Carta secreta de Mário de Andrade cita sua homossexualidade : “se saio com alguém é porque esse alguém me convida”


A Fundação Casa de Rui Barbosa revelou o conteúdo do texto enviado ao amigo Manuel Bandeira. Nas linhas, o escritor fala: “em que podia ajuntar em melhoria para você ou para mim, comentarmos que eu elucidar você sobre minha tão falada homossexualidade?”

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Mário de Andrade em uma dos poucos registros (Foto: Reprodução)

Se havia uma forte amizade no ramo da literatura era a de Mário de Andrade com Manuel Bandeira. Tanto que ambos trocavam inúmeras cartas, algumas com conteúdos misteriosos até hoje. Até hoje. Nesta quinta-feira (18), a Fundação Casa de Rui Barbosa, no bairro de Botafogo, no Rio de Janeiro, amanheceu fazendo barulho. A tal última correspondência guardada a sete chaves foi revelada, e com ela, o motivo de tanto mistério: Mário comenta sobre sua possível homossexualidade, boato que corria em todas as vielas do Rio antigo.

Mesmo ele tendo despertado a dúvida de muitos, Mário nunca admitira publicamente sua orientação suexual. O ponto mais alto da polêmica foi com o conto “Frederico Paciência”, onde o narrador, Juca, lembra de sua amizade na adolescência com Frederico Paciência, uma relação marcada por tesão e com pitadas eróticas. Em algumas escolas, o texto é usado para debater a homofobia com os alunos, para se ter uma ideia.

Pois bem. Na longa carta, ele se divide entre trechos mais complexos, e outros de maior lucidez.  “Mas em que podia ajuntar em grandeza ou melhoria para nós ambos, para você ou para mim, comentarmos que eu elucidar você sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Valia de alguma coisa eu mostrar o muito de exagero que há nessas contínuas conversas sociais?”, diz.

Mas ele prossegue, depois, de forma mais clara. “Mas se agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discrição social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua (veja como eu tenho a vida mais regulada que máquina de precisão). E se saio com alguém é porque esse alguém me convida (…)”, deixou no ar o escritor.

Registro em P&B de Manuel Bandeira, já no fim da vida (Foto: Reprodução)

Registro em P&B de Manuel Bandeira, que recebeu a tal carta polêmica Foto: Reprodução)

A ordem para divulgar a carta, mantida em sigilo desde 1978 e doada pela família de Mário a fundação, partiu do Planalto Central após pedido do jornalista Marcelo Bortoloti. A Controladoria-Geral da União (CGU), após processo com base na Lei de Acesso à Informação, julgou o conteúdo de livre acesso. Tanto que, a partir de agora, qualquer brasileiro pode dar uma olhadinha na tal carta. Para tanto, basta fazer um agendamento pelo e-mail [email protected].

E a propósito, Manuel Bandeira vai voltar a tomar as prateleiras das livrarias. Mas não com uma obra ainda não lançada, e sim com uma biografia. Explicamos: em novembro de 2006, a família de Bandeira barrou a circulação de uma biografia assinada por Paulo Polzonoff Jr. por incômodo com o teor da publicação. À época, eles  reclamaram que a obra fazia associação de Bandeira à boemia e ao uso de cocaína. Mas agora, nove anos depois, o texto chegará finalmente às livrarias. A decisão aconteceu quase que simultaneamente a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), no dia último dia 10, de impedir a autorização prévia de biografias. Agora, obras poderão ser escritas e veiculadas sem necessidade de aval algum, de quem quer se seja.