Pedro David é o protagonista de filme teen com temática LGBT sobre menino que quer ser miss: ‘Tema grandioso’


O ator de 20 anos está no longa-metragem de Daniel Porto, “A miss”. Com a temática LGBTQIA +, o seu personagem Alan é peça central dessa discussão. Em paralelo, ele já é produtor, diretor e cofundador da ArtiFex, uma produtora focada em trabalhos de jovens cineastas e é o rosto do personagem Rodrigo na adaptação do fenômeno da literatura infanto-juvenil “Fazendo meu filme”, de Paula Pimenta. Nesta entrevista, Pedro compartilha sobre a construção do seu novo personagem, a “solidão do artista” que o fez migrar para o atrás das câmeras, a falta de visibilidade para jovens artistas e a importância de levantar temas como saúde mental e representatividade no audiovisual com jovens no papel: “O filme “A Miss”, por ser nacional, está numa constante disputa com os longas estrangeiros. É o que Pedro analisa. “Isso é uma questão que trouxe até a criação da lei das cotas no cinema nacional. Mas a população também precisa se mobilizar para assistir e consumir esse filmes brasileiros. É um problema que é obviamente estrutural. As redes de cinema priorizam os filmes estrangeiros. Qualquer blockbuster que vier, eles vão priorizar. A gente tem que lutar para o filme estar em cartaz”

Uma comédia dramática sobre uma mãe que espelha suas expectativas em sua filha e não enxerga de forma única o seu filho que gostaria de ter a oportunidade igual a dela: a de ser Miss. Este é o ponto de partida do novo filme de Daniel Porto, “A miss” que tem como protagonistas Pedro David, Maitê Padilha e Helga Nemetik. Este é o primeiro papel de destaque de Pedro. Para ele o grande ponto de importância do filme é não apenas a complexidade do personagem e seus desafios, mas a imperiosa necessidade de falar sobre o tema da diversidade para os jovens. “Eu acho que isso é completamente importante trazer um protagonista jovem LGBT, porque não é tão comum nos filmes brasileiros. E essa representatividade para um jovem é muito importante. A gente tem diversas produções cinematográficas brasileiras com personagens mais velhos héteros, casais héteros. Trazer personagens, figuras do universo teen para estar num filme que fala sobre essa temática com muita sensibilidade, com muito cuidado é muito importante. O simples fato de trazer um personagem jovem, gay, isso já é muito grandioso”.

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Acho que grande parte das pessoas que fazem, que produzem cinema ainda têm um medo quando se trata de trazer um personagem jovem gay num filme. O Alan, por exemplo, é menor de idade, tem 17 anos – Pedro David

Em razão da instabilidade de produções, ele fundou a própria empresa. “Hoje a gente tem uma equipe de mais de 40 pessoas trabalhando, produzindo filmes, se inscrevendo em editais, fazendo práticas, montagens, então é isso, é sobre não parar e continuar sempre”. A produtora, de Pedro, ArtiFex, é focada em cineastas jovens. Tem uma equipe majoritariamente jovem. “É uma faixa que a gente não encontra tanto no mercado, mas na universidade, então é algo que a gente precisa incentivar muito nessa parte do audiovisual”.

A gente tem uma questão que é muito complicada, porque é difícil ter essa porta para os jovens, principalmente os jovens artistas e os jovens cineastas, porque o cinema, o audiovisual no geral, ele é muito por indicação, então a galera que hoje está dirigindo filme, está fazendo assistência de direção no filme, está trabalhando em um projeto audiovisual, é uma galera que já se conhece, é uma galera que já está ali fazendo esse trabalho há muitos anos, então é difícil você chegar nesses espaços sendo jovem – Pedro David

Ainda que tenha uma carreira como influencer, Pedro é ator de formação. Estuda teatro desde muito jovem. De modo que a formação veio antes da fama. Ele pondera, então, sobre a crescente presença de influencers no mercado de trabalho. “É algo que me deixa muito triste e  que a gente infelizmente tem que passar. A gente vê constantemente pessoas pegando trabalhos por causa da aceitação, do alcance. É algo que me preocupa muito de ver que cada vez mais tem influenciadores no meio artístico”. E ele denuncia:

