Deborah Colker disponibiliza espetáculos online e diz que falência do Cirque Du Soleil seria uma ‘tragédia sem fim’


Em isolamento social, a diretora artística e coreógrafa premiada internacionalmente, que acaba de se recuperar de sarampo, lamenta possível falência do Cirque Du Soleil, do qual foi primeira mulher a dirigir um espetáculo, com ‘OVO’, e conta ao site HT o que tem feito para superar mais um desafio sanitário e manter sua Cia. de Dança de pé. Também ouvimos o diretor executivo da companhia, João Elias, que comentou a semelhança entre os sintomas da pneumonia e do coronavírus. “Já tive [pneumonia] e não desejo o que passei nem ao meu pior inimigo, é como se afogar no seco devido à falta de ar”, revela

*Por Felipe Rebouças

Após suspender espetáculos e dispensar cerca de quatro mil funcionários (equivalente a 95% do staff) por conta da pandemia de coronavírus, o Cirque du Soleil Entertainment Group está avaliando opções para reestruturar dívidas que ultrapassam a cifra de U$ 900 milhões, entre elas um potencial decreto de falência. Para a bailarina, coreógrafa e diretora artística brasileira Deborah Colker, a possibilidade soa como uma tragédia. “É triste demais essa notícia, isso não pode acontecer”, declara.

Deborah trouxe protagonismo feminino à organização circense ao ser a primeira mulher a dirigir um espetáculo do Cirque du Soleil, com OVO, montado em 2009 e exibido no Brasil no ano passado.”[O Cirque du Solei] é uma empresa genial que sempre tratou todos seus funcionários muito bem”, afirma. Para além deste tema, ela conversou com exclusividade com o site Heloisa Tolipan, contou o que tem feito durante o confinamento, acompanhada do marido e músico, Toni Platão, e informou em primeira mão que disponibilizou a íntegra dos espetáculos Cruel, Cão Sem Plumas, 4×4, Belle e Tatyana.

Veja: espetáculos na íntegra disponíveis durante a quarentena

“Estamos vivendo um momento novo e extremamente delicado. Precisamos estar de vigia, pensar na gente e no outro, ficar em casa e principalmente cuidar da nossa cabeça, que é o mais importante”, aconselha Deborah Colker (Foto: Cafi)

A primeira e mais duradoura quarentena do país. Assim Colker tem definido suas últimas semanas, desde o dia 8 de março. Depois de superar o sarampo, no início do mês, responsável pelo fechamento temporário da Cia. de Dança que leva seu nome ao ter atingido ela e mais cinco de seus bailarinos, o desafio sanitário da vez é a pandemia do novo coronavírus. “Não deu tempo nem de respirar, assim que recebi alta do sarampo chegaram as recomendações de isolamento social para contenção do coronavírus”, conta. Em meio a uma série de espetáculos cancelados e compromissos suspensos, a artista busca formas de manter a Cia. de Dança Deborah Colker e as duas escolas de dança que dirige em atividade. Ao todo, entre professores, bailarinos, administradores, diretores, recepcionistas, seguranças, há 102 funcionários diretamente ligados aos trabalhos desenvolvidos por Colker, além dos terceirizados.

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(Foto: Flavio Colker)

Recentemente, a 20ª edição do Movimentos Festival, sediado anualmente na fábrica da Volkswagen, em Wolfsburg, na Alemanha, foi cancelado. A edição deste ano contaria com a participação da Cia. de Dança Deborah Colker e teria como tema os 250 anos do nascimento do compositor Ludwig van Beethoven. “Ano que vem não serão 20 anos de festival, não será uma data redonda de Beethoven. Infelizmente trata-se de uma oportunidade perdida”, lamenta Colker. Ela ainda teve duas apresentações do espetáculo ROTA, ambas previstas para acontecerem no Rio de Janeiro, suspensas. ROTA foi lançando em 1997 como terceira coreografia original e quarto espetáculo apresentado pelo grupo carioca. Ele mescla gestos cotidianos da rua com reflexões sobres as forças que regem o movimento, indo até à gênese da dança.

(Foto: Flavio Colker)

Na medida do possível, e contando com a tecnologia, a coreógrafa tem se esforçado para manter contato com seu corpo de bailarinos. “Temos mantido o contato via teleconferência para atualizar os passos, trocar informações sobre figurino, música, cenário e nos mantermos informados”, diz. “Só não podemos ensaiar de fato porque ainda não é possível formar dupla ou quarteto online. Apesar da tecnologia ajudar, a dança pede contato e coletividade. É complicado”, pondera. Uma de suas maiores preocupações no momento é “cuidar da cabeça”. Assim que a quarentena começou, Colker utilizou seu Instagram para publicar vídeos com mensagens positivas, chamando as pessoas para dançar, fazer exercícios e leituras e aproveitar o tempo em casa para cuidar de quem está perto. E, sobretudo, ficar em casa, seguindo as recomendações de médicos e especialistas em saúde pública. “Estamos vivendo um momento novo e extremamente delicado. Precisamos estar de vigia, pensar na gente e no outro, ficar em casa e principalmente cuidar da nossa cabeça, que é o mais importante”, afirma.

O diretor executivo João Elias, que teve pneumonia há uma década, faz um adendo àqueles que pensam ignorar as recomendações médicas e seguir uma rotina normal em meio à realidade vigente. “Eu ignorei o pedido do meu médico para fazer um exame pulmonar e fiquei de cama por duas semanas”, revela. “Se as pessoas soubessem como é sentir-se afogando no seco, por falta de ar, não menosprezariam o poder de uma doença que ataca o sistema respiratório como o coronavírus”, afirma. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de meio milhão de casos confirmados de coronavírus em mais de 170 países ao redor do globo.

“Se as pessoas soubessem como é sentir-se afogando no seco, por falta de ar, não menosprezariam o poder de uma doença que ataca o sistema respiratório como o coronavírus”, afirma João Elias (Foto: Cafi)

Além das reuniões com as equipes de bailarinos, o tempo de Deborah em casa tem servido para aguçar seu processo criativo. Como muitos espetáculos foram cancelados e a agenda de apresentações  sofreu alterações, Colker explica que terá que reajustar seus compromissos futuros a datas mais próximas, para dar conta de tudo até o fim do ano. Logo, o tempo de ensaio entre ROTA, mencionado acima, e VERO, com datas marcadas no segundo semestre em São Paulo e Hong Kong, na China, será menor. “Vamos dar um jeito!”, anima-se. Para ela, ainda que os prognósticos a curto e médio prazos apresentem um cenário draconiano na economia mundial, viver de cultura no Brasil já tem sido sinônimo de luta, uma espécie de teste à resiliência do artista. “A cultura no Brasil já está em recessão há um tempo”, declara. “Estamos vivendo tempos difíceis e sem apoio”, posiciona-se.

(Foto: Flavio Colker)

Seu próximo lançamento, o espetáculo CURA, está sendo produzido há pelo menos dois anos e tinha previsão de estreia marcada para o dia 21 de janeiro de 2021. No entanto, Colker já admite que não há garantia de manutenção da data diante da instabilidade global provocada pela pandemia de coronavírus. Por enquanto, é possível projetar o que a premiada e vanguardista diretora artística pretende trazer a público no próximo ano. “Como cura o que não tem cura?”, questiona-se. “A única certeza é que precisamos encontrar a cura. Tenho notado muita gente discriminando o próximo a troco de nada, e  adoecendo aos poucos com isso. É importante lembrar que de perto ninguém é normal. Precisamos de uma cura que vai além da técnica medicinal, estamos precisando de uma cura para alma”, vislumbra a artista.