Badi Assad é coisa nossa! “É duro ser orfã no país do lepo-lepo”, afirma a cantora e instrumentista com exclusividade ao HT


Sucesso retumbante nesta 12ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival, a artista com reconhecimento internacional se ressente da falta de profundidade das massas no Brasil

* Por Bruno Muratori

Badi Assad é o a Terra Brasilis que mostra a sua cara e conquista o mundo! A maior violinista brasileira, plural e multi artista é mesmo completa. Se alguém tem alguma dúvida dos encantos mil de Badi, linda por natureza, é melhor então nem questionar o posto de soberana da música popular conferido informalmente pelo público nesta 12ª edição do Rio das Ostras Jazz & Blues Festival sob o risco de pagar mico. Basta conferir sua fantástica apresentação que rolou neste fim de semana, na reta final evento, para ter certeza daquilo que foi confabulado em praça pública por uma plateia em êxtase com o talento da moça. Para o grande público, ela talvez até seja uma novidade, ver sua apresentação na Cidade do Jazz pode mesmo ter sido uma grande surpresa. Afinal, se a atenção das massas fosse menos manipulável pelos sistemas midiáticos e se o país desse menos valor aos lepo-lepos e beijinhos no ombro da vida, haveria mais espaço para gente do calibre da artista. Navegar é preciso, e nessa caravela da boa música universal, ela poderia perfeitamente ocupar um posto de destaque no grande timão que é o Brasil. Não que ela não tenha seu lugar consolidado, mas chega a ser uma pena vê-la atingindo somente um público restrito, sem ser ainda conhecida do grande público, sem aparecer em programas populares de tevê.

A artista lançou seu CD “Wonderland” em 2006, composto de releituras de obras de  Eurhythmics, Vangelis, Tori Amos, Cartola e até Lenine, entre outros. O álbum entrou para a lista dos melhores 100 CDs do ano pela BBC de Londres, assim como entre os 30 melhores do site de maior visitação da internet, amazon.com. Imagina o que poderia ser no ranking nacional, não fosse o Brasil o país dos Tiriricas.

Em 2010, a morena transcendeu suas raízes brasileiras no seu primeiro DVD, “Badi Assad”, fazendo uma mistura que vai da MPB ao pop, da world music ao jazz, tudo impregnado de sonoridades étnicas colhidas em várias partes do mundo. Com esse trabalho, lançado pela Biscoito Fino, a intérprete e instrumentista acabou por desenvolver um gênero musical próprio que literalmente desafia qualquer classificação. Badi, que nasceu em São João da Boa Vista (SP) em 1966 e foi criada no Rio de Janeiro, andou pela Unirio e esse foi o ponto de partida das experiências colhidas para ela disseminar através do seu trabalho. Irmã de Sergio e Odair, violinistas do Duo Assad, respeitado mundialmente, ela começou a tocar violão aos 14 anos e não parou mais, pois, um ano depois, já dominava o instrumento e subia aos palcos participando de concursos e ganhando láureas nacionais e internacionais. Ela se fez pelo seu talento e foi conquistando aos poucos o cenário internacional com sua reconhecida técnica violão e voz, além de inovações, experimentações e muita fidelidade ao seu próprio estilo, conjugando sempre tudo com uma insaciável sede de inovar.

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Após a apresentação que encantou a Cidade do Jazz, neste final de semana, Badi recebeu HT no backstage do festival e falou sobre um pouco de tudo. De cara, seu magnetismo é difícil de explicar, tanto que acabou até sendo complicado para este repórter reorganizar as perguntas, que deixaram de seguir um protocolo tradicional e viraram mesmo um bom papo entre amigos, quase uma conversa de bar. Coisas de Badi.

