O Rio de Janeiro é o personagem principal de “Rio, eu te amo” (Conspiração Filmes, Bossa Nova Films e outros, distribuição Warner Bros, 2014), a terceira realização da série “Cities of Love” que estreia no Brasil nesta quinta-feira (11/9) e chega em seguida aos cinemas do mundo inteiro, depois de “Paris, je t’aime” (2006) e “New York, I Love You” (2008), com mais duas a caminho (Xangai e Jerusalém, em produção). Como seus antecessores, trata-se de uma ode de amor a uma cidade, onde curta-metragens de diversos diretores com elencos diferentes se entrelaçam através de uma costura, formando um painel que revela tanto as diferentes formas de amar naquela urbe, quanto o amor incondicional por ela em si.
Como seus antecessores, um time de bambas, entre cineastas, elenco e equipe técnica, – profissionais brasileiros e estrangeiros, alguns habituês do Rio como Vincent Cassel, na vida real figurinha fácil no Baixo Gávea e agora no papel de um escultor de areia que mora no morro -, filmaram em locações, em sua maioria externas, pequenas pérolas que trazem ao público situações que retratam a paixão na e pela Cidade-Maravilha. Lugares emblemáticos como a Lapa, Teatro Municipal, Joatinga, Praia da Barra, Praia Vermelha, Urca, Pão de Açúcar, Cristo Redentor, Copacabana, Cinelândia, Capela dos Esquilos na Floresta da Tijuca, Joatinga, Estação da Leopoldina e Favela do Vidigal contracenam com os atores, em resultado que faz da urbe poderosa força motora já na abertura do longa, com as vista aérea que percorre a cidade, como só é possível ver de avião, quando se vem do sul, tudo sublinhado pela música de Gilberto Gil, que assina a canção-tema.
Ou ainda no meio do filme, no delicioso momento em que o personagem de Wagner Moura, indignado com a situação geral do Rio e a fim de dar um passa-fora daqueles no Cristo Redentor, pega uma improvável asa delta para discutir de igual para igual com ele, olho no olho. Após partir de São Conrado, ele circula praticamente por sobre a metrópole inteira, revelando paisagens que vão do Silvestre à Lagoa Rodrigo de Freitas, da Zona Sul carioca à vista que se tem do Centro e da Zona Norte, lá do alto de Santa Teresa. Uma licença poética, já que é um percurso absurdamente lindo, mas muito longo para ser feito dessa forma, tendo a função de revelar que maravilha é a cidade que, assim como sua vida própria no filme, na realidade sobrevive impávida, voluntariosa e imponente ao descaso dos governantes.
Esse episódio dirigido por José Padilha, “Inútil Paisagem”, é um sopro de alento, em período próximo às eleições presidenciais, federais e estaduais, quando as escassas opções de candidatos com passado impoluto e desejo real de mudanças desiludem eleitores da mesma forma que o carioca interpretado por Wagner Moura que, diante da vontade de ver o Rio (e o Brasil) mudar, solta a seguinte máxima para a Estátua do Cristo, dando uma banana: “Pode ficar com sua Olimpíada!”.
Sim, o lançamento do filme não poderia ser mais oportuno para que os cariocas – que costumam assumir uma postura meio blasê diante das adversidades, desdenhando de tudo, mas deixando sempre como está – arregacem as mangas e, inspirados pelo longa, pensem duas vezes antes de votar em candidatos estranhos, desde aqueles do mais alto escalão (que fazem questão de levar o Rio à bancarrota) àqueles dignos de compor um episódio do filme, gente pitoresca de nomes curiosos como Ana do Tempero, ET, Marcelo Trio Elétrico ou Chico Borracheiro.
