Emicida sofre racismo, lamenta “isso ainda ser tão normal”, e HT lembra que de Lázaro Ramos a Preta Gil, os casos são – infelizmente – recorrentes


Da casa lotérica ao ponto de táxi, Emicida e o amigo Djose sofreram o preconceito na pele. O rapper narrou a história e comparou a outros mestres da música: “no final, a gente era só dois pretinhos e como Gil e Caetano cantaram em Haiti, todos sabem como se tratam os pretos”

Emicida e Djose, fortes expoentes do rap brasileiro, foram, assim como milhares de outros negros, vítimas de preconceito nesta terça-feira (21). Emicida tirou o dia de ontem para pagar contas em uma lotérica e lá tudo começou. Uma das atendentes questionou o fato de Djose estar de boné. “Por que ele está escondendo o rosto?”, questionou. Detalhe: mais três pessoas – não negras – estavam de boné no mesmo local. Dali, Emicida e Djose foram ao escritório assinar documentos (ele vai voltar a rodar a Europa para shows). Para agilizar o percurso, resolveram pegar um táxi. Entre selfies, autógrafos e elogios de fãs, Emicida tentou, tentou, tentou, e não conseguiu um carro disponível.

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(Foto: Divulgação)

O próprio narrou a saga. “Djose acena pro primeiro que passa, ele diminui a velocidade, olha bem pros dois pretos e acelera de novo como se não tivesse nos visto. O segundo táxi que vem, idem, avalia o freguês e acelera de novo. Aí já ficamos mais sérios. Deixou de ser uma piada”, contou. Na sequência, resolveram seguir para um ponto de táxi. Assim não haveria erro. Ledo engano. “Viro pro taxista, mando meu ‘boa tarde’ e pergunto se o táxi dele está livre, ele atua no procedimento padrão: ‘pra onde você vai?’. Respondo o bairro e ele destrava a portas. Entramos e sentamos no banco traseiro, ele nem liga o carro, vira e diz que não podem ir duas pessoas no banco traseiro. Eu pergunto de onde ele tirou isso e me responde que é assim mesmo”, narrou.

Emicida e Djose se recusaram a um dos dois ir no banco da frente, e o taxista voltou à pergunta já respondida: “qual o endereço exato de onde vocês vão?”. “Eu no auge da minha paciência digo o endereço e ele repete: ‘agora um dos dois passa pra frente’. Nos recusamos novamente e pergunto: ‘qual o problema?’. Ele me pergunta o endereço exato novamente. Eu pergunto qual o problema outra vez. Ele vira, se nega a nos levar e silêncio. Dei umas xingadas e desci do carro”. Dali, a dupla continuou buscando um veículo debatendo, como nas palavras de Emicida, “é foda isso ainda ser tão normal”. A moral da história? “Depois de ter tirado fotos, ter saído de uma entrevista, indo renovar o passaporte pra tocar na gringa outra vez, com a cara na capa da revista e tudo mais. Nada importa. O taxista não era fã de rap. No final, nós éramos só dois pretinhos e como Gil e Caetano cantaram em Haiti, todos sabem como se tratam os pretos”.

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(Foto: Divulgação/Enio Cesar)

O episódio, triste e infelizmente ainda recorrente, não é fato isolado. De Lázaro Ramos a Preta Gil, passando por Thalma de Freitas e Glória Maria, muitos negros famosos que conhecemos já passaram por isso. A atriz Thalma de Freitas foi levada a uma delegacia por engano depois de ser abordada saindo da casa de uma amiga. “Fui parada numa dura, saindo da casa da minha amiga Dani no [Morro do] Vidigal. Revistaram minha bolsa, não acharam nada e me trouxeram para a delegacia”, contou. Os policiais do caso foram autuados por abuso de autoridade. Já Gloria Maria, a primeira repórter negra da TV brasileira, foi barrada na porta de um hotel de luxo na capital carioca. “Tive que enfrentar muitas barreiras e obstáculos para conseguir as coisas. Tudo é mais difícil para um negro. Você tem que provar 100 vezes que você é o melhor. É cansativo, duro, doloroso. Se você não tiver uma força extraordinária, não consegue passar por isso. Mas eu vim ao mundo para lutar. Sou uma guerreira!”, disse ao”EGO”.

Lázaro Ramos, por sua vez, já narrou, no “Marília Gabriela Entrevista”, que passou por episódios parecidos antes da fama. “Sofri diversas vezes. Algumas delas de uma maneira mais explícita e outras de uma maneira que entendi depois. Por exemplo, eu tive a minha primeira namorada aos 17 anos, eu sempre fui o melhor amigo. Eu estudava em colégios particulares que tinham, em sua maioria, pessoas brancas, e eu tinha muita dificuldade em me relacionar”. Caso pior quem enfrentou foi Preta Gil. No “CQC”, o deputado federal Jair Bolsonaro respondeu que não discutiria “promiscuidade” ao ser questionado por Preta Gil sobre como reagiria caso o filho namorasse uma mulher negra. “Advogado acionado, sou uma mulher negra, forte e irei até o fim contra esse deputado, racista, homofóbico, nojento”, escreveu Preta à época.

A atriz Taís Araújo já chegou a declarar ao “Vírgula”  sobre como era difícil convencer o namorado branco da triste realidade do negro. “Qual negro que não sofre com preconceito nesse país?! Meu namorado é branco, e ele fala que não é bem assim, que não há tanto preconceito. Só que eu digo pra ele: ‘se um dia eu tiver um filho com você, o nosso filho vai ser negro. E aí sim você vai sentir na pele esse preconceito. Só sentindo na pele pra saber’. Dizem que, hoje em dia, está melhor, diminuiu bastante o preconceito. Porém, o dia que você nascer negro, ter um filho negro, vai saber como é. É duro, mas estamos aí, batalhando, na luta”. Mais recentemente, Maria Júlia Coutinho, nova garota do tempo do “Jornal Nacional”, passou um triste caso de racismo que ganhou os holofotes. A página do “JN” na internet postou um vídeo da uma previsão apresentada por Maju e foi infestada de comentários racistas.  Um dos internautas disse: “vai se f@#$% sua feiosa, vaza da tv forçada demais”. Ela se manifestou ao vivo: “os cães ladram e a caravana passa”.