Com história de altos e baixos, o Cais do Sodré é o novo ponto do badalo em Lisboa! Confira!


Depois da calmaria decadente, tempestade regada a agitos: antiga zona de prostituição portuária renasce na capital portuguesa, servindo de exemplo para o Porto-maravilha, no Rio!

* Por Bruno Muratori

Em época de revitalização do Cais do Porto, no Rio de Janeiro, é hora de conhecer outro exemplo, no exterior, de como é possível transformar o lixo em luxo. Afinal, nada como o burburinho das metrópoles, sempre em constante transformação. Lugares que estavam na moda podem sair dos holofotes de uma hora para outra, assim como paragens insuspeitas são propensas se tornar novos objetos do desejo da rapaziada que frequenta as baladas, como já aconteceu com a Barceloneta, antiga área degradada em Barcelona e com o Puerto Madero, uma das pérolas atuais de Buenos Aires. Assim, quem viajar para Lisboa poderá descobrir aquele que é atualmente o ponto dos descolados na capital portuguesa: o Cais do Sodré. Para quem não está familiarizado com Portugal, o nome pode até parecer estranho, mas, retrocendendo no tempo, é possível confirmar a história deste local, intimamente ligado ao mar.

Na época das descobertas e grandes navegações, era uma zona dinâmica e chamava-se Bairro Cata-qué-farás, lugar onde eram construídas as embarcações usadas para se chegar às novas terras além-mar, ponto de partida para novos povos e novas culturas. Ou seja, o local era berço do cosmopolitismo lusitano. O curioso nome original foi dado pelo Conde de Sabugosa (nada a ver com o famoso Visconde de Monteiro Lobato!), que costumava apelidar os lugares com significados e expressões, tipo “procura que há de achar” ou “trabalha que hás de vencer”. Bom, reza a lenda que a areia do Tejo possuía pó de ouro, o que levava os viajantes a peneirar as areias da praia com afinco. Daí o “cata-que-farás”. Apesar deste mito, outras hípóteses para explicar o nome foram surgindo ao longo dos anos, mas, ainda assim, o significado do Cata-que-farás continua um daqueles mistérios que Lisboa preza em guardar.

No século XIII, a região passa a se chamar Cais do Sodré por conta da importância da família homônima, que habitava a zona e mantinha íntimas ligações com comércio marítimo. A história do cais liga-se também aos seus edifícios, espaços de encontro e convívio, com saraus que fizeram desta área um dos lugares da moda na frenética Lisboa do século XIX. Com o passar dos anos, entretanto, o bairro foi saindo do circuito e dando lugar à degradação, com bares mal frequentados e repletos de público suspeito, como costuma acontecer nas regiões portuárias. Acabou ficando conhecido pelos estabelecimentos duvidosos com nomes de capitais do norte da Europa, pura isca para atrair malfadados marinheiros que, mal chegavam, iam logo se divertindo com “senhoras bem mimosas” que perambulavam pelas esquinas escuras. Basfond! 

Por isso mesmo, é ótimo quando espaços que foram importantes  – e acabaram relegados ao esquecimento! – se reinventam, se transformando em novos polos de agito, como aconteceu recentemente com o Cais do Sodré que, agora, tem diversão de sobra para oferecer ao público e turistas. Novo ponto de diversão lisboeta (despido da velha fama de zona de prostituição, mas, ao mesmo tempo, se beneficiando dessa aura), ele volta a ser um lugar de badalo, cheio de gente animada pronta para circular no pedaço e encher o copo no fim da noite, a fim de esquecer a crise que assola a Europa. Afinal, a recessão vem mudando os hábitos noturnos dos portugueses e agora, mais do que nunca, a diversão com economia é uma premissa, caso contrário, as lamúrias dos baladeiros de plantão acabam até superando a fossa dos fadistas.

Este slideshow necessita de JavaScript.

Fotos: Arquivo pessoal do autor

Após o projeto de requalificação do bairro, com interdição do trânsito de uma das vias, o Cais do Sodré floresceu, impulsionado por algumas restrições impostas no Bairro Alto, tradicionalmente o local maior da diversão na cidade, eleito pelo portugueses e turistas como “o point” e até mencionado na música “Marujo Português” cantada por Maria Bethânia. Sim, as coisas mudaram muito no Bairro Alto e, devido às reclamações dos moradores locais em relação ao barulho e ao horário da baderna incessante, houve uma tentativa de melhorar a frequência no bairro, motivo suficiente para a boemia se cansar de vez e descer até o Cais. Agora, as noites no novo local de encontro têm sido ao barrote – para usar uma gíria portuguesa -, com o lugar apinhado de gente na rua, tipo Lapa ou Baixo Gávea, no Rio. Dizem as más línguas que, quem tirar o pé do chão corre o risco de perder o lugar! Assim, vale a pena destacar aqueles highlights que têm dado o que falar, tanto no boca a boca quanto nos novos guias de viagem à terrinha. Pode anotar no seu caderninho e conferir tudinho na próxima viagem à Lisboa, sob o risco de ser tachado de careta, caso não dê uma passadinha por lá:

– Pensão do Amor: tem esse nome porque encontra-se no edifício que já foi uma pensão com quartos alugados a prostitutas, que recebiam seus seus clientes no cafofo. Agora, o prédio é ocupado por vários espaços, desde ateliês de artistas a bares transados. Com entrada pela Rua do Alecrim (com direito a espaço para uma esplanada) e pela Rua Nova do Carvalho, tem cafetaria/bar no primeiro piso, decorada como cabaré – lembrando o tempo em que o local era hot point da mulherada da vida -, todo em tons de vermelho. Tem também uma sala polivalente para concertos, palestras e outros eventos, além de incluir uma livraria temática dedicada ao erotismo, e ainda conta com um cabeleireiro. Imperdível!

– Music Box: música ao vivo e DJs tornam este espaço um dos mais ecléticos e mais concorridos da noite lisboeta, com oferta intensa de concertos e eventos, com sons passando pelo jazz, rock e house, sempre para um público variado.

– Sol e Pesca: já foi uma loja de artigos para pesca desportiva e profissional, daí o nome. Agora, com decoração composta por varas de pescar e anzois no café que ocupa o espaço, é perfeito para aquela pescaria, tipo pegação, nos agitos noturnos da cidade. Tem serviço de delivery , pois, além dos copos os vinhos (todos portugueses), serve conservas bacanas acompanhas pelo ótimo pão alentejano. Delícia!

– Povo: podia ser apenas mais um bar de petiscos, mas trata-se de uma “tasca artística” onde se ouve, sobretudo, fado, mas também outros gêneros musicais como o flamenco, tango ou zarzuela. Mais passional, impossível. É um espaço muito simples e, ao contrário de outros dedicados ao fado, não se trata propriamente de uma atração turística, estando aberto a todos os apreciadores da música portuguesa, em geral.

Bom há mais opções, porém, com estas sugestões, já dá para o visitante começar a desfrutar do Cais do Sodré,e aproveitando tanto apra começar como terminar bem a noite em Lisboa. Agora é só aproveitar a próxima estadia em Lisboa para conferir, tudo aquilo que se vê na galeria de fotos.

*Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos pasteis de Belém, um vício.