A megaexposição londrina ‘Masculinities: Liberation through Photography’ vai debater a masculinidade


Num momento em que as representações do macho estão em crise e conceitos como ‘tóxico’ e ‘frágil’ permeiam o discurso social, mais de 300 fotos e filmes de 50 artistas de diversos países traçam um painel da visão da arte sobre o tema na mostra ‘Masculinidades: Libertação através da Fotografia’, a partir de fevereiro no Barbican Centre. Objetivo é levantar questões sobre as contradições e complexidades do que significa ser homem atualmente

*Por Jeff Lessa

O Barbican Centre, em Londres, está se preparando para receber uma de suas grandes exposições do ano. “Masculinities: Liberation through Photography” (“Masculinidades: Libertação através da Fotografia”, em tradução literal) será aberta ao público em 20 de fevereiro. A mostra vai reunir mais de 300 fotos e vídeos de 50 artistas internacionais produzidos entre os anos 1960 e os tempos que correm. Entre os nomes conhecidos estão Richard Avedon, Laurie Anderson, Robert Mapplethorpe e Catherine Opie. Mas a nova geração, que está começando a chamar a atenção, também estará representada, alguns com trabalhos nunca exibidos no Reino Unido.

‘Gay Semiotics’, de Hal Fischer’, lançado em 1977, desvendava os códigos por trás dos acessórios gays (Reprodução)

Como o nome da mostra sugere, todos os trabalhos exploram noções de masculinidade. De “frágil” a “tóxica” e tudo que fica no caminho entre um termo e outro, “masculinidade” é um conceito bastante amplo. Por conta disso, a exposição será dividida em seis seções: Identidade Queer, O Corpo Negro, Força e Patriarcado, Percepções Femininas do Homem, Estereótipos Heteronormativos Hipermasculinos e Paternidade e Família. Um dos principais objetivos é compreender como filmes e a arte da fotografia moldaram a compreensão popular da masculinidade e como ela foi vivida e socialmente construída a partir da década de 60 do século passado.

Na foto de Peter Hujar de 1982, o artista David Brintzenhofe posa aplicando maquiagem (Reprodução)

Ao anunciar a exposição, a diretora do setor de Artes Visuais do Barbican, Jane Alison, afirmou que “a mostra dá continuidade ao nosso compromisso de apresentar os principais nomes no campo da fotografia no século 20 enquanto apoiamos os jovens artistas contemporâneos que atuam nesse meio hoje. Na carona do movimento #MeToo e do ressurgimento do ativismo feminista e pelos direitos humanos, as noções de masculinidade tornaram-se objeto de um debate feroz. Essa exposição não poderia ser mais relevante e vai, com certeza, provocar troca de ideias em torno da nossa compreensão do assunto”.

Na série Soldiers, de 1999, o israelense Adi Ness fotografou soldados em situação de fragilidade (Reprodução da internet)

Artistas como Jeremy Deller, Robert Mapplethorpe e Rineke Dijkstra desmontam ideias preconcebidas de clichês como o praticante de luta livre, o fisiculturista e o atleta, oferecendo no lugar visões alternativas desses estereótipos.

AFGHANISTAN. Kandahar. 2002. Taliban portrait.

Um dos trabalhos mais surpreendentes é a série de fotos de guerreiros talibãs “Taliban Portrait”, encontrada pelo fotógrafo da agência Magnum Thomas Dworzak em 2002, depois da invasão americana ao Afeganistão no ano anterior. As fotos, reveladas em preto e branco e colorizadas posteriormente, mostram homens muito maquiados, usando kajal nos olhos, muitas vezes de mãos dadas com outros homens, tendo, ao fundo, painéis pintados com temas kitsch, como chalés suíços. Dworzak encontrou os registros guardadas nos fundos de um estúdio na cidade de Kandahar e se ofereceu para comprá-los, para a alegria do dono do estabelecimento. A fotografia havia sido banida pelo Taliban, mas alguns estúdios foram mantidos abertos porque ainda era necessário tirar fotos para documentos.

Em ‘Gay Semiotics’, Hal Fischer esclarecia o significado das bandanas dos gays de São Francisco (Reprodução da internet)

De acordo com a curadora do Barbican, Alona Pardo, as imagens são “paralisantes”: “Elas são notáveis, porque são reais. Não são fotos construídas, esses rapazes escolheram que os fotógrafos fizessem assim e se exibiram para a câmera desse jeito. Isso só mostra a força das imagens para desestabilizar as nossas percepções”.

Outro trabalho interessante são as photo-texts do livro “Gay Semiotics”, publicadas pelo fotógrafo americano de São Francisco Hal Fischer em 1977. A série foi um dos primeiros trabalhos a traduzir o hanky code (“código do lenço”), ou seja, o que significavam as bandanas coloridas usadas nos bolsos das calças jeans dos homens gays do bairro de Castro, em São Francisco. Funcionava mais ou menos assim: bandana azul significava que o cara era ativo, vermelha queria dizer que era passivo e por aí vai. O livro também revelava o que queriam dizer brincos e chaves colocados nesse ou naquele lugar do corpo.

‘Bo from Being and Having’, de 1991, é uma das fotos de Catherine Opie que estará na mostra (Reprodução da internet)

Mas não se pode esquecer que o foco também está na visão feminina da masculinidade. Uma das artistas mais aguardadas é a americana Catherine Opie, conhecida por seus retratos coloridos e por focar em grupos específicos, como jogadores de futebol das high schools americanas, praticantes de sadomasoquismo e comunidades LGBT. Outra americana, a performática Laurie Anderson, também terá trabalhos incluídos na mostra. Além de suas famosas performances, que apresenta desde os anos 1970, ela é compositora e escritora, dona de uma obra que abrange uma imensa variedade de meios de expressão.

‘Untitled 22’ faz parte da série ‘Christopher Street’, de Sunil Gupta, fotografada em NY em 1976 (Reprodução da internet)

Depois do Barbican, a exposição irá para Les Rencontres de la Photographie, na cidade de Arles, na França (de 29 de junho a 20 de setembro) e, de lá, segue para o Gropius-Bau, em Berlim, onde fica em cartaz entre 16 de outubro e 10 de janeiro de 2021.

SERVIÇO
Masculinities: Liberation through Photography

Barbican Centre: Silk Street, London, EC2Y 8DS
Domingo a quarta, das 10h às 18h. Quinta a sábado, das 10h às 21h
£ 15 (segunda a sexta) e £ 17 (sábado e domingo)
De 20 de fevereiro a 17 de maio
https://www.barbican.org.uk/