Com as relações humanas como inspiração, Aecio Sarti se declara aos pincéis e destaca coragem para viver da arte: “Ela sempre me protegeu”


Durante 20 anos, o pintor trocou sua paixão artística por um emprego “convencional” em um escritório. Um erro. “Quando eu era menino, achei que precisasse de um emprego que fosse bater cartão todos os dias. E aí eu fiz o que eu nunca deveria ter feito. Por falta de um conselho amigo ou de um incentivo, eu não reconheci que estava no caminho certo”

É uma história de amor, mas não é entre duas pessoas. De um lado, um homem que ama os pinceis e as tintas desde os 14 anos, lá em Aracaju. Do outro, a riqueza da arte, com todas as suas possibilidades e expressões. Aecio Sarti é um daqueles exemplos de artistas apaixonados pelo que faz. É através de suas pinceladas inspiradas nos seres humanos que ele se realiza. Mas, quem vê o pintor hoje, entre as montanhas, os rios e os flamboyants de Paraty, não imagina que por 20 anos ele trocou tudo isso por uma vida de reuniões, escritório e emprego “convencional”.

Na trajetória de Aecio, a vida artística sempre foi um sonho. Foi ela que o motivou a pintar desde cedo e o resgatou do terno e gravata. Foi o talento e a paixão pelos pinceis que também o levou para os Estados Unidos com os custos todos pagos pelos cinco anos de dedicação à arte. Desta paixão, surge uma identidade. Em sua carreira, Aecio Sarti tem o humano como principal inspiração. Em seus quadros, homens e mulheres ganham formas, cores e emoções em traços únicos, que marcam a assinatura do artista. “A figura humana sempre esteve presente na minha obra. Quando menino, eu só queria pintar. Porém, em toda escola de arte que eu ia, as obras eram sempre de paisagens. Eu nunca fiz isso. Meu negócio é gente, é destacar as relações humanas. Não tem muito como explicar, é só o fato de que eu não me vejo pintando natureza, apesar de amar”, disse Aecio que acredita que contou que é assim que expressa suas emoções.

Aecio Sarti (Foto: Divulgação)

E qualquer passante pelas ruas de Paraty, onde mora há 13 anos, pode ser inspiração para Aecio Sarti. De acordo com o pintor, suas referências humanas são, na maioria das vezes, reais. “Eu pinto traços que mexem comigo. Não é sobre padrão de beleza, é sobre a beleza da vida. Eu estou em busca de traços marcantes e eles podem estar em qualquer lugar. Recentemente, eu vi em Tiradentes e lá conheci uma moça entrando em uma galeria. Na hora eu pedi que ela tirasse os óculos e dali já esbocei um desenho que me despertou”, lembrou.

Simetria (Foto: Divulgação)

Por outro lado, se os traços são bem explicados por Aecio, as cores são orgânicas ao pintor. Segundo ele, a paleta nunca tem um motivo racional ou uma explicação lógica. Se a obra de Aecio é mais alegre ou pastel, isso é por causa de sua energia no dia. “Eu não consigo explicar o porquê das cores. A paleta acontece, simples assim. Eu vou escolhendo de acordo com os tons que mexem comigo, mas sem seguir nenhum conceito ou ideia”, disse Aecio que, ainda sobre seus materiais, tem a lona de caminhão como tela de sua arte. “Uma vez, um pintor me mostrou uma lona de caminhão pintada e eu quis fazer também. Adorei a textura, a cor e a força daquele material e depois disso eu nunca mais parei”, contou.

Céu de Querubins (Foto: Divulgação)

Mais do que uma tela, Aecio defendeu que a lona de caminhão é um dos ingredientes de sua identidade artística. Assim como nos desenhos ele pinta as relações humanas, no material ele traz uma riqueza de histórias. “Antes de virar obra de arte, a lona já viveu uma vida nas estradas, sofreu agressões do tempo, desgaste e vem carregada de energia. Não é como um pedaço de tela que vem prontinha da fábrica”, argumentou o pintor que consegue o material com os próprios caminhoneiros. “Quando eu preciso de mais, eu aviso a algum caminhoneiro do interior de São Paulo e sempre aparece alguém”, contou.

