“Falta de apoio para as artes é resultado direto de um país que não prioriza cultura”, diz Smael


O artista carioca completa 20 anos de carreira com sua street art e presenteia a cidade do Rio de Janeiro com um novo painel na Praia de São Conrado inspirado nos Mistérios do Fundo do Mar

Grafite comemorativo dos 20 anos de carreira de Smael, na Praia de São Conrado inspirado na série Mistérios do Fundo do Mar. (foto: divulgação)

*Por Rafael Moura

O carioca Smael está completando 20 anos de carreira. Depois de assinar painéis nas ruas de São Francisco, Nova York, Paris, Aix de Provence e Bali, Smael começa agora a “ocupar” as ruas do Rio de Janeiro com trabalhos inspirados na natureza da Cidade Maravilhosa. O artista concluiu um painel com mais de 100 metros na praia de São Conrado, que tem o fundo do mar do Rio como tema e vem chamando a atenção de cariocas e turistas. “A inspiração para o painel veio da série Mistérios do Fundo do Mar. Minha ligação com o mar é muito forte por causa do surfe e da natação. Na época em que criei os desenhos para este trabalho eu nadava sempre em Búzios. Uma experiência que ficou ainda mais interessante quando, há mais ou menos três anos, comecei a usar lentes de contato e a enxergar perfeitamente as cores e os elementos no fundo do mar. É uma série que nasceu a partir de experiências vividas no mar. Eu resolvi apresentar um pouco da minha relação com o mar. Essa foi a inspiração. Este trabalho, em São Conrado, é a representação de vários peixes e criaturas marinhas”, explica Smael.

O painel completo de Smael na Praia de São Conrado, Rio de Janeiro. (foto: divulgação)

“Sou sempre tão focado no trabalho e  nem percebi que estava completando 20 anos de carreira. Passo o tempo todo pensando no próximo tema, nos materiais que vou usar, criando, tendo novas ideias. É puro prazer pintar, me manter em atividade e trabalhar em projetos sociais. Nestas duas décadas vi muita gente, que começou comigo, parando de trabalhar”, conta o artista que tem obras em diversos pontos da Zona Sul do Rio, nas ruas Batista da Costa (Lagoa), Almirante Alexandrino e Rua do Aqueduto (Santa Teresa), Major Rubem Vaz (Gávea) e Alice (Laranjeiras) e na Praça Santos Dumont (Gávea), entre outras. Smael é um dos pioneiros do grafite no Brasil e comemora o sucesso da carreira com convites para exposições e trabalhos em países como França, Estados Unidos e Indonésia. No segundo semestre, o artista retorna à França, onde expõe regularmente, para a apresentação das novas obras.

Smael começou a grafitar em 1999, quando fundou e integrou o grupo Nação Crew, que incluía 12 grafiteiros da Zona Norte do Rio, se tornando um dos primeiros do Estado. O artista aprimorou o estilo nas ruas e, em 2003, foi um dos primeiros grafiteiro a fazer parte do cenário artístico nacional, quando foi contratado pela Galeria House Arte Contemporânea. Em 2004, começou a trabalhar para o mercado internacional a partir da galeria AbrahamArt, da Holanda. Depois foi a vez de Paris (2011 e 2013) e Estados Unidos, França e Indonésia. E, depois de passar por outras três galerias no Brasil, Smael montou a sua própria galeria, a Paçoca, na Gávea, tendo como sócia a artista plástica e DJ Luluta Alencar. Durante sua trajetória, destaque para as séries Seres Fantásticos, Circo, Bicicleta, Flower Power e Náufragos (com elementos encontrados nas praias). A opção de Smael é sempre pelo traço mais abstrato. A ideia, desde o início, foi abstrair os elementos do grafite, começando com personagens e depois as letras.

