A saga de Agnaldo Timóteo em sua luta pela vida, da UPA de Barreiras (BA) ao Hospital das Clínicas, em São Paulo


Filho “do coração” do cantor, Cícero Ezequiel Rodrigues Teixeira diz que o artista está lúcido, respira sem aparelhos, mas frisa: ‘Meu pai está contando com a ajuda de Deus’

*Com Jeff Lessa

O cantor Agnaldo Timóteo continua internado no Hospital das Clínicas, em São Paulo, em isolamento, mas já está consciente e respira sem aparelhos. Timóteo, de 82 anos, sofreu um acidente vascular cerebral na tarde de 20 de maio, quando foi levado para uma UPA na cidade de Barreiras, no oeste da Bahia, a 883 quilômetros de Salvador. De lá, foi transferido para o Hospital Geral Roberto Santos, na capital baiana. Na manhã do último sábado (dia 8) foi, finalmente, conduzido ao Hospital das Clínicas, em São Paulo.

O périplo do cantor entre instituições mostra a vulnerabilidade a que está exposto o artista popular no Brasil. Remanescente de uma geração que se doou por completo à carreira e acreditava nas instituições públicas, Timóteo hoje não conta com plano de saúde, por exemplo. A informação é de um dos “filhos do coração” Cícero Ezequiel Teixeira Rodrigues. “Agnaldo está contando com a ajuda de Deus”, afirma.

Com a internação do artista, a turnê do show “Obrigado, Cauby” foi cancelada no Rio, Pernambuco, Rio Grande do Norte.

Infelizmente, como tantos outros artistas, ele é vítima de nossa capacidade de encaixar pessoas em nichos estanques, como compartimentos nos quais abafamos o brilho próprio de cada um. Ao rotular, anulamos suas sensibilidades, negamos-lhes a alma. Ao longo da carreira, foi chamado de brega pela crítica especializada, que também implicava com seus ídolos máximos (Angela Maria, Agnaldo Rayol e Moacyr Franco) e sempre teimou em não reconhecer o valor da potência de sua voz e sua capacidade de mobilizar as massas como qualidades significativas.

As críticas reducionistas e pretensiosamente sofisticadas dão o toque final, chegando a enterrar carreiras e sufocar talentos. Felizmente, a sabedoria popular faz justiça a seus ídolos: no final das contas, é o que realmente importa. O artista tem a medida do amor de seus admiradores.

Com mais de 50 anos de carreira, Agnaldo Timóteo está na ativa desde os anos 1950, quando costumava se apresentar em programas de calouros em sua Caratinga natal e outras cidades do interior mineiro, enquanto trabalhava em oficinas mecânicas. Foi nessa época que se mudou para Belo Horizonte, em busca de oportunidade como cantor. Na capital das Gerais, chegou a ser conhecido como Cauby Mineiro. O lado bom disso era ser convidado pelas rádios locais a se passar pelo ídolo Cauby Peixoto (1931-2016) que, muito ocupado, não dava conta de atender a todos os convites que lhe eram feitos. Não tinha Cauby, a gente ia de Agnaldo. A fada-madrinha foi a cantora Angela Maria (1929-2018), que o aconselhou a mudar-se para o Rio de Janeiro, onde teria mais chances de realizar seu sonho.

Com Cauby Peixoto, por quem tinha enorme admiração, na festa do Festival do Rio de 2013

O jovem sonhador seguiu o conselho da Rainha do Rádio e tornou-se seu motorista: Angela tinha carro, mas não sabia dirigir… Por indicação da patroa, gravou seu primeiro disco em 1961, um 78 rotações para o selo Caravelle. Quatro anos depois, defendeu a balada “The house of the rising sun”, do grupo britânico The Animals, no programa “Rio Hit Parade”, da TV Rio. Ao ganhar todos os prêmios do programa, conquistou o público jovem e foi contratado pelo selo EMI Odeon. Foi o começo de sua fase “querido da juventude”.

Com Angela Maria, de quem foi fã e motorista antes de se tornar grande amigo

O divisor de águas na carreira foi o álbum “Obrigado, Querida”, de 1967. A faixa “Meu Grito”, de Roberto Carlos, estourou e tornou-se primeiro lugar nas rádios de todo o país. Segundo o próprio cantor, a canção consolidou sua carreira, que atravessava um momento crucial, em que precisava de um sucesso original, distante das versões de músicas estrangeiras com que se tornara conhecido:

“Já não durmo

Morro até só em pensar
E se canto
Só o seu nome quero gritar
Mas se eu grito todo mundo
De repente vai saber
Que eu morro de saudade
E de amor por você”

Os Brutos Também Amam”, álbum de 1972, marca o começo de uma nova fase na carreira. Com ele Timóteo deu um basta na linguagem juvenil com a qual era identificado e adotou a linha romântica que o marcaria para sempre. A música que dá título ao álbum, de Roberto e Erasmo Carlos, demonstra o amadurecimento pessoal e musical do artista. No lugar das versões para hits estrangeiros, Timóteo passa a registrar, em trabalhos inéditos, as dores e glórias do amor.

Discretíssimo em relação à sua vida amorosa e sexual, o cantor surpreendeu meio mundo ao lançar sua primeira composição própria, “A Galeria do Amor”, em 1975. A letra falava de incursões noturnas à Galeria Alaska, célebre reduto de boates em Copacabana:

“Na galeria do amor é assim
Muita gente a procura de gente
A galeria do amor é assim
Um lugar de emoções diferentes
Onde gente que é gente se
Entende
Onde pode se amar livremente”

Para o jornalista, compositor e crítico musical Nelson Motta, “A Galeria do Amor” tem um grande valor na música brasileira e foi uma das mais importantes contribuições ao chamado estilo brega. Em 1978, porém, Timóteo lança “Eu, Pecador”:

“Senhor, eu sou pecador
e venho confessar porque pequei
Senhor, foi tudo por amor
Foi tudo por loucura
mas eu gostei”

Timóteo tem quatro filhos do “coração”: Cícero Ezequiel Rodrigues Teixeira, Marcelo e Marcos Vasconcelos e Kate Evelyn. “Somos todos filhos ‘do coração’, revela Cícero. “A Kate Evelyn, Agnaldo conheceu quando já estava na política. A menina largou a mão da mãe e correu para ele. Timóteo disse que tinha que ser sua filha”.

A trajetória de Agnaldo Timóteo e seu valor como artista teve reconhecimento com o documentário “Eu, Pecador”, dirigido por Nelson Hoineff e lançado no Festival do Rio de 2017.

O filme, que tem título homônimo ao da canção do final dos anos 70, conta a história do homem que fez carreira como cantor e, em seguida, se jogou na política. As filmagens aconteceram em 2016, durante sua campanha eleitoral para vereador no Rio. Um episódio de 2011, quando participou do programa “Superpop”, da Rede TV, revela um pouco da alma do cantor. Na ocasião, o colunista Felipeh Campos disse que ambos eram homossexuais assumidos. Fiel ao seu estilo, o músico respondeu: “Não, não. Não sou não. Nem assumido, nem desassumido. Apenas Agnaldo Timóteo”.

Pois é, não há como limitar um ser tão múltiplo através de rótulos e definições. Nelson Hoineff costuma dizer que passar um ano ao lado dele o ajudou a entender tantas contradições. “Ele pode elogiar o Lula ou o Maluf numa semana e, na outra, fazer críticas pesadas aos dois. Não é personagem. Esse é ele mesmo. Contraditório e interessante”.

A gente não podia concordar mais.