Sophie Charlotte: na pele de Gal Costa em filme, atriz mostra maturidade e revela segredos e semelhanças com cantora


Em ‘Meu nome é Gal’, cinebiografia que estreia nesta quinta-feira (12) sobre Gal Costa, que nos deixou ano passado, Sophie encanta, e ora canta, ora dubla uma das maiores intérpretes da música brasileira. Nesta conversa, ela fala com satisfação do processo do filme, divide impressões e sentimentos. A atriz também revela que se identifica com Gal para além das semelhanças físicas em determinada época. “Esse espaço que ela se autorizou bancar, de privacidade, também é precioso para mim. Não é um distanciamento do público, mas um espaço entre a Sophie mãe, mulher, do que eu acho mais simples, comum, e do que estou querendo colocar através do meu trabalho. Existe um lugar que me permito, que comunga com essa ideia que a Gal sempre teve. Não é exclusivamente uma questão de timidez, mas uma escolha, que diz muita coisa na verdade”

Sophie Charlotte encarna Gal Costa em cinebiografia com emoção e energia similar à cantora

*Por Brunna Condini

Ao longo de 57 anos de carreira Gal Costa (1945-2022) manteve a artista luminosa na frente e a intimidade da pessoa reservada longe dos holofotes. Sophie Charlotte, sua intérprete na cinebiografia ‘Meu Nome é Gal‘, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (12), se identifica neste sentido. Parece que as duas têm mesmo mais em comum que algumas semelhanças físicas. “O que ela achava que deviam saber era da sua música: “Meu amor é a música”, dizia. Estava tudo ali, na música, todas as bandeiras que acreditava. Esse espaço que ela se autorizou bancar, de privacidade, também é precioso para mim. Não é um distanciamento do público, mas um espaço entre a Sophie mãe, mulher, do que eu acho mais simples, comum, e do que estou querendo colocar através do meu trabalho. Existe um lugar que me permito, que comunga com essa ideia que a Gal sempre teve. Não é exclusivamente uma questão de timidez, mas uma escolha, que diz muita coisa na verdade”, revela Sophie, em entrevista exclusiva ao site. E acrescenta: “É você desenhar o diálogo com o seu público e com a imprensa de uma forma clara, honesta, de ter reservado esse espaço para falar do seu trabalho, sem precisar completar todas as lacunas de curiosidades das pessoas”, completa a atriz que em breve estará no remake de ‘Renascer‘.

Sophie Charlotte encarna Gal Costa em cinebiografia com emoção e energia similar à cantora (Foto: Stella Carvalho)

Sophie Charlotte encarna Gal Costa em cinebiografia com emoção e energia similar à cantora (Foto: Stella Carvalho)

Após a morte de Gal, em novembro do ano passado, aos 77 anos, a expectativa em torno do longa-metragem de Dandara Ferreira e Lô Politi aumentou. Com recorte centrado nos cinco primeiros anos da trajetória da artista, quando deixou a Bahia rumo ao Rio de Janeiro, em 1966, buscando desenvolver sua expressão artística; o filme traz Sophie, que tal qual Gal – com direito à rima providencial e musical, combina bem aqui – experimenta uma liberdade em cena gostosa de assistir. Nesta entrevista por vídeo, era perceptível uma Gal viva em Sophie ainda: do brilho raro à uma energia de presença. “Quando as filmagens acabaram, fiquei pensando como seguiria sem essa ‘parceira’, sem ser ‘pelos olhos da Gal’. Fiquei com medo de ficar muito saudosa, muito sozinha depois de tanta coletividade, mas aí descobri outras formas de manter isso em mim. Minha pesquisa não acabou, continuo me interessando pela Gal, por esse momento da nossa cultura, pela Tropicália, por todos eles”.

Continuo me alimentando dos fãs clubes da Gal, que são muito ativos nas redes e têm sido muito amorosos comigo. E estão sempre apresentando coisas inéditas, lindas – Sophie Charlotte

Gal Costa e Sophie Charlotte em um dos encontros que tiveram (Foto: Reprodução/ Instagram)

Gal Costa e Sophie Charlotte em um dos encontros que tiveram (Foto: Reprodução/ Instagram)

A atriz deu vida à a cantora com a chancela da própria. “A ideia de que eu fizesse a Gal veio da Dandara (que também interpreta Maria Bethânia na história) em uma espécie de insight, porque nem sabia que eu cantava. Ela compartilhou isso com Lô Polite e as duas levaram meu nome para a Gal, que de imediato gostou e já disse como achava parecida a questão do olhar, jeito e até do timbre, o que muito me honra, imagina. Fico verdadeiramente lisonjeada, porque ela é imensa, então qualquer tipo de justaposição com Gal é da maior honraria possível”.

E recorda ainda: “Tive a alegria de encontrá-la algumas vezes. Fui a muitos shows, saímos para almoçar e jantar. A Gal sempre muito amorosa, doce, simples. Não eram encontros de entrevistas para o filme, mas para estar na presença dela. E entender um pouco até esses contrastes, de uma artista, persona, tão potente, expansiva no palco, convivendo com sua simplicidade, seu dengo na privacidade. Me identifico, também penso sobre isso”.