“É um pouco frustrante ser coisa nossa e o seu país não lhe dar o devido valor?”, HT já começa quente. “Bom, é complicado e até estranho ver o lepo-lepo e tantos outras coisas bizarras que andam rolando por aí, observar que alguns dos valores foram um pouco trocados. É duro ser órfã no meu pais, mesmo tendo reconhecimento lá fora”, lamenta, afirmando que adoraria que as coisas fossem diferentes. “Tenho a consciência de que eu também nem sempre estive presente por aqui, tenho minha parcela de responsabilidade por isso. Mas sempre há a esperança e vou levando. Será que, não fosse isso, teria a mesma recepção das massas que encontro neste público mais específico daqui do festival? A minha música é algo ao qual me mantenho muito fiel e não abro mão dela”, completa.

A cantora ainda vai além, ressaltando que considera a mídia brasileira fechada e que, “pelo fato de não ter um trabalho popularesco, encontra pouco espaço aqui para divulgar sua música”. Para ela, o jabá das rádios e gravadoras dificulta a divulgação e o que acaba valendo é o dinheiro que se tem para fazer com que o trabalho toque nas rádios. “Não que isso não exista lá fora, mas vejo mais democracia por lá, com mais espaços para um artista se apresentar. Aqui é preciso ter no mínimo 5 mil pessoas para levar adiante um show, senão praticamente não rola. O profissional mediano ainda não tem esse público”. Ela acredita que o Brasil tem poucas opções, comparado com o exterior e, no Rio de Janeiro, menos ainda. “Por isso considero essa empreitada daqui do festival muito relevante”.

E também ressalta o formato intimista do show e a resposta da plateia, dizendo que acaba seguindo sua própria percepção na hora: “Aqui rolou, mas depende do momento. Se percebo uma reação diferente, vou por outra linha. Vou pelo coração sempre”.

Badi viveu uma longa temporada nos Estados Unidos, um desses acasos da vida. Mal chegou, foi descoberta e, em um mês, já tinha shows e contrato assinado, isso em 1993. Sortuda. Daí em diante não parou mais. Em momento fofo, Badi revela ser só amores com seus irmãos Sergio e Odair Assad, grandes incentivadores e parceiros de Badi: “Somos muitos unidos e sempre que preciso de alguma sugestão, e mesmo de um arranjo novo, recorro a eles! A gente tem uma brincadeira na família. Eu ligo para falar: ‘Olha consegui trabalho’. Do outro lado, ele respondem: ‘Você começa amanhã, né?’ Não dá para pensar em deixar para depois, a família leva muito a sério a música e não brinca em serviço, com meus irmãos sempre abrindo espaço para mim”.

“Em certa parte do show, você fala sobre um fase complicada em sua carreira, por conta de uma distonia focal, uma doença rara que os médicos nos EUA não faziam ideia de como tratar – parada séria!” A cantora então fala sobre isso: “Esta história podia se  espalhar pelos dedos e toda a mão ficaria comprometida, uma loucura! Há casos de pessoas que ficam sem os movimentos por mais de 20 anos”. Bomba lançada para uma artista com uma carreira brilhante pela frente. HT pergunta como foi esse momento e se rolou o típico processo de superação e de dar a volta por cima. Ela manda ver: “Foi muito duro, mas não me deixei vencer pela descrença, nem me coloquei como coitadinha. Isso é muito importante e comecei a trabalhar a auto cura, vital para o meu restabelecimento e para dar a guinada. Deu certo não é?!?”, alega.

Sorridente, Badi Assad encerra o delicioso papo falando dos projetos futuros: “Quero fazer para o ano que vem algo que fale de coisa positivas. O mundo está muito esquisito”. E fecha com o seu trabalho infantil “Cantos de casa”, a montagem de um espetáculo teatral onde é compartilhado um possível cotidiano de uma criança através do mundo mágico de uma casa totalmente feita de instrumentos musicais. Todas as canções são compostas por Badi e inspiradas durante os primeiros anos da vida de Sofia, sua primeira filha. “Tem até música tocada com a escova de dente!”, conta. Para a nossa sorte, Badi agora está em solo brazuca e, assim, é possível mimá-la de todas formas para que, dessa vez, ela não volte mais para longe e fique por aqui.

* Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos toucinhos do céu, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha