Uma viagem pela história de Trancoso na exposição “Espelho da Maravilha”. Nosso guia? Ninguém menos que o próprio fotógrafo, João Farkas. Vem!


A exposição “Trancoso: Espelho da Maravilha”, do fotógrafo João Farkas, está em cartaz na Casa das Festas, no Quadrado. O objetivo? “Queremos que a geração nova possa ter orgulho e reconheça a cultura local, além de alertar os turistas que vêm aqui para a beleza e a magia. As pessoas vêm aqui para uma farra, mas esquecem até de olhar o céu. A gente têm muito a aprender. A população ficou minoritária. Você encontra restos da original”

HT jantava no Quadrado, o perímetro mais hot, hot, hot da Vila de Trancoso, no litoral sul da Bahia, e conversava sobre dois dos assuntos do momento por lá: o festival Música em Trancoso – do qual havíamos acabado de retornar – e a exposição Trancoso: Espelho da Maravilha”, do fotógrafo João Farkas. Até aquele instante, o que chegava ao nosso ouvido era que tratava-se de uma exposição de fotos que enaltecia o local e que viria a ser o primeiro memorial do distrito baiano. No mais, algumas pitadas de emoção pareciam sempre sair da Casa das Festas, no mesmo Quadrado, onde as fotos estavam abrigadas, com a visita de moradores antigos. Por força maior (estamos na Bahia de Todos os Santos, afinal), quis o destino que encontrássemos com João Farkas, tímido como de costume, saracoteando bem ao nosso lado. Resultado? No maior estilo pega na nossa mãe e vem, o próprio conceituado fotógrafo atravessou Quadrado afora, naquele escuro (não há postes com energia elétrica por ali), e serviu, ele mesmo, de guia para a reportagem. O que, convenhamos, não acontece todo dia por aí. Partiu?

João Farkas posa no Quadrado, em Trancoso (Foto: DIvulgação)

João Farkas posa no Quadrado, em Trancoso (Foto: DIvulgação)

Para começo de conversa, a chegada de João Farkas em Trancoso, lá na década de 70, não foi das melhores. De bicicleta, numa estradinha sofrida, sofrida, bem inferior às piores vicinais que se têm hoje na Bahia, ele teve sua chegada um pouco tardia porque a bike…quebrou. Se a impressão inicial foi afetada? Ai, ai. “Os moradores recebiam a gente com olhares ingênuos, puros. Aqui era um vilarejo esquecido, mas parecia a visão do paraíso. Trancoso era um sonho natural, uma utopia. Eu pensava: ‘Isso aqui não existe. Vai acabar’. No começo, eu vinha sem máquina e acabei comprando uma terrinha”, nos conta. E por quê não ficava? “Me alertaram que, com o tempo, os filmes das fotos derretiam (por motivos climáticos, naturais). Se eu morasse aqui, não teríamos essa exposição”, explicou. “Trancoso: Espelho da Maravilha” reúne 27 fotografias – clicadas entre 1977 e 1993 – impressas sobre alumínio de alta permanência (o material foi doado para a construção de um Memorial do Povo, da Paisagem e da Cultura de Trancoso). Retratados, estão a construção de casinhas de barro, a subsistência pela pesca, o lazer por meio da natureza, o cenário que mais parece pintura e a vida social – pacata, mais merecedora de estudo antropológico.

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A ideia, segundo Farkas, é “resgatar a história”: “Queremos que a geração nova possa ter orgulho e reconheça a cultura local, além de alertar os turistas que vêm aqui para a beleza e a magia. As pessoas vêm aqui para uma farra, mas esquecem até de olhar o céu. A gente têm muito a aprender. A população ficou minoritária. Você encontra restos da original”. E Farkas tem razão. Trancoso virou hype. As aristocracias paulistana e mineira (e não só) batem ponto – via aeroporto de Porto Seguro – direto por lá. Muitos restaurantes, ao invés de apostar na culinária local, sucumbiu à gourmetização e o Quadrado, que ainda é de chão batido, abriga, ironicamente, filiais de lojas de grifes como Osklen e Martha Medeiros. O que os nativos acham disso tudo? “No começo, eles achavam engraçado. Eles são positivos, saudosistas. Pensam: ‘Opa, agora tem trabalho’. O problema são os males da civilização moderna, como o álcool e as drogas”, destaca, ponderando: “Por outro lado, Trancoso é forte. Sobrevive. Não entra carro no Quadrado, não têm postes de energia elétrica, fiações, e a costa foi tombada”. Farkas, que é responsável, em casos, pelos únicos registros imortais que muitos moradores de Trancoso têm de toda uma vida, agora, em ritmo mais desacelerado, começou a fotografar “as novas gerações”.

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A exposição, que fica até o dia 31 de março no Quadrado (depois ela segue no dia 14 de abril para a Galeria Paulo Darzé em Salvador, devendo depois se apresentar em São Paulo e Rio de Janeiro), já coleciona histórias. Logo nos primeiros dias que a Casa das Festas foi aberta com a mostra, um painel com várias fotos em tamanho menor foi posicionado à frente da casa; sendo posteriormente roubado. A população, revoltada, fez que tanto fez, que o tal painel reapareceu, logo ao amanhecer, no mesmo local. Além disso, não é difícil encontrar um morador mais antigo chorando por lá ao ver os registros. Muitos se veem em uma foto pela primeira vez, enquanto outros identificam amigos – vivos ou falecidos -, ou até mesmo se espantam ao se acharem. Lágrimas, nem precisamos falar, caem aos montes. No mais, vale citar que exposição ocorre simultaneamente ao lançamento da reedição do livro Nativos e Biribandos”, de Fernanda Manga Rosa Nogueira e Cristina Agostinho. Na obra estão mais de 200 fotografias, em sua maioria de João Farkas, além de ilustrações e documentos. Assim como a exposição, também documenta a vida das famílias que habitavam o vilarejo de Trancoso e o seu contato com os forasteiros que chegaram e se estabeleceram a partir de 1970.

Em tempo: ainda em 2016, João Farkas irá lançar um novo livro sobre Trancoso pela Editora Madalena em co-edição com Editora Cobogó,  com projeto gráfico de Kiko Farkas e textos de Walter Firmo e Antônio Risério.

*O jornalista viajou a convite do festival Música em Trancoso