Beth Goulart anuncia planos como autora e quer remontar e atuar em espetáculo criado para a mãe, Nicette Bruno


A atriz lança no Rio de Janeiro ‘Viver é uma arte – Transformando a dor em palavras’, com prefácio de Nélida Piñon e posfácio de Fernanda Montenegro. E nesta entrevista, fala da versão escritora, de espiritualidade, e emocionada, revela que sentiu a presença dos pais, Paulo Goulart e Nicette Bruno, que já partiram, no lançamento paulista da obra. Beth também divide os planos, que envolvem vida, arte e ressignificado.  “Depois que papai morreu, tentamos transformar a dor. Então, adaptei o livro ‘Perdas e ganhos’, de Lya Luft (1938- 2021) e dirigi minha mãe neste espetáculo. Foi também um trabalho de superação. Agora fiquei com muita vontade de remontar esse projeto, mas comigo fazendo. Por tudo isso que estou vivendo, o texto cai como uma luva. No livro falo muito desse processo da peça, então ele ficou muito vivo. Tenho imagens lindas da montagem com mamãe: ela de anjo, que era um dos personagens; e tocando piano, como um tributo ao papai. Vai ser difícil, mas pretendo estar em cena revivendo isso tudo. Remontar seria uma homenagem para a minha mãe e meu pai, e para a própria Lia Luft, que também partiu. Como é um momento de perdas, é também um texto que pode ajudar muitas pessoas”

*Por Brunna Condini

“Em muitos momentos me deixei levar pela saudade e a emoção. Senti verdadeiramente meus pais lá, assistindo tudo de camarote. Estavam comigo”, conta Beth Goulart, referindo-se ao lançamento de seu livro ‘Viver é uma arte – Transformando a dor em palavras‘, com prefácio de Nélida Piñon e posfácio de Fernanda Montenegro, amiga de vida inteira dos pais, Nicette Bruno (1933-2020) e Paulo Goulart (1933 – 2014). Beth conversou com o site do apartamento em São Paulo que era deles e hoje é sua casa na capital paulistana. “Sempre fiquei aqui quando vinha trabalhar e comprei a parte dos meus irmãos, porque queria ficar com esse lugar com todos os objetos, porta-retratos, lembranças. É um jeito de estar mais perto deles. Agora estou morando entre o Rio de Janeiro e São Paulo”, diz ela.

A atriz se despediu do pai em 2014, após quatro anos do tratamento de um câncer, e da mãe em 2020, após 21 dias de internação pela Covid-19. Ela e Nicette planejavam escrever juntas o livro que reúne boas histórias, a filosofia e o olhar sobre a vida que tinham em comum, e memórias familiares, na intimidade e em cena. “Recebemos a proposta para escrevê-lo por conta das palestras que éramos convidadas. Eu faria a voz principal e, ela, os comentários. E assim ficou: tudo que está entre aspas no livro é de autoria da minha mãe. Até onde foi possível. A saudade é grande e essa é uma forma de homenageá-los. Já senti a presença espiritual dos meus pais em outros momentos antes deste lançamento em São Paulo. Não é algo palpável, e é geralmente quando sinto uma emoção incontrolável”, divide a autora, que é espiritualista e estudiosa de religiões como o Kardecismo, Budismo e Hinduísmo. “Sou eclética no sentido espiritual. Junto tudo o que me toca. Meu pai já dizia que conhecimento não se perde. Com o tempo, também vamos aprendendo a acessar uma sabedoria interior. Está tudo no seu coração. Ele é a morada dos sentimentos sutis, da sabedoria. Falo no livro sobre isso e sobre meu processo intuitivo”.

A atriz e a mãe Nicette Bruno idealizaram juntas o livro que Beth escreveu 'Viver é uma arte: transformando a dor em palavra' (Foto/ Divulgação)

A atriz e a mãe Nicette Bruno idealizaram juntas o livro que Beth escreveu ‘Viver é uma arte: transformando a dor em palavra’ (Foto/ Divulgação)

A artista também deixa escapar um desejo que já começa a virar a idealização de um projeto. “Depois que papai morreu, tentamos transformar a dor. Então, adaptei o livro ‘Perdas e ganhos’, de Lya Luft (1938- 2021) e dirigi minha mãe neste espetáculo. Foi também um trabalho de superação. Agora fiquei com muita vontade de remontar esse projeto, mas comigo fazendo. Por tudo isso que estou vivendo, o texto cai como uma luva. No livro falo muito desse processo da peça, então ele ficou muito vivo. Tenho imagens lindas da montagem com mamãe: ela de anjo, que era um dos personagens; e tocando piano, como um tributo ao papai. Vai ser difícil, mas pretendo estar em cena revivendo isso tudo. Remontar seria uma homenagem para a minha mãe e meu pai, e para a própria Lia Luft, que também partiu. Como é um momento de perdas, é também um texto que pode ajudar muitas pessoas”, acredita.