O artista carioca Smael que acaba de completar 20 anos de carreira posando com um carro customizado por ele (foto: divulgação)

Desde o início, Smael se notabiliza pela atenção com o social. Além de sempre atuar em comunidades e levar seu trabalho a pessoas que poderiam ser inspiradas e influenciadas, o artista deu aulas na Fundição Progresso, Circo Voador, Colônia Juliano Moreira e nos complexos da Maré e Alemão. A arte de rua traz uma forte carga transformadora e inclusiva. “É o que eu tento passar para os meus alunos em comunidades e em projetos sociais. Eu lembro sempre que eles podem crescer através da arte e da cultura. Eu mesmo sou um bom exemplo disso. E, recentemente, falei isso em sala de aula. Antes de começar a trabalhar com o grafite, quando ainda era um adolescente de 17 anos, descobri um mundo novo. É muito gratificante ser um dos pioneiros do grafite no Rio, ter tido a oportunidade de ver a base do movimento nascendo na cidade e vivenciando o reconhecimento. Foi muito motivador. E é isso que eu tento passar pra frente: o poder de transformação da arte”, conta feliz o mestre.

“Além disso, eu destaco a importância de ter foco. As coisas só dão certo para quem se entrega. Olhando pra trás, me lembro que, aos 20 e poucos anos, enquanto meus amigos saiam para se divertir, eu ficava trabalhando. E isso acontecia porque estava muito envolvido com o ateliê e com o meu crescimento no mercado da arte. Em várias oportunidades eu deixei de sair, viajar e encontrar com meus amigos para focar no trabalho. Foi uma decisão fundamental naquele momento. Eu tinha entre 20 e 30 anos, era jovem ainda, mas já tinha começado a trabalhar para galerias no Brasil e no exterior. Eu tinha em mente os compromissos firmados com galerias daqui e da Holanda. Um compromisso mensal de entregar uma produção bem elaborada. E, desde então, tenho buscado novos elementos para que as coisas sempre fluam porque isso tem muito a ver com foco”, ressalta o artista.

Sobre o momento atual das artes no Brasil, Smael comenta que sempre teve muita sorte desde o início de sua trajetória profissional. “E independentemente da situação do país e do valor dado à arte, eu já trabalhava no exterior. Como meu trabalho teve, desde o início, muita visibilidade, eu sempre contei com o suporte de galerias internacionais, algo fundamental para que conseguisse produzir e evoluir. A falta de apoio para as artes é resultado direto de um país que não prioriza a cultura. É muito difícil trabalhar com arte no Brasil. E no Rio de Janeiro é ainda mais complicado porque o mercado é pequeno”, frisa o artista.

Apesar de tudo, Smael é otimista e faz questão de ressaltar uma lado positivo para seus alunos. “Eu sempre conto as oportunidades que tive de viajar para outros países e mostrar o meu trabalho. E eu vejo o brilho nos olhos das crianças. É uma porta que abro para que eles tenham esperança e corram atrás de seus sonhos. Eu sempre ressalto que é preciso ter foco e determinação para que as coisas aconteçam, independentemente do pais. A arte é maior que tudo! Jamais vou deixar de ser artista porque a arte está dentro de mim e é a minha expressão máxima. Eu gosto muito de deixar as pessoas felizes a partir de um trabalho meu”, diz o artista dando uma injeção de confiança e autoestima.

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“A verdade é que estou sempre muito motivado e pensando em evoluir. Encaro o meu trabalho como uma missão: eu faço arte sem me preocupar onde ou para quem, se estou recebendo um pagamento ou não. O que importa é ter a oportunidade de me expressar e mostrar o que tenho de melhor. Enquanto eu tiver saúde e criatividade vou continuar presenteando a cidade com meus trabalhos e vou seguir em busca de novos elementos para incrementar ainda mais os meus grafites. Neste período, meu trabalho passou por muitas evoluções e revoluções, mas a base continua a mesma, ou seja, os seres lúdicos que criei e são voltados para a alegria. Sou uma pessoa feliz e é isso que quero transmitir para as pessoas”, conclui.