Em cartaz com a série “Handmade” no Rio, Vik Muniz aponta novo rumo na carreira e destaca paixão pela gastronomia: “É a única arte que reúne todos os sentidos”


Depois de três anos viajando por Madri, Tóquio, São Francisco e São Paulo, a mostra chega à cidade na galeria Nara Roesler e traz a combinação de fotografia, trabalho artesanal e intervenções. “A ideia em uma exposição como essa ir montando um vocabulário de pequenos discernimentos. Cada uma dessas obras possui uma proposta diferente, como se fossem armadilhas”

E se um trabalho artesanal ganhasse toques tecnológicos? Pois bem, é esta mistura que dá liga à série “Handmade” de Vik Muniz, em cartaz na galeria Nara Roesler, em Ipanema. Depois de rodar algumas cidades pelo mundo como Tóquio, Madri, São Francisco e São Paulo nos últimos três anos, o artista plástico chega ao Rio de Janeiro com a mostra que vai além do trabalho manual e do tecnológico. No híbrido das duas técnicas, Vik Muniz provoca a interpretação das pessoas em obras que também resgatam uma paixão antiga do artista: a fotografia.

Em “Handmade”, Vik cria e recria em cima de imagens e com interferências manuais que dão um novo tom à obra. Neste sentido, o trabalho do artista é uma dobradinha entre um papel amassado de um lado e a foto desta folha do outro e o registro de bolinhas em um quadro em uma parte e esferas em 3D na outra, por exemplo. “A ideia em uma exposição como essa é ir montando um vocabulário de pequenos discernimentos. Cada uma dessas obras possui uma proposta diferente, como se fossem armadilhas”, contou Vik Muniz que se diverte com sua provocação artística através deste potente híbrido. “É bem confusa e cria uma loucura que faz com que a imagem fique interessante. A pessoa perde o locus da imagem e não sabe o que está vendo, de fato”, apontou.

A compreensão de cada detalhe, realmente, nem sempre é identificada no primeiro momento. Porém, na série em cartaz no Rio, a ideia de Vik Muniz é justamente essa. Mas, como contou, além de tudo isso, “Handmade” ainda foi a desculpa que aproximou o artista de mais um de seus talentos. “Logo no começo da minha carreira, quando eu comecei a trabalhar com fotografia, eu tinha muita liberdade para interferir nas superfícies. No momento em que eles começaram a criar o papel e novas mídias nos anos 1990, eu e uma série de outros artistas tiramos proveito disso e criávamos fotografias em escalas que competiam com pinturas em galerias. Então, as fotos passaram a ter outro status da arte contemporânea”, explicou o artista que por muitos anos abandonou este trabalho de fotografia com intervenções. “Eu trabalhava muito em cima da imagem depois que eu fotografava. Mas, em determinado momento, eu vi a possibilidade de continuar criando a partir daquela foto e, inclusive, refotografar uma quantidade imensa de camadas”, acrescentou.

Como tradução desta mistura de fotos, tecnologia, artesanato e Vik Muniz, a série possui um quadro que marca exatamente este encontro apontado pelo artista.  Em “Handmade”, um quadro reúne diversas fotos de família, ora coladas, ora como parte da impressão. “Eu coleciono fotos de famílias há mais de 25 anos. Nesse tempo, eu acumulei caixas e mais caixas que devem ter cerca de 250 mil fotos. E eu não tinha o que fazer com tanto registro. Foi aí que eu comecei a usar como material”, contou Vik que achou um destino de luxo para este arquivo.

Outro ponto que poderia ser um destaque no conceito de “Handmade” são as cores. Poderia, mas não são. Na série em cartaz em Ipanema, Vik apresenta tons fortes e vibrantes em vários dos quadros expostos. Seja em um arco-íris criativo ou em combinações de duas ou três cores, esta é uma característica identificada em parte da mostra. No entanto, o artista plástico afirmou que a escolha pela paleta não tem nenhuma explicação técnica ou teórica. “Meu trabalho nunca tem mensagem e nem opinião. A ideia é criar uma experiência. Não me vejo querendo ensinar nada a ninguém, apenas criar uma situação. Como resultado, temos uma parceria entre o que eu faço e o que o espectador traz de interpretação para este encontro”, explicou.