Cineastas brasileiros que se lançaram após a retomada e têm projeção atual no estrangeiro, como José Padilha, Fernando Meirelles, Vicente Amorim, Carlos Saldanha (em sua primeira incursão live action, mas na qual soube fazer a passagem de cartoon para carne e osso através de bela tela chinesa) e Andrucha Waddington se revezam por trás das câmeras com estrangeiros que têm andado na ribalta, como Paolo Sorrentino, vencedor do Oscar de ‘Melhor Filme Estrangeiro’ por “A Grande Beleza” (La Grande Bellezza, Indigo Filme e outros, 2013), em história de humor negro que brinca com a banalidade do amor desgastado após longa relação, “Grumari”, estrelado por Basil Hoffman (“O Artista”, “A Caixa”, “Um Espírito Baixou em Mim”) e Emily Mortimer (“A Invenção de Hugo Cabret” e “A Pantera Cor de Rosa”), ambosdeliciosos. E atores comumente vistos em super produções hollywodianas, como Harvey Keitel, Jason Isaacks e John Turturro (que também dirige “Quando não há mais amor”, com a ex-senhora Johnny Depp Vanessa Paradis), contracenam com astros da dramaturgia nacional como Laura Neiva, Land Vieira e Claudia Abreu.
E, óbvio, profissionais que costumam dar expediente na telona, como Fernanda Montenegro, Roberta Rodrigues, Regina Casé, Caio Junqueira, Stepan Nercessian, Hugo Carvana e Rodrigo Santoro se unem a outros de presença mais bissexta no cinemão, como Cléo Pires, Marcio Garcia e Débora Nascimento, ou novatos na tela grande, como Bruna Linzmeyer.
Difícil apontar destaques – sobretudo neste tipo de estrutura de produção, onde todos tem o seu quinhão de presença -, mas seria injusto não mencionar Michel Melamed (sensacional!) como o motorista de táxi que sofre de dor de cotovelo, o casal homossexual sob a batuta de Marcelo Serrado e Ryan Kwanter (o Jason Stackhouse de “True Blood”, lindo a dar com o pau) – importante curta quando se leva em conta que o Rio já foi eleito ‘Melhor Destino Gay do Mundo’ em 2009, precisando ainda melhorar em vários aspectos nessa seara – e o menino Cauã Antunes, um achado, que contracena em pé de igualdade com Harvey Keitel e a libanesa Nadine Labaki em “Milagre”, dirigido por ela mesma.
Mas, entre boas surpresas e ótimos chavões cabíveis no contexto, Tonico Pereira rouba a cena como um vampiro garçom e sambista morador de comunidade no curta cômico “Vidigal”, do diretor e roteirista coreano Sang-soo Im. Difícil imaginar um asiático capturando tão bem a essência dos morros cariocas. E o roteiro fantasioso é perfeito para dar um refresco na abordagem de violência estilizada que se convencionou usar para retratar as favelas na cinematografia nacional, desde “Cidade de Deus” (2002). Já era hora de surgir um novo olhar que imprimisse graça a este ambiente, se aproximando do cinismo de Stanley Donen em “Feitiço do Rio” (Blame it on Rio, Twentieth Century Fox, 1984, com Michael Caine, José Lewgoy e uma Demi Moore adolescente), produção que traz o mesmo tipo de estranheza de quem é de fora do Brasil, usada agora pelo cineasta na coletânea.
No mais, apesar de todas as qualidades do filme e do time estelar, faz falta a presença nos créditos de direção de um daqueles cineastas da velha guarda nacional, como Cacá Diegues, Hugo Carvana e Domingos de Oliveira, gente que sempre soube retratar tão bem o Rio. Essa ausência pode ser considerada uma surpresa, ainda que todos já soubessem disso desde quando o longa começou a ser rabiscado. Um quê de embabascamento, como o visto no coquetel de abertura, antes da projeção, quando HT perguntou a Arnaldo Jabor – outro que merecia ter um episódio na coletânea – sobre qual seria a diferença entre o Rio da época de “Eu Te Amo” (1981, obra-prima dirigida por ele, onde a ação não se passa necessariamente no Rio, mas lançado em momento emblemático quando a cidade influenciava em muito o cinema nacional) e “Rio, eu te amo”: “Hum, pergunta difícil mesmo, preciso ver este filme para pensar”. Faz sentido. Afinal, além de amar o Rio e sentir a vibe da cidade, é preciso mais do que nunca pensar nos seu atual caminho, para que seja possível flanar por sobre a cidade mantendo a mesma inspiração que cativou os cineastas neste longa-metragem.
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