Jorge e Julio (Foto: Divulgação)

Aliás, este contato com o público faz parte da rotina de Aecio Sarti. Em Paraty, ele se divide entre seu ateliê e a galeria de arte. Nos dois casos, a interação com os amantes de arte é igual. “É algo bem interessante. Eu sempre pintei a figura humana e eu percebo que as pessoas se identificam com os personagens que eu crio. Alguns falam diretamente com elas e isso é muito forte. Como eu recebo todo mundo porque eu trabalho de portas abertas, acabo criando uma conexão forte. E, nessa história de receber pessoas e pintar, também vou agregando algumas cores e formas diferentes que me inspiram na hora. Muitas vezes eu mudo a direção de uma obra por causa de uma vibração daquele momento”, explicou.

Céu de Querubins (Foto: Divulgação)

Porém, mesmo que haja essa troca intensa, a tranquilidade precisa ser o plano de fundo de Aecio. E nada melhor do que uma cidade fora da loucura das grandes metrópoles como endereço. Em Paraty, a população de pouco mais de 35 mil habitantes é um sonho criativo para o pintor. É lá onde ele cria e executa. É entre a natureza onde ele se encontra. “Eu preciso ter as árvores e as montanhas na minha frente e preciso estar olhando para o belo enquanto pinto. Aqui, as pessoas passam com tranquilidade, conversam e interagem de forma tranquila. Isso é fundamental para o meu trabalho”, disse o pintor que, por toda a sua vida, buscou um canto de paz para morar. “Eu nasci em Aracaju e Paraty é o lugar no qual eu moro há mais tempo. Sempre quis uma cidade pequena para acalmar a minha alma e poder viver da arte. Isso tudo eu encontrei em Paraty”, detalhou.

Filhas de Oxum (Foto: Divulgação)

Até encontrar este equilíbrio, Aecio Sarti preferiu abrir mão de um sonho por uma vida nos moldes tradicionais. Quando voltou dos Estados Unidos, ainda jovem, o artista passou a trabalhar em um escritório para não se arriscar na crise brasileira. Hoje, se para uns o cenário pode ser parecido, para Aecio a situação não parece estar desfavorável para a arte. “Não acho que esteja mais difícil, talvez só para quem começa. A partir do momento em que a gente estabiliza e criamos uma rede de apreciadores e consumidores do nosso trabalho, tudo flui. E, ao mesmo tempo, a gente passa a ter mais confiança sobre o nosso trabalho também. Quando eu me mudei para Paraty e vi que lá a minha inspiração estava florescendo, eu tive a certeza que não queria mais voltar. Essa é a minha vida e eu não faria mais nada em troca de uma rotina convencional”, disse Aecio que completou: “Pintar é a minha certeza. A arte sempre me protegeu e é assim que quero continuar vivendo”.

Camisaria (Foto: Divulgação)

Certeza esta que foi reconhecida com o tempo, como nos contou. “Quando eu era menino, achei que precisasse de um emprego que fosse bater cartão todos os dias. E aí eu fiz o que eu nunca deveria ter feito. Por falta de um conselho amigo ou de um incentivo, eu não reconheci que estava no caminho certo e decidi procurar um emprego. Mas, se alguém tivesse me falado lá atrás, nunca teria parado. E agora, com quase 60 anos, isso nem passa mais pela minha cabeça”, disse Aecio que, neste misto de emoção, contou como é viver de arte no Brasil em 2017. “É emocionante falar disso. Hoje, eu me pego sorrindo quando eu lembro que tive coragem de largar tudo para viver do que eu amo. Que bom que eu fui e não tive medo”, concluiu.

A Solista (Foto: Divulgação)