Dama da TV na forma politicamente incorreta de criticar o mundinho das celebridades, Joan Rivers fez escola e fará falta!


Atriz fracassada que se reinventou como apresentadora de língua afiada, ela interpretou no showbizz seu melhor papel: o de crítica ferina à falta de bom senso dos famosos. Saiba o porquê!

*Por João Ker e Alexandre Schnabl

Esse ano tem sido um ano ingrato para o showbizz americano. Depois de Lauren Bacall, Robin Williams, James Garner e Mickey Rooney, pouco a pouco a vida (ou melhor, a morte) se encarrega de levar a prata da casa, transformando lendas em homenagens póstumas nas celebrações como o Oscar e o Emmy. A mais recente a entrar para a lista foi a atriz e apresentadora Joan Rivers, que faleceu na tarde desta quinta-feira (4/9) aos 81 anos, após passar uma semana internada por conta de problemas cardiológicos. A notícia foi dada pela sua filha Melissa Rivers, que já teve um programa ao lado da mãe (“Joan and Melissa: Joan Knows Best?”) e era sua fiel escudeira, sempre a acompanhando aos eventos e novas empreitadas profissionais. E, ao contrário de estrelas como Bacall e Rooney, que marcaram presença nos anais de Hollywood, ou de Robin, presença incontestável no mundo do entretenimento por quase 40 anos, Rivers é puro fruto da Sociedade do Espetáculo, não pelas suas realizações mais antigas, mas por construir uma carreira falando dos feitos dos outros ou por apoiar bandeiras levantadas por terceiros, ampliando o poder de fogo dessas aspirações.

Atualmente, Joan era mais conhecida pelo público por seu programa “Fashion Police”, veiculado no E! Entertainment, onde a apresentadora – ladeada por George Kotsiopoulos, Kelly Osbourne e Giuliana Rancic – atacava com unhas pontudas e língua ferina os “piores” looks que passavam pelos tapetes vermelhos, fazendo a linha “maldita divertida” que todo mundo ama. E, em era do culto absoluto às celebridades, transformando em famosa, da noite para o dia, gente que tinha tudo para continuar no anonimato, Joan Rivers – que começou a fazer sucesso para valer quando já estava para entrar no clube da terceira idade – é responsável por pelo menos dois feitos e tanto: o primeiro, obviamente, é ela mesma se tornar celebrity depois da maturidade, coisa rara em uma sociedade que se alimenta de testosterona, frescor juvenil e sex appeal.

A segunda e igualmente prodigiosa façanha é ter deitado na fama justamente usando as mesmas armas com que a indústria da comunicação incensa carreiras e sepulta outras: participando ativamente das engrenagens que fazem o universo dos famosos ser uma das mais poderosas forças midiáticas do planeta, capaz de dar visibilidade a todo tipo de produto e a vender muito. Ao abdicar de uma mal sucedida (e bissexta) carreira como atriz sobretudo na televisão para se tornar a implacável dama de críticas contundentes ao tapete vermelho, ela se tornou artífice de um tipo de jornalismo de celebridade na televisão que se tornou copiado no mundo inteiro. E, para isso, ela precisou verter a si própria em um desses personagens célebres, repleto de glamour, inúmeras plásticas (nem sempre bem sucedidas, algumas poderiam até ter lhe rendido um parentesco forçado com Amanda Lepore ou a Duquesa de Alba) e observações ácidas, se tornando personagem folclórico. Tudo naquele mais genuíno padrão de excelência com que a fábrica de personalidades alça curiosidades de quermesse ao estrelato, mesmo que ninguém – quase absolutamente ninguém – conheça exatamente o percurso de vida da apresentadora e o que ela fez de relevante antes de se tornar, digamos, Joan Rivers!

Joan Rivers interpretando a si mesma no programa de comédia ‘Louis C.K.’: “O que nós fazemos é um chamado. Nós fazemos as pessoas rirem”

Para constatar isso, basta ver o documentário “A Piece Of Work para entender como a mais visível porção de Joan, a de comentarista afiada, era apenas uma dentre as muitas facetas que ela espertamente oferecia ao público. Mas, mesmo sendo odiada por muitos, nada a amedrontava, destilando litros de críticas até mesmo à gente graúda como Elton John, Rainha Elizabeth, Madonna, Yoko Ono e quem mais lhe desse na telha, da mesma forma com que detonava wannabes candidatos ao Hall of Fame. Sim, parte da sua notoriedade vem do fato de, como um Dom Quixote do bom senso, não ter receio algum de empunhar sua lança em direção a moinhos tão sólidos no reino do showbizz que mais ninguém ousaria atacar.

