“Rodência e o dente da princesa”: simplista, pode ser o retorno à genuína infância em era de bole-bole geral!


A co-produção entre Argentina e Peru traz a exuberância da selva tropical em desenho animado que resgata valores de uma sociedade não contaminada por mulheres-fruta, BBBs e Robocops sangrentos!

Em época quando as crianças cada vez mais se sentem adultos, “Rodência e o dente da princesa”, o desenho animado que é co-produção entre Peru e Argentina com direção do portenho David Brisbano, pode ser considerado um alento. Com estréia nesta sexta e em circuito em todo o Brasil, ele narra a epopeia ingênua de um grupo de ratinhos, do mágico reino de Rodência encravado na selva peruana, para encontrar um dente de princesa humana capaz de livrá-los da ameaça de um bando de ratazanas comandadas pelo vilão Rotex. A história linear, com personagens maniqueístas e estrutura de roteiro simples, é perfeita para agradar as crianças de faixas etárias menores – que, assim como o feudo que dá nome ao filme, talvez sejam o último baluarte de defesa da verdadeira infância nos tempos atuais, já que, quando ficam maiores, é quase tarefa impossível impedir que sejam contaminadas pela exposição midiática do sexo, da violência e da banalidade midiática.

Rodencia: colorido deslumbrante em desenho maniqueísta (Fotos: Divulgação)

Rodencia: colorido deslumbrante em desenho maniqueísta (Fotos: Divulgação)

É nesta questão que reside tanto a principal qualidade do cartoon quanto sua fraqueza. O argumento, que contrapõe ratinhos brancos com nomes de queijos (Brie, Edam, Rocquefort e Gruyère em uma cultura que evoca a estética dos povos pré-colombianos) a enormes ratazanas cinzentas (com armaduras inspiradas nos uniformes dos colonizadores espanhóis), convence aliado à exuberância do colorido os pimpolhos da mais tenra idade por sua pureza repleta de boas intenções, mas é bastante ingênuo para cativar os maiores, não apenas pela história, mas pela forma como as personalidades dos personagens são apresentadas, todos com aquele jeitinho exagerado de desenho animado antigo, que hoje parece datado. Apesar da riqueza na concepção visual, falta eloquência nos diálogos, e os adolescentes ou pais que acompanharem seus filhos ao cinema não conseguirão se envolver com o conteúdo, exceto pela direção de arte esfuziante e um 3D de primeira, possivelmente um dos orgulhos dessa realização em parceria dos estúdios Vista Sur Films (Argentina) com Red Post Animation (Peru).

Como afinal se deixar se levar por um roteiro tão simplório, mais pertinente aos antigos desenhos da TV Globinho exibidos nas manhãs do que àqueles que costumam estar em cartaz nas salas de exibição, acostumadas a apresentar produções com temáticas que contemplam tanto a criancice de quem ainda é pequeno como evocam a de quem já passou desta, como nos longa-metragens da Pixar? Em “Rodência”, falta um pouco dessa malícia que estabelece elo entre a aventura fantástica que está em primeiro plano com aqueles questionamentos contemporâneos, como se vê nas produções da empresa englobada pela Disney, acostumada a maquiar sob a primazia da computação gráfica dúvidas que permeiam o dia a dia de adultos de qualquer idade. Infelizmente, as comparações nessa linha de análise são inevitáveis. Em “Toy Story”, os brinquedos que ganham vida (na cabeça da criança) lutam desesperadamente pelo abandono, já que seu dono cresceu e adquiriu novos interesses na vida. Em “Ratatouille”, um ratinho chef de cuisine lida com as agruras de um restaurante decadente e de um crítico de gastronomia implacável com a mesma sutileza criativa de quem evoca sabores do passado, resgatando memórias afetivas com uma garfada. “Up – altas aventuras” trata de questões sensíveis como a solidão na velhice e a não-realização dos sonhos da juventude.  E até “Os Incríveis” é muito mais um filme sobre como não sucumbir ao desejo vazio de ser celebridade em uma sociedade do espetáculo, ao invés de lidar com as relações da vida em família, esta sim, tarefa quase impossível, muito mais difícil do que salvar o mundo.

O protagonista Edam: falta-lhe malícia contemporânea, mas talvez resida aí o charme do desenho (Foto: Divulgação)

O protagonista Edam: falta-lhe malícia contemporânea, mas talvez resida aí o charme do desenho (Foto: Divulgação)

“Rodência e o dente da princesa” não traz qualquer questionamento pertinente aos dias atuais. É simples divertimento por si só, um desenho meticulosamente bem elaborado, perfeito em seu aspecto formal e gostoso de ver. Mas não se propõe a elucidar nenhuma mazela da natureza humana, nem traz nada de novo em sua concepção, a não ser pelo fato de reforçar a busca por uma temática que volta à verdadeira infância. Talvez neste aspecto ele seja mágico mesmo. Seu caráter subversivo pode ser somente esse: o de pretender evocar aqueles valores que se perderam na complexidade da tecnologia da informação, quando é impossível impedir as crianças de crescerem antes do tempo devido ao acesso contínuo ao mundo globalizado. E, claro, pelo fato de, por ser uma deslumbrante produção sul-americana, revelar novos olhares para este tipo de entretenimento. Assim, na busca dos personagens pelo tal dente de princesa esteja possivelmente a alusão a esse resgate. Por isso, vale a pena ser visto.

Assista o trailer: