Mary del Priore convida Bela Gil para um bate-papo sobre culinária no lançamento do livro “Histórias da Gente Brasileira Volume 2: Império”


O projeto, que transita deliciosamente pela história do país através da cozinha, arquitetura e costumes da população daquela época, é o primeiro de uma coletânea que vai traçar um perfil cronológico em solo verde e amarelo mostrando tudo o que cada etapa teve de melhor e de pior

Um Brasil que ficou esquecido no passado e precisa ser redescoberto pelos próprios brasileiros! A escritora e pesquisadora Mary del Priore convidou a nutricionista e apresentadora queridinha do GNT, Bela Gil, para um bate-papo super descontraído, no Teatro Clara Nunes, na Gávea, com a intenção de debater os temas presentes nos capítulos de seu mais recente livro “Histórias da Gente Brasileira Volume 2: Império”. O projeto, que transita deliciosamente pela história do país através da cozinha, arquitetura e costumes da população daquela época, é o segundo exemplar de uma coletânea que traça um perfil cronológico em solo verde e amarelo mostrando tudo o que cada etapa teve de melhor e de pior. Mas pode esquecer os discursos didáticos e em formato de enciclopédia. Mary propõe uma conversa aberta com o leitor de forma leve, divertida e, claro, muito informativa.

Mary del priore e Bela Gil (Foto: Murillo Tinoco)

Mary del priore e Bela Gil (Foto: Murillo Tinoco)

“É uma história do Brasil, como diz o Rei Roberto Carlos, através de muitas coisinhas miúdas. Eu falo de cozinha, decoração, indumentária, sexualidade e a maneira como as pessoas se relacionavam. É uma história contada a partir da vida privada e das pequenas coisas. Eu amo isso. É uma maneira de aproximar o leitor do passado, tratando de coisas que estão no dia a dia dele. É muito mais interessante a pessoa entender o que comiam os seus antepassados ou como eles eram comidos (risos), do que exatamente falar de problemas dramáticos de política e coisas e coisas estruturais de economia que afastam o leitor da história”, adiantou.

Após o sucesso do primeiro volume da série “Histórias da Gente Brasileira”, que abordou a era colonial, a autora carioca sana questões de como viviam os brasileiros na intimidade, no momento em que o país dava os primeiros passos para sua autonomia como nação – com uma sociedade em formação, abrigada sob o manto verde do café e manchada pela escravidão. Agora, durante a pesquisa, ela se surpreendeu ao deparar com histórias pouco contadas nas escolas. “O que de mais fascinante eu encontrei foi a mobilidade da classe C e D. Aqui no Brasil a gente cresceu ouvindo histórias de senhores e escravos. Eu encontrei uma multiplicidade enorme de documentos que mostravam escravos muito ricos, já libertos, desde o século XVIII, um progresso muito grande entre os negros libertos que se formavam em universidades. Eu cito sempre o exemplo do Barão de Guaraciaba, que começou tocando violino em enterros e acabou se tornando dono de sete fazendo no Vale do Paraíba. Se tornou um dos maiores importadores e exportadores que tivemos por aqui”, disse.

Mary del Priore, Bela Gil e a mediadora Leila Namoe (Foto: Murillo Tinoco)

Mary del Priore, Bela Gil e a mediadora Leila Namoe (Foto: Murillo Tinoco)

De acordo com a professora, o ensino regular estaria mais interessado em traçar um roteiro imerso em fatos mergulhados em movimentos institucionais. “Acho que essas histórias não estão tão disponíveis porque a faculdade tem a tendência de fazer trabalhos que procuram discutir questões mais ligadas a economia e a politica. Eu estou mais interessada na vida das pessoas. No ser-humano. Nessa coisa fantástica de carne e osso que somos nós”, ponderou.

Agora, quando se trata dos capítulos que falam de culinária, a escolha de Bela Gil para a conversa foi mais do que assertiva. No palco, as duas debateram a transformação da dieta do brasileiro através dos séculos. “A Bela abre um novo capítulo da nova culinária brasileira, no momento em que ela nos convida a pensar o que estamos ingerindo e fazer uma reflexão sobre a identidade da nossa mesa. As mudanças foram muitas. Do século XVIII, quando todo mundo era muito pobre e comia-se muito mal, para o século XIX, quando tivemos a influência da culinária francesa e inglesa até o seculo XX, com o gás de cozinha. No entanto, toda essa tecnologia acabou por afastar as pessoas da cozinha”, disse ela.

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Já a apresentadora do “Bela Cozinha”, ressaltou que a industrialização acabou por prejudicar a culinária de muitos povos e, principalmente a saúde dos indivíduos. “A gente precisa dar um passo para trás. Eu tento de uma maneira ou de outra resgatar essa biodiversidade que a gente tem no Brasil. Na alimentação, o caminho é a gente observar o nosso passado e entender o que os nosso avós, comiam, porque aquilo, sim, era comida diversificada. A globalização é perigosa, nesse aspecto. A comida industrializada precisa ser evitada, porque, claramente, trás inúmeros prejuízos à saúde”, alertou Bela Gil.

De uma forma geral, Mary del Priore fez uma balança para ressaltar o que de melhor podemos resgatar de nossos costumes do passado e os hábitos que, de fato, devem ficar para trás. “Eu acho que não podemos deixar para lá o sofrimento de uma parcela da população brasileira que passou muita fome durante muito tempo, fato que ainda acontece Brasil afora, e precisamos resgatar essa riqueza que é o Brasil, a nossa mestiçagem, culinária, pele, religião e valorizar cada vez mais tudo isso. Ter orgulho de nossa identidade”, comentou ela, que já segue na produção de mais dois títulos nessa mesma linha. “Tenho mais dois livros. O terceiro está praticamente pronto e trata da República Velha. Ele é todo construído em cima de memorialistas como Érico Veríssimo, Adalgisa Nery, Moacyr Scliar Thiago de Mello. Desta vez serão esses grandes escritores que vão contar a história do Brasil e não outros documentos”, adiantou.

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Agora, quando questionada sobre as dificuldade de ser uma escritora no país, ela foi taxativa. “Sobreviver disso é o maior desafio”, apontou, ressaltando ainda que dentro da literatura a mulher já conquistou há tempos o seu espaço, mas a luta por direitos iguais é constante. “Eu acho que as mulheres no Brasil, que são maioria na população, estão com seu lugar garantido. Nós vamos conseguir muito em breve essa igualdade salarial que é o que está faltando. Agora, a mulher também precisa respeitar a mulher. Fala-se muito sobre machismo, mas eu digo sempre que o fio condutor do machismo está nas mulheres que não deixam seus filhos fazerem as camas, protegem seus maridos que contam piadas sujas e não se manifestam quando estão verdadeiramente incomodadas”, completou.