Mas, apesar de aparentemente ser uma pessoa detestável, Joan era a personificação dessa sátira desenfreada ao ridículo a que os famosos se prestam para continuarem sendo o que são, custe o que custar. Apesar de estar no pódio, ela assumia ares de quem não se leva a sério, mesmo com mais de 50 anos de carreira na tevê. Mas como só deslanchou na virada dos 1990 e uma teve trajetória de altos e baixos, deve ter aprendido a lidar com a questão do estrelato de forma mais madura, ocupando até o final o posto de comediante irreverente que faz críticas à vida mundana.

Na bancada do The View: "Eu não acho que ele seja um cara legal - vamos começar por aí. E ele também odeia judeus, mulheres, todo mundo. Então não vamos defender Mel Gibson" (Imagem:  Buzfeed)

Na bancada do The View: “Eu não acho que ele seja um cara legal – vamos começar por aí. E ele também odeia judeus, mulheres, todo mundo. Então não vamos defender Mel Gibson” (Imagem: Buzfeed)

A princípio Joan Rivers pode até ser encarada como apenas uma senhora fútil com olhos de hárpia. Mas ela era muito mais do que meramente venenosa: foi feminista que sempre questionou as relações de poder entre os gêneros e a liberdade sexual da mulher; uma grande apoiadora da causa LGBT desde o final dos anos 1980, quando levava regularmente drag queens ao vespertinoThe Joan Rivers Show”corajosa por nunca ter se intimidado com celebridades, lançando as perguntas mais escandalosas nas coberturas que fazia em premiações televisionadas (Tom Cruise, por sinal, era um dos que corriam para longe quando a avistavam); e, acima de tudo, ela não zombava apenas dos famosos, mas de si mesma, revelando ter a fina clareza de que também fazia parte, enquanto personagem, do panteão de figuraças célebres que mereciam uma espetadela.

E não é por falta de vontade que a mídia deixava de satirizar sua idade ou atacá-la em suas várias cirurgias plásticas. Era simples falta de timing: antes que alguém pudesse proferir uma gracinha, ela já havia feito o serviço antes, sacando sua língua do coldre e se autoironizando com máximas como: “Minha vagina está tão seca que eu fui tomar banho e a água toda foi sugada para dentro”.

Parece que 22 Robin Hoods gays atiraram nela (Imagem: Buzzfeed)

Parece que 22 Robin Hoods gays atiraram nela (Imagem: Buzzfeed)

Também escritora de sucesso, recentemente lançou seu 12º livro, “Diary Of A Mad Diva (“Diário de uma diva maluca”, em tradução livre). Ao fazer a habitual ronda de divulgação do trabalho, Joan simplesmente abandonou uma entrevista com a CNN pela metade, ao vivo, por achar que as perguntas eram muito preconceituosas. Ela também já discutiu pelo Twitter com Rihanna, quando a pop star reatou com Chris Brown (ofensas do tipo “estúpida” e “mau exemplo” foram apenas o começo dos comentários). E foi ela quem chamou Justin Bieber de mini-lésbica e fez piadinhas com tudo, de aborto e nazismo ao “intocável” 11 de setembro e o suicídio do próprio marido.

Pioneira quando se trata de amplificar suas observações afiadas ao gigantesco potencial das mídias sociais em um mundo globalizado, sua irreverência segue mesma a acidez de mulheres que não tiveram papas na língua como Mae West, Dorothy Parker e, no Brasil, Dercy Gonçalves, levando sua energia até a reta final e provando que existe vida após a morte da juventude. Há apenas algumas semanas atrás ela estava fumando maconha em rede nacional! A partir de agora, as coberturas do red carpet jamais serão iguais e não é à toa que o Fashion Police” foi suspenso: o resto da bancada não teria o mesmo colhão de continuar seu legado. Em época de opiniões plastificadas sob a enfadonha embalagem do politicamente correto, Joan fará falta.

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(Imagem: Buzzfeed)