*Por Júnior de Paula
Jorge Bispo é um dos principais fotógrafos do país, requisitado para campanhas internacionais, retratista top de linha e amado por todo o alto clero das artes brasileiras, além de um amigo dos melhores para se ter por perto. O cara poderia se acomodar e ficar sentadinho lá no topo para o resto da vida, mas ele quer mais. Depois do sucesso do projeto Apartamento 302, que começou despretensiosamente na internet, onde o fotógrafo clica mulheres nuas ou seminuas sem nenhum pudor de tipo físico, raça, credo ou orientação sexual, mostrando a beleza feminina sem retoques ou amarras de padrão, Jorge deu um passo à frente no ano passado ao lançar o livro do mesmo projeto, apoiado pelo financiamento coletivo. Não satisfeito, ele agora se prepara para lançar o programa de TV 302, no Canal Brasil, com direção de Daniela Gleiser e Joana Jabace com estreia agendada para o próximo dia 20, à meia-noite. Detalhe: com música original feita por Silva. Para falar sobre isso e sobre tanto mais, convidamos Bispo para um papinho que vocês podem começar a ler agora:
– Como rolou a ideia do projeto (ainda antes do programa) e o que mudou nele do início até hoje?
– O Apartamento 302 nasceu naturalmente. Sempre cliquei em casa e o nu era um tema frequente. Depois de um tempo, notei que era em uma parede específica que clicava os nus e que eles tinham uma unidade. Assim, com o incentivo da minha assistente, Manuela, resolvemos organizar esses nus e eu passei a convocar mulheres para virem posar. Daí fiz um blog que depois virou um livro feito por financiamento coletivo e que agora gerou um programa de TV.
– Como foi a ideia de transformar isso em um programa de TV e como ele vai ser?
– Recebi o convite da produtora Dafina através do sócio David Butter. Eles queriam fazer um programa baseado no 302, mas não tinham ainda um perfil definido do que seria. Juntos, decidimos pela única alternativa que me faria aceitar: um doc sobre as mulheres que posaram. São 26 episódios e cada um deles nos apresenta uma mulher que foi posar no 302. E, através da foto, as mulheres falam o porquê de terem feito aquilo e o que mudou na vida delas. Com isso, se estabelece uma conversa franca sobre feminismo, violência contra mulher, auto-estima, nudez, sexualidade, estupro, vaidade, beleza, preconceito…
– A sociedade está cada vez mais careta. O 302 pode também ser encarado como um grito contra esse excesso de pudor reinante?
– Acho que, de alguma forma, sim. Mas não acho que seja o tema principal do projeto. Meu próximo trabalho é sobre isso. Quero falar de sexo sem pudor e já comecei a traçar um caminho para isso.
– Consegue fazer uma análise pela sua experiência com as mulheres fotografadas sobre as imposições estéticas do mundo contemporâneo? Temos uma geração de oprimidas ou mais confortáveis com o corpo? Como elas lidam com as “imperfeições” expostas?
– Acho que o patrulhamento é geral hoje em dia, e mais cruel ainda contra a mulher. Mas, pelo 302, vejo que existe uma corrente muito forte de mulheres e feministas lutando contra esses padrões. Você vê mulheres assumindo suas imperfeições, seus pêlos, seus filhos, seus peitos.
– Muitas pessoas poderiam olhar para a ideia do 302 como um projeto para homens, mas ele se transformou no oposto disso. Quase um manifesto feminista. Você sempre teve essa intenção ou foi durante o processo? Você é um feminista? Como você vê a mulher?
– Isso aconteceu naturalmente durante o processo. Do momento em que eu decidi que ia clicar qualquer mulher que quisesse posar, isso de alguma forma ficou estabelecido. Eu vejo beleza em todas as fotos. Eu sou a favor da individualidade e liberdade. E a favor que a mulher possa assumir seu corpo e seu prazer da maneira que quiser. Se isso é ser feminista, talvez eu seja. A mulher move o mundo.
– Qual a diferença entre o site, o livro e a série? E o que eles têm em comum?
– O site era algo como um work in progress, as pessoas acompanhavam, esperavam e comentavam sobre as mulheres. O livro é o blog editado, pensado em uma plataforma física. E o programa é uma espécie de prólogo do projeto, que no fim gerou uma foto. Em comum, eles têm algumas mulheres e toda a parte visual. No programa de TV, por exemplo, quando as cenas são dentro do apartamento, as imagens são em preto e branco. O DNA do livro permanece.
Abertura do programa “Apartamento 302”
– Com é trabalhar com a Dani Gleiser, que também é sua melhor amiga. Que elementos ela trouxe para o projeto?
– É uma sorte imensa. Sem ela eu não me sentiria seguro. Nunca imaginei o programa sem a Dani. Com a liberação da Globo, ela ainda trouxe a Joana Jabace para ajudar na direção. Elas trouxeram a experiência enorme que têm em TV e o toque feminino que foi fundamental.
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