Como em uma expedição de Marco Polo, trio de autores mapeia a gastronomia brasileira


Ingredientes, produtores e sabores são catalogados em livro que revela as iguarias de um Brasil plural

Os sabores brasileiros cada vez mais conquistam adeptos mundo afora. Afinal, desde quando se tornar chef virou moda – gastronomia é o curso de terceiro grau que mais cresce no país – o número de programas de televisão nacionais sobre o assunto quintuplicaram e as publicações locais aumentaram ainda mais o número de artigos sobre comida, revelando o interesse crescente do grande público sobre a arte da boa mesa. Nunca se falou tanto em comida no mundo todo, e, claro, o Brasil não fica de fora, com profissionais como Alex Atala, Flávia Quaresma e Checho Gonzales adquirindo status de pop stars, coisa impensável até alguns anos atrás.

Pensando nisso, a trinca de autores composta por Rodrigo Ferraz (que idealizou o projeto), a historiadora Dolores Freixa (pós-graduada em Patrimônio Cultural), e a jornalista gastronômica Guta Chaves (co-autora do livro “Gastronomia no Brasil e no Mundo” / SENAC NACIONAL, 2009), lançou na noite passada, na filial da Livraria Saraiva no Shopping Rio Sul, no Rio de Janeiro, um compêndio editado pela Melhoramentos que se propõe a mapear os quitutes do país, de norte ao sul, como um daqueles calhamaços – no bom sentido – que classificam seres vivos ou estabelecem tabelas periódicas de elementos.

Expedição Brasil Gastronômico”, o livro, possui riqueza de detalhes semelhante à daqueles tratados de pesquisa que exploradores como Marco Polo faziam mundo afora, em suas viagens de reconhecimento, ou que idealistas como o Barão Georg Heinrich von Langsdoff, médico alemão naturalizado russo, realizou por 16 mil quilômetros Brasil adentro, de 1824 a 1829, patrocinado pelo Czar Alexandre I. São muitas as semelhanças entre a expedição de Langsdorff e o circuito gastronômico comandado pelo trio de gourmets. Além de o desejo de descobrir, catalogar e registras as delícias de um universo sem fronteiras, ambas as viagens lidam com o desconhecido. A diferença, entretanto, é única: enquanto, no século dezenove, o nobre alemão precisou lidar com as agruras de uma viagem nada idílica, tendo de arrancar, às duras penas, cada informação obtida sobre o país, chega a ser surpreendente o fato de que, hoje em dia, mesmo com as facilidades de se registrar qualquer coisa e ter acesso às entranhas do Brasil, não houvesse sido realizado ainda um projeto que reunisse os aspectos variados da gastronomia nacional, relacionados por região. Naturalmente, a odisseia percorrida pelo trio brasileiro deve ter sido muito mais prazerosa que a malfadada jornada de Langsdorff, com direito ao saboreio de acepipes da melhor qualidade e línguas gulosas umedecendo os lábios.

Entretanto, a pesquisa da equipe, criada na edição de 2012 do Festival de Cultura e Gastronomia de Tiradentes, foi fruto de trabalho árduo, com seus integrantes viajando mais de 18 mil quilômetros de estrada, em 51 cidades de 6 estados. O resultado parece ter valido a pena: a criatividade na escolha dos ingredientes e temperos é de dar água na boca, e está documentada toda a cadeia produtiva, desde a escolha dos ingredientes até o caminho trilhado para que eles saiam de seu local de origem, sejam distribuídos e cheguem, por fim, às mesas. Um primor!

A produtora de gastronomia e e eventos, Lou Bittencourt, envolvida com o trio desde o festival em Tiradentes, comenta que o livro traz segredos de gente bacana. Não só o povo badalado na mídia, como os chefs Felipe Bronze, Thomas Troisgros e Roberta Sudbrack, mas frutos da terra, como as tapioqueiras de Olinda, em Pernambuco. Um achado. “As macadâmias da Piraí, no Vale do Café, são o que há, assim como os peixes do Mercado São Pedro, em Niterói, e as cachaças do Engenho São Miguel, no Vale do Açúcar, em Quissamã, norte do Estado do Rio. Todos bem retratados”, ela revela, entusiasmada. “Mas, sem querer puxar a brasa para o Rio, o circuito das Feiras Orgânicas Cariocas merece muito estar no livro. Adorei!”, rasga seda, se lembrando, imediatamente, das ostras da Fazenda Primar, no Rio Grande do Norte, também orgânicas.

“Quisemos mostrar que gastronomia é muito mais que o trabalho na cozinha, envolve pessoas anônimas que se dedicam a plantar, colher, transportar e vender produtos frescos, de qualidade, marca da nossa cultura”, afirma Rodrigo Ferraz, idealizador deste safári gastronômico. A ideia é trazer, a cada ano, um livro com histórias, curiosidades, receitas e ingredientes típicos do Brasil. Neste primeiro volume, estão contemplados Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Amazonas.

O conteúdo vai fundo em diversos aspectos culturais. Costumes alimentares, por exemplo, são avaliados para entender as razões que fazem com certos ingredientes sejam tão especiais para algumas regiões. No caso do guaraná, na região do Amazonas, levanta-se que, há séculos, a tribo indígena sateré-maué processa o fruto como fonte de alimento energético, já que, nessa região a plantação de vegetais e legumes é praticamente inexistente. A questão humana é outra que ganha destaque no livro: foram priorizados produtores que utilizam a agricultura como atividade de subsistência, gerando renda e contribuindo para o desenvolvimento de sua região.

Todo o conteúdo está disponibilizado gratuitamente pelo site: www.gastronomiatiradentes.com.br

Confira quem passou no badalo para prestigiar o lançamento do livro:

Fotos: divulgação