Último reduto da derradeira rainha-viúva, construção que é jóia rara do romantismo volta à moda em Portugal


O Palácio da Pena, sofisticado lugar onde a nobreza se refugiava do verão claudicante, é o lugar mais visitado do país no último ano, despertando ciumeira local

* Por Bruno Muratori

Basta pensar em Europa e logo vêm à mente épicas histórias do velho mundo: reis e rainhas do passado, castelos deslumbrantes e aquelas disputas medievais ou renascentistas por territórios, já que, de praxe, não havia muito que fazer naqueles tempos para apimentar a vida, a não ser decidir entre duas coisas: “Casamos entre nós ou entramos em guerra?” Bom, nessa levada de história da carochinha verdadeira, Portugal possui um dos palácios que melhor representa a expressão do romantismo arquitetônico do século XIX. Aliás, o primeiro palácio nesse estilo da Europa. O Palácio da Pena, este impressionante e surreal edifício, volta agora à moda e, segundo dados, é o lugar de maior visitação neste último ano, superando pontos históricos emblemáticos, motivo que tem causado certo burburinho no país.

A construção foi uma das principais residências da corte portuguesa durante o século XIX, situado na belíssima serra de Sintra e erguido cerca de 30 anos antes do carismático Castelo de Neuschwanstein, na Baviera, este servindo de inspiração ao “Castelo da Bela Adormecida”, símbolo maior dos estúdios Disney e de todos os contos de fada. Para quem acredita que os portugueses são devagar e quase parando, esta é uma prova de que, pelo menos naquela época, eles não brincavam em serviço e, quando queriam, saíam na vanguarda.  

Antes de sua construção, a paisagem da serra de Sintra e as ruínas do antigo convento já maravilhavam o rei-consorte Fernando II, que as adquiriu em 1838. Nada simples, mas chegado a certas faraonices, o rei promoveu diversas obras de restauro com o intuito de fazer do edifício sua futura residência de verão. Coisa típica de monarquia, afinal, eles adoravam fugir do calor pra não abdicar dos arminhos e veludos, vide a monarquia brasuca subindo a serra de Petrópolis para fugir dos “quintos dos infernos!”

Em Sintra, o trabalho de recuperação foi bem rápido – muito mais ágil que o atual tititi causado por qualquer expansão de metrô carioca ou derrubada da Perimetral – e, em 1847, a majestosa obra já estava quase concluída, segundo o projeto original do barão alemão Von Eschwege, arquiteto amador, mas responsável por intervenções decisivas no detalhamento. Muitos dos pormenores, entretanto, acabaram ficando a cargo do exótico temperamento do monarca português que, a par de arcos ogivais, torres de sugestão medieval e elementos de inspiração árabe, desenhou e fez reproduzir, na fachada norte do palácio, uma imitação do Convento de Cristo em Tomar, cidade portuguesa do distrito de Santarém. Sim, não é de hoje que português adora fazer uma saladinha arquitetônica, e não se fala aqui das casas tijucanas, no Rio, com varandas cheias de volutas, guarda-corpos, galos típicos e paineis de azulejos. O tal convento, aliás, é local lindíssimo, classificado pela UNESCO como Património Mundial e, fundado em 1160, pertenceu à Ordem dos Templários, antes desta cair em desgraça junto ao Papado. Não é difícil imaginar, portanto, que tenha servido também de inspiração.

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Mas o Palácio da Pena também já foi cenário de eventos conturbados, perfeitos para figurar em roteiros cinematográficos. Muitos anos depois de sua construção, ele foi palco do ultimo suspiro da monarquia em Portugal, com estes acontecimentos dignos de cinema incendiando aqueles dias. Com a situação política bombando no país desde o regicídio de 1 de Fevereiro de 1908 – fato ocorrido em Lisboa que marcou profundamente a história de Portugal, com o duplo assassinato do rei Dom Carlos e do seu filho e herdeiro, o príncipe Dom Luís Filipe, fim da última tentativa séria de reforma da monarquia Constitucional – a rainha-viúva Dona Amelia, dura na queda, enfrentou os assassinos “mano a mano”. Há relatos que afirmam que ela caiu dentro, batendo com seu guarda-chuva nos culpados, mostrando que era boa de muque, mas, após esta prova de voluntariedade, ela preferiu se refugiar no palácio, rodeada de damas da corte e dos fieis cães de estimação, enquanto a coisa pegava fogo lá fora. Quando finalmente estourou a revolta de 4 de Outubro, em 1910, a rainha aguardou, dentro da tranquilidade da Pena, o evoluir da situação, volta e meia subindo com a sua comitiva nos terraços para fuxicar sinais dos combates em Lisboa, que podia ser vista à distância. No dia seguinte, partiu ao encontro de Dom Manuel, seu filho mais novo, em Mafra, voltando nesta mesma tarde ao Palácio da Pena, onde passou a noite de 4 para 5 de outubro, a última que passou em Portugal antes da definitiva queda da monarquia. No dia seguinte, já com a República instalada, a rainha dura na queda partiu de novo para Mafra, ao encontro do filho e da sogra, de onde todos foram chorar mágoas no exílio. Com a implantação da República Portuguesa, o palácio foi convertido em museu, com a designação oficial de Palácio Nacional da Pena e, já em 1945, a rainha deposta, de visita a Portugal, voltou ao local, onde pediu para estar sozinha durante alguns minutos: era o seu lugar predileto, uma maravilha.

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Mas não foi só Dona Amelia que evocava a beleza do Palácio da Pena. Considerado hoje uma das sete maravilhas de Portugal, foi, neste último ano, o monumento mais visitado do país, voltando a estar no centro das atenções. A informação foi divulgada pelo Parques de Sintra – Monte da Lua (PSML), empresa encarregada de gerir o monumento e, ultimamente, esta informação tem causado rebuliço na terrinha, com autoridades responsáveis por outros símbolos do país em ciumenta polvorosa. De acordo com o documento, o local registrou 787 mil visitas em 2013, ultrapassando, assim, o número de visitantes do Mosteiro dos Jerónimos e da Torre de Belém, que se cifram, respectivamente, em 722 mil e 537 mil entradas, segundo os números divulgados pela Direcção Geral do Património Cultural. Bafo regional com sabor de barriga de freira.

Como atração imprescindível, quem pensa em visitá-lo não pode deixar de ir ao Salão Nobre do Palácio, finalmente restaurado por completo. Mais belo e novinho em folha, pronto para ser degustado pelos olhos dos visitantes. Dentro do palácio, há várias divisões decoradas, como os salões e os quartos reais, tal como eram há dois séculos atrás. Infelizmente, não é permitido tirar fotografias. Mas, por outro lado, há muitos lugares a partir dos quais se pode observar o visual fantástico de Sintra e seus arredores, com destaque para seus jardins, outro cartão de visitas do lugar. Imperdível! 

*Carioca da gema e produtor de eventos, Bruno Muratori é uma espécie de fênix pronta a se reinventar dia após dia. No meio da década passada, cansou da vida de ator e migrou para a Europa, onde foi estudar jornalismo. Tendo a França como ponto de partida, acabou parando na terra do fado, onde se deslumbrou com a incrível luz de Lisboa e com o paladar dos famosos pasteis de Belém, um vício. Agora, de volta ao Rio, faz a exata ponte entre o pastel de Belém e a manjubinha.