“A dor aguda com o tempo fica mais suave. Digo: deixem passar, porque ela vai passar da forma que aí está. Muita gente se apega. É bom deixar que os sentimentos aflorem, mas passem. É possível transformar a experiência, depois que o sofrimento agudo vai, em algo bom. A Lia diz uma coisa muito linda em ‘Perdas e Ganhos’, que é: “Aprender a perder a pessoa amada, é afinal, aprender a ganhar-se a si mesmo”. Então, quando você descobre em si, todo o bem daquela pessoa amada que partiu, seguir sem ela, mas cuidando de você, é também uma homenagem. As pessoas amadas que partiram gostariam de nos ver bem. É juntar as forças, se rever como indivíduo e estar pronto para seguir a vida’

Paulo Goulart, Beth e Nicette Bruno: "Quero remontar 'Perdas e Ganhos' como forma de homenageá-los" (Acervo Pessoal)

Paulo Goulart, Beth e Nicette Bruno: “Quero remontar ‘Perdas e Ganhos’ como forma de homenageá-los” (Acervo Pessoal)

Aprender também é arte

Aos 61 anos, a atriz, dramaturga, diretora, cantora e palestrante, deseja dividir com os leitores os aprendizados desse caminho, destacando como as escolhas são importantes, mesmo para que não acredita tê-las em um momento limite desses. “Meu pai, pouco antes de partir, falou: “Aproveitem a vida, ela é linda, mas passa rápido”. Já minha mãe, me ensinou que o grande sentido da vida é amar. A si mesmo, aos outros, ao planeta, à existência. Ela também me ensinou a importância da alegria, sabia usufruir da vida. Via beleza. Talvez isso seja felicidade: conseguir um estado de espírito de paz, conexão com a vida, para apreciar. As experiências de perda nos jogam no aqui e agora. E abalam nossa estrutura. O movimento de buscar esse reequilíbrio, te torna uma pessoa melhor. Muitas vezes as pessoas vivem sem terem muita noção de quem são ou seguem como ‘carros desgovernados’. Mas é bom lembrar que temos escolhas, sejam elas quais forem. Consciência é fundamental. As perdas são momentos de silêncio, de pausa. Nestas horas, você é jogado para dentro de si, a vida está te dando um ‘cachoalhão’. Algo vai mudar em você, mas o quê? Pode ser bom ou não. O grande livre arbítrio é como vai passar pelo que te acontece”.

"As experiências de perda nos jogam no aqui e agora. E abalam nossa estrutura. O movimento de buscar esse reequilíbrio, te torna uma pessoa melhor" (Foto: Nana Moraes)

“As experiências de perda nos jogam no aqui e agora. E abalam nossa estrutura. O movimento de buscar esse reequilíbrio, te torna uma pessoa melhor” (Foto: Nana Moraes)

E propõe: “E se começássemos a olhar para este momento da morte de outra forma? Não mais como um fim, mas como uma mudança de estado? Como um novo começo, um novo nascimento, em outro espaço-tempo, em uma realidade espiritual. Tiraríamos da palavra o medo do desconhecido, substituindo por algo que faz parte do nosso processo aqui, do ciclo. E aí podemos dar nosso afeto à pessoa amada que está partindo, para que vá em paz. Te digo que é possível voltar a sorrir, seguir a vida, mas de uma outra maneira. Mantendo sempre esse amor, a referência dentro de nós de quem se foi”.

"Te digo que é possível voltar a sorrir, seguir a vida, mas de uma outra maneira. Mantendo sempre esse amor, a referência dentro de nós de quem se foi" (Foto: Nana Moraes)

“Te digo que é possível voltar a sorrir, seguir a vida, mas de uma outra maneira. Mantendo sempre esse amor, a referência dentro de nós de quem se foi” (Foto: Nana Moraes)

Nasce uma escritora

O livro é um recém-nascido, mas Beth já pretende gestar outros. “Gostei de escrever. Adorei essa experiência de falar direto com o leitor. Abri um portal e quero entrar nele. Quero ver onde isso vai me levar. Criei um caminho de confiança absoluta neste meu processo intuitivo. O tempo nos faz acreditar mais no destino, sabe? Nem tudo depende da nossa condução para acontecer. O que depende de mim é agir, fazer o que posso”, diz.

“Quando aceitamos o que vem, as coisas acontecem. Tanto com o espetáculo ‘Perdas e Ganhos’, quanto com esse livro, aconteceu assim. A vida indica os caminhos, cabe a nós reconhecermos os sinais e responder os chamados. Esse portal que se abriu para que eu escreva, sinto que é um caminho de autoconhecimento, de aprofundar essa linguagem com os leitores. É a filosofia no sentido de buscar, de querer entender, de mergulho. Mas nada impede que eu escreva ficção também. Pretendo continuar criando e escrevendo”, avisa a artista.

"Gostei de escrever. Adorei essa experiência de falar direto com o leitor. Abri um portal e quero entrar nele. Quero ver onde isso vai me levar" (Foto: Nana Moraes)

“Gostei de escrever. Adorei essa experiência de falar direto com o leitor. Abri um portal e quero entrar nele. Quero ver onde isso vai me levar” (Foto: Nana Moraes)