C’est la vie: de fórmula da felicidade a baluarte da cultura urbana regado com boa música, tudo é festa no Rio!


O agito que movimentou esta noite de sábado no Espaço Rampa misturou DJs com grafiteiros e foi até plataforma para a política consciente

* Por Bruno Muratori

A festa surgiu há mais de quatro anos na Cidade-Maravilha de forma inesperada em um papo entre amigos e naquela vontade de fazer algo diferente pelo Rio. Queriam um conceito que amplo, ambicionavam criar uma festa que pudesse unir arte, moda, intervenções artísticas, boa música e gente bonita. Os mentores do projeto estavam desejosos por suprir a carência da galera meio-orfã dessa vibe mais alternativa. O pessoal acabava não se encontrando no Rio como poderia, restava agora unir a turma de fora da cidade, quase em um esbarrão, em baladas de São Paulo e até fora do país. Daí, aos poucos, a coisa foi tomando forma. As influências para a elaboração do conceito nem se prenderam só à capital paulista, mas vieram de redutos típicos do movimento underground em viagens feitas pela equipe a Londres, Berlim, Nova York e Los Angeles. E até do Japão vieram dicas. A festa foi se consagrando, e assim rolou nesta noite de sábado (2/8) a nova edição da C’est La vie, agora com o tema Urban Culture no Espaço Rampa.

Com mega fila já de supetão sugerindo que a noite ia ser bombástica e com a galera ansiosa para jogar o corpo na pista, tudo prometia. Logo na entrada, um mimo da cerveja Budweiser, com duas gatas-garotas turbinando quem entrava na festa com um Beer Bong Free, despejando a cevada goela abaixo dos convivas através de um funil daqueles grandes, sem “miserinha” de cerva, mas para entrar já no clima! E era impossível não parar para admirar a bela vista da Baía de Guanabara, tão inebriante quando o tal over welcome drink, repleta de meninos e meninas descolados esbanjando estilos diferentes. Era mesmo muito desprendimento para viver dentro da proposta do badalo. Afinal, ter mente fechada nessa festa não rola. Se for nessa vibe o frequentador certamente ficará tentado a mudar alguns conceitos, fato! Vê-se gente de todas as classes sociais, de muitas tribos, e o que une a rapaziada ali é a identidade cultural e o registro pessoal que cada um tem desse universo alternativo. Sim, é uma turma cheia de opinião própria.

 

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos (Divulgação)

Em um papo agradável de olhos para baía e quase com um convite para passear de barco, HT conversou com a simpática Erika Ferreira, organizadora, produtora, Dj residente, fundadora do Espaço Rampa, responsável pela concorrida programação do espaço e mais alguma coisa que ela certamente sabe fazer. A menina não para! Tipo Woody Allen ou Barbra Streissand: a moça faz de tudo na ficha técnica. Ela nos conta um pouco sobre como caiu na noite e porque de lá não conseguiu sair mais: “Me formei em publicidade e trabalhei muito tempo como funcionária em empresas, mas numa determinada hora resolvi abrir a minha própria agência. Como eu sempre estava muito na noite, era figurinha carimbada de muitas festas e, por conta disso, conheci muita gente, de donos de casas noturnas a DJs. Aí a pressão foi forte!”, ela ri. “Ainda mais pelos meus amigos que diziam: faz uma festa, faz uma festa. Meu, me ouve”. Daí a organizadora resolveu começar um agito no antigo Espaço Rampa, que tinha um ambiente legal e descontraído, e foi assim que tudo aconteceu.

Bom, e esse nome, por quê? “Olha,“C’est la Vie” veio porque a galera adora a França, e sempre que alguém terminava um namoro, ou rolava alguma coisa com alguém, essa era a minha frase para dar aquele incentivo aos amigos – ‘Cara, c’es la vie…’ Peraí, então rolou aquele insight: Festa C’est La vie! J’adore!”

A primeira edição foi mega inesperada e compareceu uma multidão de nada menos que 1800 pessoas. “Caraca, vai rolar!”, pensou Erika. A produtora afirma que o gosto pela carreira de DJ veio por conta do sócio, amigo e também organizador da festa Newton Gomes, que ensinou os macetes do universo dos remixes. Parceria de sucesso! Juntos, os dois dividem a residência da festa até hoje. E em função do tipo de público, e como não é possível deixar de perguntar se a escolha do tema desta edição tem um cunho panfletário (e qual seria o objetivo da escolha deste tema logo na edição de agosto, após a Copa), Erika elucubra sobre a história da arte urbana: “Não pensamos necessariamente em falar de política, e sim sobre algo mais pessoal intervindo na vida de cada um que vem a festa. Mas política está intrínseco: teve o evento esportivo, agora vêm as eleições. E nosso público é todo pensante. Portanto, cair nesse universo da cultura urbana, no fato de cada um se expressar e que ninguém está só, que juntos somos fortes, bom, isso tudo é política!”, alega a produtora cultural.