Vik Muniz e Malu Barreto (Foto: Leo Marinho/divulgação)

Aliás, esta postura é algo o que o artista vem defendendo em sua carreira na arte contemporânea. Um dos principais nomes brasileiros da atualidade no mercado internacional, Vik Muniz coleciona passagens pelos principais centros e galerias do mundo em uma trajetória muito mais internacional do que nacional. Segundo ele, em um passado recente, o Brasil passou a ser admirador e consumidor das artes assim como os estrangeiros. “Sem dúvidas que o meu maior mercado é fora do país. Porém, eu tenho percebido que o Brasil vem consistentemente avançando na arte contemporânea e aumentando seus representantes no exterior. Hoje, na maioria das galerias internacionais, já temos algum artista brasileiro expondo”, analisou Vik que explicou: “Eu demorei alguns anos para conquistar este mercado porque eu não era um produto da cultura brasileira. A minha arte nunca conversou com o que se fazia aqui, mas também isso não acontecia fora. Eu era um artista de nicho”.

Porém, mais do que esta mudança no comportamento do consumidor de arte brasileiro, Vik Muniz também destacou o avanço na produção de arte nacional. Segundo ele, hoje os artistas tupiniquins não possuem mais um conceito regionalista em sua arte. “Não tem mais aquela história de mostrar apenas o Brasil na arte. Eu acompanho um crescimento mais universal”, comentou.

Seja com a mudança no comportamento, no consumo ou na produção de arte, o fato é que Vik Muniz hoje é referência. De um “artista de nicho” em um cenário menos regionalista, ele hoje é, inclusive, matéria nas escolas. “Agora mudou em um nível bem mais interessante porque tenho um apelo popular também. Eu vejo que o meu trabalho é ensinado nas escolas públicas e também faz parte do currículo das privadas. Isso é muito legal”, comemorou Vik que hoje possui uma nova curva em sua carreira. Na verdade, desde a badalada exposição no MAM e o trabalho na introdução da novela “Passione”, na Globo. “A minha grande ambição é ter esta conversa com todos. Eu acho que é muito fácil impressionar grupos específicos da sociedade, mas precisamos mostrar que sabemos falar a língua de todos”, destacou Vik que confessou que no começo da trajetória artística era bem diferente. “Quando eu era garoto, adorava colocar uns títulos pomposos e meio obscuros. E eles só eram compreensíveis para críticos de museu porque são especialistas”, disse.

 

Nesta ambição, com destaque para a simplicidade e inteligência artística, Vik hoje é unanimidade entre aqueles que estudam, que apreciam ou que simplesmente são curiosos às artes. “Eu venho de uma família super humilde. Meus pais são pessoas que não estão acostumadas com museu ou galerias de arte. Então, eu sou super consciente disso”, disse.

Se quando o assunto é arte, Vik Muniz já se resolveu com o caminho para atender sua ambição profissional, é o momento de um novo desafio. E ele já tem nome, endereço e sabor. Em breve, o artista inaugura no Rio seu primeiro restaurante. “Quando eu não estou trabalho, estou envolvido em comer, beber e estar com os amigos. E isso foi germinando até se tornar a ideia de fazer um lugar no qual gostaríamos de frequentar. Assim surgiu o Camolese”, contou Vik sobre sua relação estreita com a gastronomia. “Meu pai foi garçom a vida inteira e por muitas razões eu também adoro cozinhar. Já fui bartender por muitos anos, trabalhei lavando pratos e eu adoro esse ambiente de comida. Então, para mim a gastronomia é ainda mais especial porque é a única arte que reúne todos os sentidos em uma experiência única. É muito imersivo”, analisou sobre o novo negócio que em breve irá inaugurar no Jockey e com direito à cerveja própria. “Eu sempre quis ter um vinhedo, mas é muito caro e difícil de manter. Aí adaptamos isso para uma cervejaria, que também é muito gostoso”, completou.