Tem influencers fazendo curso de dois meses de atuação já para se estar numa novela. Para mim é totalmente absurdo. Às vezes aquele influenciador nem almejava aquilo, mas está naquele lugar. É uma coisa que, na minha cabeça, não faz muito sentido e tira oportunidade de muita gente boa. Tem testes para os quais as pessoas não são sequer chamadas em razão do número de seguidores, mas o Brasil valoriza muito a cultura da sub-celebridade, do influenciador – Pedro David

Pedro David exalta o fato de haver um filme que trate sobre o assunto LGBT junto à juventude (Foto: Divulgação)

CRIAS E CRIADOS 

Alan é uma criação de Pedro David, que no longa é irmão gêmeo de Martha (Maitê Padilha). Criado com ela e a mãe, vive os dissabores de um jovem que não consegue ser ouvido. Como foi estabelecer a criação desse personagem tão distante, sob algum aspecto, da forma como o próprio artista entendeu a sua existência? “Eu acho que é um personagem que tem realmente muitas coisas em comum comigo, mas, ao mesmo tempo, tem algumas diferenças que aprendi com o filme, que eu experienciei com ele. Foi um desafio, porque eu não tenho irmãos. Então, construir essa relação de irmão foi algo muito novo para mim, mas graças a Deus foi com a Maitê Padilha, porque a gente teve de fato uma conexão de irmão. Primeiro que a gente é muito parecido fisicamente. A Maitê dizia “você é mais o meu irmão do que o meu próprio irmão”. 

Para Pedro, chegar ao ponto exato de seu personagem impeliu alguns desafios: “Ele me exigiu muito, já que passa por muitas transformações no filme. É um personagem que tem uma carga de sentimentos muito grande. Isso me fascina. Então, quando tem algum projeto, algum personagem que vai me desafiar, isso automaticamente chama a minha atenção. Primeiro porque é uma forma de eu mostrar meu trabalho como ator. É uma coisa que eu acho que todos nós artistas procuramos, não ser um ator de um personagem só. Também porque a história me encantou”. 

Com um tema familiar como pilar do filme, ele avalia a sua experiência como diferente da dele e comenta a ligação que existe entre ele e sua irmã gêmea nas telas, a atriz Maitê Padilha. “Ele tem vivências diferentes da minha, especialmente na relação com a mãe”. Se pudesse definir seu personagem de maneira sucinta, ante às suas facetas, ele diria que Alan tem “um coração gigante. É um cara amoroso, ainda que as pessoas que estão ao redor dele, o machuquem, ele tem um sentimento de amor”.

Muito se fala sobre a solidão do artista. Como é trabalhar desde criança tendo que lidar com esses conflitos? “Acho que é um pouco complicado, porque no Brasil, a gente está tendo um número maior de produções acontecendo e isso tem trazido bastante oportunidade, os teatros continuam tendo suas práticas também, tem muita gente boa, talentosa, galera seguindo carreira, principalmente nos musicais, que tiveram crescimento muito grande no Brasil. Então isso dá uma esperança para a gente. Mas é um mercado que precisa crescer muito mais, e a gente ainda se sente vazio, colocado de lado em muitos momentos. O artista passa por uma coisa muito difícil que é não ter certeza de quando a gente vai estar trabalhando. Se até grandes atores, grandes atrizes ficam às vezes sem trabalho, têm que recorrer a um outro tipo de ocupação para poder conseguir se manter… Por isso eu também me envolvi com produção, e em outras áreas”

A gente não é CLT, não tem todos os direitos trabalhistas, não tem um monte de coisa, está num trabalho que é muito atípico, e se sente muito sozinho. Eu já me senti sozinho diversas vezes. Fui pegar meu primeiro trabalho audiovisual com 15 anos, e logo depois veio a pandemia, que foi em 2019, que foi o filme “Ela disse, Ele Disse”. Só no finalzinho da pandemia tive oportunidades. Fiquei anos sem trabalhar também – Pedro David

O filme “A Miss“, por ser nacional, está numa constante disputa com os longas estrangeiros. É o que Pedro analisa. “Isso é uma questão que trouxe até a criação da lei das cotas no cinema nacional. Mas a população também precisa se mobilizar para assistir e consumir esse filmes brasileiros. É um problema que é obviamente estrutural. As redes de cinema priorizam os filmes estrangeiros. Qualquer blockbuster que vier, eles vão priorizar. A gente tem que lutar para o filme estar em cartaz”.

