Fabiane Pereira entrevista Luana Carvalho e fala sobre os atravessamentos da cantora, compositora e escritora


Filha da madrinha do samba, Beth Carvalho, Luana cresceu entre bambas. Amante das palavras, idealizou o espaço digital para intercâmbio de ideias e arte, CAIS, promoveu encontros de criadores de arte Brasil e mundo afora, e, agora, se prepara para lançar um álbum duplo batizado “Branco” e “Sul”

*Por Fabiane Pereira

“Branco” e “Sul” são o disco duplo de estreia da cantora, compositora e escritora Luana Carvalho, que será lançado ainda este ano. Filha da madrinha do samba, Beth Carvalho, Luana cresceu entre bambas. Amante das palavras, idealizou o espaço digital para intercâmbio de ideias e arte, CAIS. Por dois anos, a revista virtual de conteúdo literário (com colunistas fixos, convidados e colaboradores entre escritores, músicos, cantores, compositores, fotógrafos, atores, cineastas; criadores, gente de toda gente) já se transformou em casa e foi sucesso absoluto de público e crítica.

Entrevistei Luana para o programa Faro MPB que vai ao ar, nesta quinta, 20, meia noite, na MPB FM. Estive também com ela em Lisboa recentemente – ela fez uma participação linda no show do Moreno Veloso – e, claro, aproveitei estes encontros para entender melhor os atravessamentos artísticos da artista.

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Falando no Moreno, ele assina a produção de “Branco”. O álbum traz onze canções, cinco delas compostas por Luana. Já “Sul” foi feito durante a espera da finalização de Branco. Ou seja, como a artista diz “Sul é o osso de Branco”. São sete canções, todas autorais. Luana assina a produção do Sul, junto de Moreno.

Os encontros artísticos deste trabalho vão além. Os encartes dos álbuns trazem poemas e ilustrações criados com exclusividade pelos poetas Eucanaã Ferraz e Alice Sant’Anna. A proposta de Luana foi que escrevessem poemas ouvindo o disco, caso se sentissem movidos pra isso. O mesmo foi sugerido aos ilustradores André Dahmer, Tomás Cunha Ferreira (artista plástico e músico lisboeta) e Kammal João. O projeto gráfico propõe uma espécie de livro com ainda dois releases em forma de prefácio e epílogo: o primeiro foi escrito por Lenine e o segundo por Gonçalo M Tavares (escritor angolano).

Fico feliz em ser contemporânea de pessoas como Luana…sabe, faz a hora e não fica esperando acontecer.

FP: Você tem alguma memória afetiva da infância em que a poesia lhe marcou?
LC: Meu avô costumava me chamar ao quintal de seu sítio em Miguel Pereira para lermos poemas de Manoel de Barros e Cecília Meirelles. Comíamos mexericas – como ele chamava – frutas-do-conde e os livros.

FP: Você está lançando um disco duplo e nele seu lado compositora se manifesta bastante. Como é seu processo criativo? O que vem primeiro: letra ou melodia?
LC: Isso depende. Primeiro vêm os dias. A canção se anuncia muito antes de começar a acontecer. Tem a ver com a estação do ano, com o tempo lá fora, com o tempo aqui dentro, com o que sonhei nas noites precedentes, com as notícias, com as pessoas que andam cruzando comigo as esquinas, as redes, o coração. A canção me compõe mais do que eu componho a canção. É ela que determina o assunto, o ritmo, a enxurrada, aonde ir. E quando está pronta, ela avisa. São os melhores instantes da vida, terminar uma canção. Dá vontade de ficar ali pra sempre com ela; Depois passa. Vira outra coisa. Boa também. Mas aquele instante ali? Inesquecível.Há também a encomenda, que é um desafio maravilhoso, e aí a história é outra; é preciso unir a tudo isso uma disciplina, um certo controle sem perder a delicadeza e, o que é ainda mais interessante, é preciso um olhar generoso e atento a quem nos pede uma canção.

FP: Música e literatura andam juntas há muito tempo, mas no Brasil, especialmente no cancioneiro popular, elas se atravessam formando parcerias ilustres. Como você analisa a nova geração de músicos brasileiros a partir deste atravessamento?
LC: Como eu analiso? Prefiro deixar isso para especialistas. Mas tenho muito orgulho da minha geração. Da coragem que temos ao fazer música e literatura em tempos tão brutos. Nós, herdeiros diretos do modernismo, de tantos reis, divas e gênios, em um contexto bastante diferente, ainda temos algo a dizer e tocar. E não hesitamos em fazê-lo. Isso é lindo.

FP: Conta pra gente quais os próximos eventos da Casa Cais?
LC: Isso, como quase tudo, vai depender de investidores. Mas os planos são muitos e estão encaminhados. Fico feliz de termos atravessado até Portugal esse ano. Em 2017 há grande possibilidade de irmos até Cabo Verde e Angola, além de Lisboa; mas também Rio de janeiro e outras feiras pelo Brasil.

FP: Você estreou seu primeiro trabalho fonográfico em Portugal. Por quê?
LC: Parece que na minha vida tudo começa ou no mar ou em Portugal.

FP: Quando os brasileiros poderão lhe ver no palco?
LC: Tenho cada vez mais medo de datas, porque tudo em mim muda muito o tempo todo. Não acompanho bem o ritmo da minha geração. Sou demasiado devagar. Mas março me parece um nome bom.

FP: Na sua opinião, a poesia é capaz de sobreviver sem metáforas num mundo polarizado e conservador como este que estamos vivendo?
LC: A poesia, como o samba, agoniza, mas não morre.

FP: Em todo o mundo, as mulheres estão indo as ruas exigir a igualdade de gênero entre outros direitos. No Brasil, o movimento feminista cresceu muito nos últimos dois anos e tem lutado muito contra uma política mais conservadora. Como esta luta afeta você e sua arte?
LC: Tem cinco minutos ou a vida inteira? hahaha. Digo, a resposta a essa pergunta é infinita. Sou mulher. Amo ser mulher. Acho mulher o bicho mais interessante, complexo e bonito que existe (perdendo apenas para as baleias). E, contrariando um pouquinho, com afeto, o Rubinho Jacobina, sou artista; portanto tudo me afeta. Essa luta é longa, dura e extremamente airosa. Há um histórico forte que sobrepõe a espada à colher de pau, a força à delicadeza. Mas no fim das contas é tudo a mesma coisa. Há ainda a questão da sexualidade, que vai além do gênero. Como eu disse, esse assunto é pra uma mesa, dias inteiros. Mas, afinal, se houvesse mais humildade no ser humano diante da natureza, nada disso seria necessário. Há os bichos e as plantas e há principalmente a temperatura. Tudo isso é maior. Somos todos iguais e muito pequenos.

*Fabiane Pereira é jornalista, pós graduada em “Formação do Escritor”, mestranda em “Comunicação, Cultura e Tecnologia da Informação” na Universidade Nova Lisboa. Curadora do projeto literário “Som & Pausa” e ainda toca vários outros projetos pela sua empresa, a Valentina Comunicação, especializada em projetos musicais e literários. Foi apresentadora do programa Faro MPB na MPB FM por quatro anos e atualmente comanda o boletim “Faro Pelo Mundo” na emissora de rádio carioca. Aqui no site, é a representante da geração barra, essa turma de 30 e poucos anos que sabe assobiar e chupar cana como ninguém.