os fornos que cozinham com vapor, extratores de vários formatos, acabamentos cada vez melhores no que diz respeito aos appliances que, por serem integrados, acabam desaparecendo na decoração. Não se vêem mais as geladeiras, as máquinas de lavar louças e as secadoras de roupa porque tudo tende a ficar cada vez mais integrado na decoração. Principalmente no novo estilo europeu de moradia que traz a cozinha para a área social.

Élcio Betta (Foto: Divulgação)

Élcio Betta (Foto: Divulgação)

HT: Como foi trabalhar com Madonna e, posteriormente, Guy Ritchie? Ela é muito exigente? Participa do projeto? Consegue lembrar dos planos que ela tinha? Explique um pouco.

E.B.: O trabalho que foi feito com Madonna foi um verdadeiro desafio: primeiro, porque eu tinha que tentar conciliar a agenda dela, que estava totalmente tomada para os ensaios da turnê do “Hard Candy”  [“Stick And Sweet Tour”, que passou pelo Brasil em 2008] e a minha, que precisava entender os detalhes e as necessidades da reforma para a elaboração do projeto. Além disso, o grande desafio era também criar um projeto para uma casa que estava protegida pelo patrimônio histórico de Londres. Minha missão era adicionar ao que seria o salão principal da casa, que fica no primeiro andar, um estúdio de dança com um piso especial que absorvia impacto. Ela sabia muito bem o que queria, mas quase não participou do projeto sendo super “protegida” pelos assessores com quem tivemos contato a maior parte das vezes. Ela participou de algumas reuniões na casa comigo, de forma muito rápida, e tomava as decisões principais. Depois acompanhava com os assessores o restante dos detalhes do projeto. Ao contrário, a obra na casa do Guy Ritchie foi mais interessante, pois ele vinha pessoalmente às reuniões e participava das decisões. Os resultados finais costumam ser bem melhores quando um cliente participa ativamente das discussões sobre o projeto.