E tudo rolou nesta noite de badalo. Teve arte ao vivo com grafiteiros do Rio, além de duas exposições onde os artistas puderam, além de se expressar, vender seus quadros. E, pontificando essa questão da autoexpressão, a máxima da noite foi a ação criada para essa edição, o serviço que tá rolando nessa no envio de sms transmitidos nos telões, onde todo mundo pode acabar mandando um recado ou expandindo interação. “Bianca depois dessa eu iria…”, diz um torpedo. “Bem, pra onde a Bianca deve ir com o recado enviado a pouco?”. E por aí vai. Mas, voltando ao bate-papo, Erika ressalta: “Para ter uma ideia, hoje você pode estar falando para 1000 pessoas.”

 

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos (Divulgação)

E, por falar em se expressar, logo na entrada da pista chama atenção o trabalho do matogrossense Iago Arruda e sua “tabela da felicidade”: um trabalho desenvolvido há sete anos, um livro de parede onde você pode montar a sua própria fórmula de autorrealização com mais de 110 mil possiblidades, maneira que o artista encontrou para se exprimir por conta dessa incessante (e utópica!) busca pela realização plena. Sem dúvida, um ponto de frescor na festa que vale a experimentação. Já o grafite ficou a cargo de Tiago Carva, que observa um pouco sobre a iniciativa do agito: “Eu acho ótimo essa proposta e nada mais justo ter alguém grafitando ao vivo e permitindo que quem está por perto possa vivenciar esta iniciativa, ver desde esboço, a pintura e toda técnica até o resultado final. Bacana o público ter contato com você nessa pegada descolada. Eu nunca tinha participado de um agito expondo meu trabalho assim. Só na rua, que foi a minha grande experiência, e estou gostando muito dessa energia, até porque tem gente que acha que é pichação e, depois de ver como tudo funciona, acaba por valorizar e sacar que é um trabalho de arte.”

Por falar em formar opinião, indagado sobre a situação do país em tempos de eleição (seja para governo do estado ou para presidência), o artista urbano é categórico: “Como o movimento pode contribuir para esse desejo nacional de mudança e por mais ética? Bom, através da arte podemos mudar muita coisa, desde uma sementinha pintada numa parede que te comove e te faz pensar até um movimento de discussão entre nós mesmos e quem nos segue”. Para ele, durante a Copa do Mundo mesmo “foram feitos alguns alertas sobre a importância que precisa ser dada à educação, ou mesmo à questão da fome – que precisa ser abordada” – quando se retratou crianças comendo grama”, Tiago aponta. “Então a arte pode conscientizar, a arte pode vir com muitas mensagens do bem isso claro depende de cada artista a capacidade de promover esse debate. Podemos ver até alguma mensagem subliminar pela cidade até a chegada das eleições, e o ambiente de uma festa dessas é perfeito para tal”, completa, bradando: “Provavelmente não vote, lute! E que o nosso voto é nossa maior arma de defesa.”

HT também circulou pela pista e ao som do clássico “Can’t Take My Eyes Off You”, na versão moderninha by Muse, um momento-suspiro: é sempre bom ver casais apaixonados de todas as tribos e gêneros juntos em total harmonia, quando ser tolerante não é apenas modinha, mas de fato um estado de espírito. Mais um giro e outro papo com os festeiros, agora Aline Turano, que se diz assídua participante de todas as edições e revela: “Adoro essa festa, o espaço é incrível com essa baía, mas a C’est La Vie ser uma balada alternativa é o que menos importa. Aqui não há preconceito e você pode ser o que bem desejar até as 6hs da manhã.”

Assim, os produtores sublinham que seu desejo é poder continuar contribuindo com a agenda carioca oferecendo boas opções noturnas e também uma alternativa ao turismo da cidade para, no futuro – quem sabe – até expandir o agito-cabeça para outras cidades do Brasil. “Esta edição agostina conta ainda com o charme extra dos DJs convidados Rodrigo S (Wobble) e Bruno Ambrozi (Wonka Party)”, finaliza Erika. Som acertadíssimo na pista, tudo agradando em cheio a galera. Agora é esperar a próxima edição porque assim a vida até melhora… Nos esbarramos na pista!

*Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos pasteis de Belém, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha