Ausência de personagens negros em ‘’O Segundo Sol’’ é assunto comentado pelo elenco durante festa de lançamento da novela no Circo Voador: “É um tema pra ser muito discutido na base do nosso país”, diz Adriana Esteves


Elenco discute polêmica gerada nas redes sociais devido à ausência de atores negros na trama que se passa na Bahia, estado com 80% da população composta por pardos e negros

A festa de lançamento da novela ‘’O Segundo Sol’’, que ocorreu na última terça-feira, 8, no Circo Voador foi um sucesso. Porém, alegria e comemoração à parte, o folhetim, que estreia na próxima segunda-feira, 14, foi assunto mais do que comentado nas redes devido à polêmica ausência de negros na trama já que a história é retratada na Bahia, estado brasileiro cujo 80% da população é parda e negra. Durante o evento, o elenco foi questionado sobre o assunto e as respostas foram praticamente unânimes: a crítica é válida e necessária.

‘’Eu acho bom esse movimento, é um alerta. A gente tem uma ligação muito grande com a etnia negra. E eu sei que a luta deles é diária para eles ficarem em um plano de igualdade’’, disse a atriz Arlete Salles, que interpreta a mãezona Naná Falcão na trama. Salles ainda completou dizendo que João Emanuel Carneiro, escritor do folhetim, tem uma ligação muito forte com o assunto e que tenta sempre oferecer esse espaço em suas produções, como foi o caso do personagem Foguinho, interpretado por Lázaro Ramos em Cobras e Lagartos, e da personagem Preta, interpretada por Taís Araújo em Da Cor do Pecado, tornando-se a primeira atriz negra a ser protagonista na televisão.  Em ‘’O Segundo Sol’’, essa responsabilidade ficou por conta de três atores negros, entre eles Fabrício Boliveira, que vai interpretar Roberval, motorista da família Severo Athayde e filho de um milionário com uma empregada.

Fabrício Boliveira caracterizado como Roberval. (Foto: João Miguel Jr/TV Globo)

Apesar do escritor possuir um histórico de inserção de negros nas novelas que produz, nem todos os contemporâneos de profissão seguem o mesmo exemplo, ratificando o fato de que ainda há um longo caminho a se percorrer na teledramaturgia brasileira. Os negros, geralmente, são majoritários quando o tema da novela é escravidão, reforçando estereótipos negativos da sociedade. Para a atriz Luísa Arraes, que interpreta Manu, filha de Luzia, personagem da Giovana Antonelli, esse questionamento pode ser um ponto de mudança para a televisão. ‘’Não é um problema só dessa novela, é um problema de toda a televisão. É assunto diário nosso. Então, acho excelente e torço para que isso seja mais um ponto de mudança, né?’’, comenta. Arraes, que participou recentemente de Mister Brau, série da globo que é referência de representatividade negra nas telinhas, ainda completou esperançosa que a falta de negros numa produção ou a morte de Marielle Franco, uma vereadora que lutava pela causa e foi brutalmente assassinada em março, não são situações para serem esquecidas, mas sim cada vez mais reivindicadas.

Taís Araújo e Lázaro Ramos como os personagens, respectivamente, Michelle e Mister Brau. (Foto: Divulgação)

Outro caso também foi lembrado pela atriz Letícia Colin, intérprete da prostituta Rosa, durante o lançamento: o assassinato que ocorreu na madrugada do último sábado, 28, no morro do 18 na zona norte do Rio, pelas mãos de traficante da estudante não-binária de Artes Cênicas Matheusa. Para a atriz, essas exigências que surgem como consequências de casos como a falta de representatividade negra e violência contra essas minorias estão sendo feitas em um momento muito propício. ‘’ A gente sabe que a violência mata. A violência oprime, estupra e adoece. A gente tem que exigir mais mesmo, pegar no pé mesmo. Eu acho que tá certíssimo. Eu apoio demais e vejo isso como um grito. Esse é o momento, um espaço para isso está aberto e as coisas podem mudar’’, disse.

Luís Lobianco em cena como a mulher transexual Gisberta. (Foto: Divulgação)

Assim como Letícia, Luís Lobianco, que faz parte do núcleo da família Falcão como o cômico Clovis, acredita que essa é a hora para se lutar pela representatividade. ‘’Eu acho que representatividade é uma das palavras do momento. A gente tem que parar para pensar nisso e fazer uma reflexão muito séria sobre tudo o que tem acontecido’’, refletiu. Apesar de ser integrante da comunidade LGBT e ativista assumido pelas causas da comunidade, Lobianco também já foi alvo de críticas por falta de representatividade quando interpretou Gisberta, uma mulher transexual que foi assassinada em Portugal, em um monólogo. No entanto, apesar das críticas, o ator vai continuar utilizando sua arte como forma de lutar pelos direitos dos LGBTs e afirma que o teatro é um espaço mais fácil para mudanças do que a televisão. ‘’Tanto na minha peça quanto na novela o ponto de partida é muito parecido. As pessoas querem se ver na arte. Só que na novela eu estou inserido no contexto de uma grande empresa e ela tem um pensamento dela, que está mudando. Há muita disposição da Globo sobre isso pra mudar e tem a gente que está ali falando ‘’ó, nós também queremos promover essa mudança’’’’, comentou.

Vista como uma empresa conservadora, essa não foi a primeira vez que a Globo recebeu críticas por falta de representatividade de algum povo ou comunidade. Em 2016, durante a exibição de O Sol Nascente, novela que focava na cultura japonesa, a empresa foi criticada por não ter a presença de atores com origem nipônica. Entretanto, dessa vez, Globo surpreendeu ao assumir que, realmente, havia uma ausência de negros. ‘’Foi colocado que, de fato, ainda temos uma representatividade menor do que gostaríamos e vamos trabalhar para evoluir com essa questão”, comentou a emissora em nota divulgada pela assessoria. Após discussões entre os colaboradores sobre a polêmica, Globo também prometeu mudanças na trama. Segundo a atriz Letícia Colin, as críticas tiveram efeito e o resultado vai poder ser visto no decorrer da novela. ‘’Eu estive na Bahia e eu frequento lá, então a gente sabe que o cenário lá é negro. A gente vai ver isso na novela também. Isso foi considerado por eles e eu acho que daqui pra frente, cada vez mais, as cenas vão ter bastante isso. Está muito lindo de se ver’’, contou.

Adriana Esteves caracterizada como Laureta. (Foto: TV Globo/João Miguel Jr.)

As críticas perante essa polêmica em um dos maiores veículos de comunicação e de produção artística do mundo, a televisão, só reforçou a importância da arte em uma conjuntura social que está necessitada de mudanças. Para a atriz Adriana Esteves, que vai levar para as telinhas a trajetória da vilã Laureta, a arte, num contexto geral, tem a força capaz de gerar o debate e a ação coletiva. ‘’A arte gera discussão. Estamos em um momento muito interessante no qual muitos aspectos estão fazendo estimular o debate. Está todo mundo mais ativo, nós estamos saindo da zona de conforto. É muito bom ver que não são poucas pessoas que se mexem para obter algum resultado. Estamos chegando em um momento que a gente se mexe individualmente e se associa a um coletivo e luta por uma causa’’, afirmou. Esteves, assim como outros integrantes do elenco, espera ver essa pauta sendo discutida em outras esferas da sociedade. ‘’Eu adoro que isso é pauta de uma pergunta, de uma coletiva de uma novela. Isso tem quer ser debate nas escolas particulares, é preciso olhar a quantidade de crianças negras ali, observar as oportunidades que elas estão tendo. É um assunto pra ser muito discutido na base do nosso país’’, completou.

Assim como os atores, os espectadores esperam que a mudança seja feita o mais rápido possível e que a Globo perceba que não basta apenas contratar cantores negros para comandar a festa de lançamento, na qual teve apresentação de Carlinhos Brown, Timbalada e Margareth Menezes nesta terça-feira, 8, no Circo Voador. É preciso ‘’ elevar essa discussão para que isso seja tratado com mais seriedade em todas as novelas, em todas as series, em todos os lugares. Todo mundo tem que ocupar tudo’’, como disse a intérprete de Cacau, Fabíula Nascimento. A gente assina embaixo!