Laercio Redondo propõe reflexão política atemporal com nova mostra sobre o Edifício Capanema


Através de instalações e fotografia fragmentadas, o artista reacende as críticas feitas durante o Estado Novo, perfeitamente cabíveis no contexto atual

*Por João Ker

A história se repete e nem é preciso viver muito tempo para ver isso acontecendo. As manifestações que agitaram o Brasil em junho passado são apenas um capítulo da história do país e, através de uma mostra repleta de metalinguagens no emblemático Palácio de Capanema, no Rio, o artista Laércio Redondo pretende mostrar ao público outros capítulos menos conhecidos dessa história. Através de um projeto audiovisual, instalações e fotos,  o prédio construído durante o Estado Novo ganha um olhar mais crítico do que aquele que os pedestres do Centro da cidade costumam ter.

Através de dispositivos criados em parceria com o arquiteto Birger Lipinski, Laércio espalha imagens fragmentadas que ele próprio tirou do lugar recentemente, intercaladas com imagens de seus detalhes estruturais, como bustos de Getúlio Vargas e do ex-Ministro da Educação Gustavo Capanema, a bandeira do Brasil e outros elementos que evocam os conceitos contraditórios por trás da criação do edifício. Há também uma ampliação fragmentada de um cartão postal da época, onde é possível ver um atleta posando em frente ao edifício e se inserindo como parte da ideologia de país avançado e “saudável” que era proposta pelo governo da época. No fundo do prédio, em letras de bronze garrafais, está exposta a frase “Na verdade, o Rio não existe ainda”, uma espécie de reclamação a favor do modernismo feita por Le Corbusier em visita à cidade durante o ano de 1936.

Palácio Capanema (Foto: Divulgação)

Palácio Capanema (Foto: Divulgação)

A veia inspiradora do trabalho de Laércio, ao relacionar memória e sociedade, lateja veemente com este trabalho. O momento é mais do que preciso: às vésperas de uma Copa do Mundo em uma cidade repleta de greves e fragilidades urbanas, críticas as contradições que cabiam ao período da Ditadura é significativo para compreender o momento atual. Até o tal postulado sobre o Rio não existir parece ter sido tirado de algum cartaz de uma hipotética manifestação realizada na semana passada. Afinal, obras e construções que deveriam  estar prontas a essa altura ainda não foram concluídas e, nesse meio tempo, setor atrás de setor ameça entrar em greve. É a arte imitando a vida ad eternum.

A grande contradição do Palácio de Copanema encerra-se no fato de que, apesar de ter sido construído como um dos símbolos do novo “modernismo” do Governo Vargas, todos os arquitetos, artistas plásticos e designers usados para erguer o prédio eram de ideologia esquerdista, totalmente contrários às ideias opressivas e apressadas daquele governo. E, quem sabe, até do atual, ainda que o de hoje se vanglorie do fato de ter sua origem na esquerda libertária de outrora.

E é isso que Redondo quer mostrar ao público. Pode até ser que, ao contrário do que diz a frase que estampa a parede do Edifício Capanema, O Rio de Janeiro já até exista. Mas se essa existência chega a satisfazer as necessidades da população e dos turistas é outra história.

O artista Laércio Redondo (Foto: Divulgação)

O artista Laércio Redondo (Foto: Divulgação)

SERVIÇO:

Galeria Silvia Cintra + box 4 – Rua das Acácias, 104, Gávea. De segunda a sexta-feira, das 10h às 19h. Sábado, das 12h às 19h. Tel: 2521-0426 www.silviacintra.com.br. De 16 de maio a 21 de junho (Vernissage: quinta-feira, 15 de maio, a partir de 19h)