Posso dizer que nos encontros que tive com Gal ela me iluminou – Sophie Charlotte

Sophie e Gal: "Ela me iluminou" (Foto: Reprodução/ Instagram)

Sophie e Gal: “Ela me iluminou” (Foto: Reprodução/ Instagram)

O filme

Nascida em Salvador, Gal deixa a cidade aos 20 anos para tentar a carreira de cantora no Rio de Janeiro. Lá, reencontra os amigos Caetano Veloso (Rodrigo Lelis), Dedé Gadelha (então mulher do cantor, vivida por Camila Mardila), Gilberto Gil (Dan Ferreira) e Maria Bethânia (Dandara Ferreira), e inicia sua trajetória como uma das maiores cantoras do país.  “O filme retrata um período curto, mas que significa muito na trajetória dela. Engloba da sua chegada como essa cantora que cantava Bossa Nova até se tornar a Gal do ‘Fa-Tal’ (‘Fa-Tal – Gal a Todo Vapor’ é um álbum ao vivo da cantora lançado em 1971). A história aponta para muita coisa, para essa explosão que ela foi nos anos seguintes”.

Sophie Charlotte encarna Gal Costa em cinebiografia com emoção e energia similar à cantora

Já têm críticas analisando o filme e dizendo que a Gal merecia uma história maior, que fizesse mais jus à sua importância para a cultura brasileira, o que pensa disso? “Fazer cinema também é fazer escolhas. Tem gente que acha que o recorte nesses cinco anos possibilitou uma profundidade maior, que foi um ponto de vista melhor do que fazer um recorte maior de uma artista que teve trajetória tão ampla. Mas, as pessoas devem ter a liberdade de achar o que quiserem. Gosto do filme que fizemos, gosto do que assisti nas pré-estreias e quero muito ver como o público vai receber. Tenham certeza que as diretoras, nós atores, demos o nosso melhor para o resultado que vão assistir”.

A atriz nos bastidores: "Fiquei com medo de ficar muito saudosa, muito sozinha depois de tanta coletividade, brilho" (Foto: Reprodução/ Instagram0

A atriz nos bastidores: “Fiquei com medo de ficar muito saudosa, muito sozinha depois de tanta coletividade, brilho” (Foto: Reprodução/ Instagram0

Liberdade e voz

Sophie salienta que o longa é uma homenagem à intérprete. “O que ela viveu naquele momento foi livre, estimulante, com aquele grupo artístico. Porque o país estava em seu pior período (enfrentando a ditadura militar). Então, imagina quanta resistência, firmeza de atitude para você bancar seu brilho, sua brasilidade. Para mim foi um bônus de juventude (risos). Não sou tão nova quanto a Gal era quando chegou aqui (20 anos). Aproveitei cada momento”, frisa a atriz de 34 anos.

No filme assistimos momentos em que a atriz canta Gal e, em outros, a dubla em canções emblemáticas como ‘Vaca Profana‘. “O maior desafio foi tentar me aproximar dessa voz de  ‘cristal’ dela. Algo inatingível, impossível, ainda assim era um desejo poder homenageá-la. Trabalhei dia e noite para fazer o melhor que consegui neste sentido. Foi uma preparação em muitas etapas e com uma pandemia no meio. Neste período, era o tempo todo a voz de Gal presente, no fone, vivendo, cozinhando, tomando banho, e a busca das subjetividades dela, na respiração, nas escolhas, pistas do que acontecia neste universo interno. E também uma criação livre nossa, no sentido tropicalista, de encontrar essa turma…ela tinha tantos amigos que são ídolos da nossa música, portanto foi uma responsa coletiva nossa como criadores”.

“O que ela viveu foi livre, estimulante" (Foto: Divulgação)

“O que ela viveu foi livre, estimulante” (Foto: Divulgação)

 A trupe da Sophie

Se pudesse ter um coletivo artístico como o que foi estimulante para Gal desabrochar, quem estaria nele? “Ah, se pudesse ter gente de todos os tempos, lugares, posso dizer que adoraria ter conhecido a Carmen Miranda (1909-1955). Também queria muito ter convivido nessas ‘Dunas do Barato’ ( trecho conhecido como ‘Dunas da Gal’, em frente à Rua Teixeira de Melo, ganhou esse apelido na década de 1970, como um ponto de encontro cultural), com a Gal, Wally Salomão (1943-2003). E sou apaixonada pelo Caetano, Gil, Bethânia, Milton Nascimento, tento ir a todos os shows possíveis, mas já pensou ser amiga? Participar dessa turma?”, se entusiasma.

Gal Costa na praia de Ipanema na década de 1970 (Foto: Divulgação)

Gal Costa na praia de Ipanema na década de 1970 (Foto: Divulgação)

“E têm os meus amigos que desejaria que estivessem, parceiras como a Regina Casé e a Letícia Colin. Minhas amigas Thaila Ayla, Fiorella Mattheis, Caroline Figueiredo, a Luisa Arraes , que montou uma banda, está lançando um filme seu . Também tem a Céu, que admiro muito; o Matheus Souza que já me dirigiu. Difícil essa seleção, tem muita gente mesmo que eu gostaria que estivesse nesse grupo. Se tivesse que colocar todo mundo em um lugar, teria que ser muito grande (risos)”.