Fabiane Pereira entrevista Roberta Estrela D’Alva, curadora da Festa Literária das Periferias, no Rio: “Para se viver de qualquer coisa no Brasil é preciso persistência”


Paulista de Diadema, São Paulo, Roberta é uma das fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (primeira companhia de Teatro Hip Hop do Brasil) e do coletivo Frente 3 de Fevereiro (coletivo transdisciplinar que desenvolve ações simbólicas, produção de livros, documentários e investigações colaborativas sobre o racismo na sociedade brasileira). E também idealizadora do ZAP! – Zona autônoma da Palavra -, primeiro poetry slam brasileiro. No papo, ela contou um pouco sobre todos estes trabalhos e falou de feminismo, política e anseios das comunidades

*Por Fabiane Pereira

A quinta edição da Festa Literária das Periferias, a Flupp acontece entre os dias 08 e 13 de novembro no Rio de Janeiro e vai celebrar os 50 anos da Cidade de Deus com uma vasta programação gratuita. O grande foco deste ano será debater as minorias periféricas. Então, além de falar da população da favela no macro, a festa literária trará mesas que vão abordar especificamente os temas pertinentes às mulheres e aos LGBTs das periferias. Quem assina a curadoria desta edição, ao lado de Yasmin Thainá, é a atriz-MC, diretora musical e slammer, Roberta Estrela D’Alva e é ela quem entrevisto esta semana (prometo retornar com a literatura portuguesa na próxima terça) neste espaço.

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Paulista de Diadema, São Paulo, Roberta é uma das fundadora do Núcleo Bartolomeu de Depoimentos (primeira companhia de Teatro Hip Hop do Brasil) e do coletivo Frente 3 de Fevereiro (coletivo transdisciplinar que desenvolve ações simbólicas, produção de livros, documentários e investigações colaborativas sobre o racismo na sociedade brasileira). É idealizadora do ZAP! – Zona autônoma da Palavra -, primeiro poetry slam brasileiro. Em 2012, recebeu o prêmio Shell na categoria melhor atriz, por sua atuação no espetáculo “Orfeu Mestiço”, uma hip-hópera brasileira. Em novembro de 2014, publicou seu primeiro livro, “Teatro Hip-Hop”, a performance poética do ator-MC , pela editora Perspectiva.

Uma das favelas mais conhecidas do Rio de Janeiro, a Cidade de Deus – a famosa CDD – se prepara para receber mais de 50 autores, de 20 nacionalidades diferentes. Serão 100 horas de programação durante seis dias. Idealizada pelos escritores Ecio Salles e Julio Ludemir, a FLUPP ampliou sua programação e vai apresentar outras formas de narrativas. Para estimular o processo de formação de novos leitores e autores da periferia, a festa literária inclui na programação a literatura de cordel, o rap, o funk, a contação de histórias, o samba, entre outras manifestações culturais. Nesta edição, a FLUPP – que venceu o Prêmio Excellence Awards de melhor festa literária, conferido pela London Book Fair –, faz homenagem ao jornalista, dramaturgo e escritor gaúcho Caio Fernando Abreu , que morreu há exatos 20 anos.

Para ficar por dentro de toda a programação, só clicar aqui.

FP: Como a literatura entrou, profissionalmente, na sua vida?
RED: A literatura sempre esteve presente por meio da dramaturgia , porque eu sou atriz de formação. Então o caminho sempre foi transformar a literatura escrita em voz, em literatura  oral, que é um termo que tem pessoas que estranham até hoje. E também com a produção de textos e roteiros para teatro. Depois meu contato com a poesia mais profundamente por meio dos poetry slams , batalhas de poesia falada que existem no mundo todo e que junto com a minha cia, Núcleo Bartolomeu de Depoimentos , trouxemos para o Brasil. O caminho sempre foi do oral para o escrito. E em 2014 eu lancei o meu primeiro livro pela editora Perspectiva, o Teatro Hip-Hop, a performance poética do ator- MC , que conta a trajetória do hip-hop, da sua junção com o teatro pelo Núcleo Bartolomeu e de como foi a chegada do poetry slam no Brasil .

FP: Quando e como surgiu a FLUPP?
RED: Quem pode responder com muito mais propriedade a esta pergunta é o Écio Salles e o Julio Ludemir. O que posso dizer é do encontro da FLUPP  com o poetry slam e da criação do RIO POETRY SLAM , que é o primeiro slam internacional da América Latina e que partiu de uma provocação do Julio Ludemir , depois que nos conhecemos e apresentei pra ele esse universo. Nos conhecemos na FLIP e ele me convidou no ano seguinte para participar de uma das mesas da FLUPP, e então começou uma conversa sobre a realização de um campeonato dentro do Festival. E então decidimos realizar a empreitada  e no primeiro , que foi 2014, trouxemos  16 poetas internacionais. O sucesso foi tanto que, já em 2015, na segunda edição, resolvemos também realizer um campeonato com 16 poetas brasileiros. Neste ano a novidade será o Slam Colegial, que conta com poetas do ensino médio.

FP: Quais foram seus critérios de curadoria para a edição deste ano?
RED: Geralmente os slams pelo mundo são campeonatos que levam os campeões daquele ano para participarem. A  ideia do Rio Poetry Slam não é essa, mas um conceito curatorial que cria um “elenco”  diversificado de poetas de diferentes origens, de diferentes gerações e também dá oportunidade à audiência para ouvir grandes poemas e poetas não são mais ouvidos neste tipo de campeonato, porque eles não são “novidade” ou não estão mais no topo do circuito, que é muito volátil. Portanto, procurei equilibrar a presenças dos continentes, de gênero, de discursos, para que a diversidade fosse a grande estrela do festival .

FP: Como analisa o mercado literário brasileiro em um momento em que o governo federal avança com tantos retrocessos como a PEC 241?
RED: É complicado. Porque antes de discutir o tal “mercado literário” a gente tem que olhar pro Brasil, pra um país que tem taxas altíssimas de analfabetismo, onde as pessoas não leem e não são estimuladas a isso. O que eu tenho visto , dentro do mar de incertezas e de retrocesso, são pessoas se organizando, principalmente na periferia, e criando estratégias de escoar a produção local de  maneira independente, com divulgação independente e com um público próprio, que consome essa literatura. Acho que tem rolado um “nós por nós” importante pra que as coisas continuem caminhando .

FP: Na sua opinião, qual a importância de um evento literário da relevância da FLUPP acontecer dentro de uma das maiores favelas da América Latina?
RED: Seguindo a resposta da última pergunta, a importância de um evento literário como esse, num momento político tão complicado, é manter aceso e vivo mais um espaço de troca e convivência, onde muitos saberes e vivências estão concentrados e  dali podem ser espraiados. A FLUPP acaba sendo um ponto de conversão e expansão de conhecimentos e ideias .

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FP: Conta pra gente o que é o ZAP?
RED: ZAP! Zona Autônoma da Palavra é a primeira noite de “Poetry Slam” (campeonato de poesia) do Brasil. Acontece toda segunda quinta-feira do mês em SP. É um espaço dedicado à poesia falada, ágora livre, fresta no tempo onde a diversidade é convidada de honra e a celebração da palavra o principal objetivo. A cada encontro, pessoas das mais diferentes idades, profissões, visões de mundo, anseios e crenças reúnem-se para compartilhar palavras, ideias, experiências e pontos de vista. A noite começa com a projeção de filmes  às 19h. Em seguida  às 20h tem início o “Microfone Aberto”, onde podem ser declamadas (ou lidas) poesias e textos tanto autorais como de outros autores. Às 21h começa o jogo entre os poetas, o Slam! Qualquer pessoa pode participar tanto do “Microfone Aberto” quanto do “Slam”. É só chegar e se inscrever na hora
Regras do Slam:
1) Um poema (ou texto) por vez, devendo ser de autoria do poeta (podem ser lidos)
2) Sem acessórios, sem figurino, sem acompanhamento musical.
3) Os poemas devem ter no máximo 3 minutos (ou menos) mais 10 segundos de bônus. Após esse tempo a cada 10 segundos excedidos 1 ponto é descontado.
Um júri formado por cinco pessoas, sorteadas ou escolhidas na hora pelo apresentador (host/mc) entre o público, atribui uma nota após cada poema numa escala de 0.0 a 10.0, podendo haver notas quebradas (por ex:7,8 ou 9,6….). Além do conteúdo do texto o júri deve estar atento a maneira como ele é apresentado.
O que os jurados julgam: Forma + conteúdo, inspiração poética +performance.
O “Zapeão” da noite leva pra casa livros de prêmio e ganha a vaga pra disputar com os vencedores das edições dos outros meses. O campeão do ano tem a vaga garantida pra disputar o SLAM BR, que reúne slammers de todos os estados do Brasil e de onde sai o campeão brasileiro que representa o país na Copa do Mundo de Slam  na França.

FP: Com tantas denúncias vindo à tona de violência contra a mulher, com tantas críticas ao movimento feminista, com um governo formado exclusivamente por homens que não representam a maioria da sociedade brasileira, como ter forças para “não desistir” e continuar promovendo cultura para os “menos favorecidos”?
RED: Bom, acho que a FLUPP é um exemplo disso.  Ela só é possível porque é uma iniciativa da qual participam muitas pessoas, instituições , grupos. A única maneira de nos mantermos vivos é nos unindo, juntando pessoas que estão interessadas em viver um mundo mais justo e menos desigual, e criar estratégias para que os planos consigam ser colocados em prática.

FP: Como atriz-MC e diretora musical, que conselho você daria para as mulheres que desejam viver de literatura no Brasil?
RED:  Acho que para se viver de qualquer coisa no Brasil é preciso persistência, e como eu respondi na pergunta anterior, de uma rede de pessoas, de aliados e aliadas que estejam em busca dos mesmos objetivos. É uma época que não tem como muito fazer as coisas sozinha. A união de pessoas com objetivos comuns, nas música, no teatro, na literatura e nas artes em geral é urgente, e será vital pra proteger a nossa liberdade em tempos tão sombrios e incertos.

*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Jornalismo Cultural” e “Formação do Escritor”, mestranda em “Comunicação, Cultura e Tecnologia da Informação” no Instituto Universitário de Lisboa. Curadora do projeto literário “Som & Pausa” e ainda toca vários outros projetos pela sua empresa, a Valentina Comunicação, especializada em projetos musicais e literários. Foi apresentadora do programa Faro MPB na MPB FM por quatro anos e atualmente comanda o boletim “Faro Pelo Mundo” na emissora de rádio carioca.