“As redes de cinema priorizam os filmes estrangeiros. Qualquer blockbuster que vier, eles vão priorizar. A gente tem que lutar para o filme estar em cartaz” (Foto: Divulgação)

PARA ALÉM DA(S) TELONA(S)

O primeiro papel de Pedro atrás das câmeras como roteirista e diretor foi no curta “Onde está a felicidade?”, que aborda temas como depressão e saúde mental. Da onde surgiu a inspiração para abordar esses temas tão delicados? “Esse filme é meu xodó foi produzido sem orçamento nenhum. Estávamos no meio da pandemia, e eu passando por um monte de problema na minha vida, o Lucas Peçanha – fotógrafo que também, assina o projeto, acreditou na ideia. Ainda que seja um filme que não tem a maior qualidade técnica do mundo, é um dos meus favoritos da vida por ter muita verdade nele, e eu me entreguei muito neste personagem, que tratava de questões mentais, na pandemia e isso foi muito importante a gente divulgar. Uma menina com ideações suicidas e depressivas me procurou falando que o filme mudou a vida dela. Eu fico muito feliz quando a arte tem essa função social. É algo que eu busco trazer em todo projeto que eu faço e eu fico muito emocionado quando isso dá certo, quando as coisas fluem e as pessoas assistem a um filme que produzi ou um trabalho que fiz e saem impactadas e de alguma forma isso muda a vida delas”.

Pedro relembra um de seus projetos que se colocou a discutir a questão da pessoa preta no audiovisual. “Fizemos um documentário chamado “Como é Ser Negro no Brasil“, ideia que partiu do Lucas, e eu entrei junto com ele. O filme foi um sucesso, especialmente no TikTok, com 8 milhões de visualizações. Houve quem reagisse dizendo que “racismo não existe”, ou coisas muito absurdas, que a gente ficou assim perplexo. Nosso filme promoveu esse diálogo, entre essas pessoas mais velhas. A arte tem um papel muito importante nisso”.

O artista começou na atuação criança, por incentivo da escola a estudar teatro. Seu primeiro papel no audiovisual foi com 15 anos na adaptação de “Ela disse, Ele disse” de Thalita Rebouças, longa estrelado por Maísa e Maria Clara Gueiros. “Fui muito privilegiado de ter um primeiro trabalho com tanta gente importante. O filme, me apresentou a pessoas  muito influentes, muito gigantes mesmo na indústria. Então, foi uma experiência muito incrível. Eu acho que eu não me senti tão assustado, não senti tanto medo, porque eram pessoas muito queridas, eram pessoas muito simpáticas, muito solícitas.”

INTERRELAÇÕES GERACIONAIS

Na oitava temporada de “Reis“, da Record, Pedro viveu um dos filhos do Rei Davi. Mesmo comunicando com um público jovem como foi a relação com uma geração mais madura? “Reis foi uma experiência muito incrível porque me desafiou em muitos sentidos. Eu tive que aprender a andar a cavalo, coisa que eu nunca tinha feito na vida. E aprendi também a lutar de espada. As novelas bíblicas da Record têm um estudo muito sério histórico. Foi muito rico nesse sentido. E principalmente de se colocar em outro lugar”.

Além da novela da Record, Pedro fez uma participação em “Travessia” e “Amor Perfeito“. Na primeira, novela das oito, ele estava tenso, mas foi acalmado pelo Alexandre Nero. “Ele é uma referência gigante para mim. Conversou comigo, começou a falar sobre a cena e sobre a situação. Brincou comigo em relação a algumas coisas. Então, assim, foi uma pessoa muito simpática, foi muito gostoso de trabalhar com ele”. Na outra, novela das seis, o encontro foi com a Camila Queiroz. “A gente estava gravando o primeiro capítulo da novela e Camila falava sobre as expectativas dela sobre a trama. São pessoas que eu via de longe na TV. E quando a gente conhece, vê que são pessoas muito boas e com quem é gostoso trabalhar. Eu sou muito grato por isso. Tive realmente muito privilégio de ter contracenado com figuras tão importantes do audiovisual”.

“Privilégio de ter contracenado com figuras tão importantes do audiovisual” (Foto: Divulgação)