Política, brigas, concorrência: 10 atores que “pediram pra sair” ou foram “convidados a se retirar” de novelas


Casal de atores loucos de ciúmes, autora apaixonada que transformou vilão em herói. Ator acusado de agressão pelo staff de TV e de protagonista é rebaixado a “participação especial”. Todo tipo de evento ocorreu na história da teledramaturgia para justificar a saída de um ator durante uma trama. Em alguns casos, como no de “Véu de Noiva”, a saída do artista fez nascer aquele que é atribuído pelos historiadores como o primeiro “Quem Matou?” da história da TV. Em outros casos, como no de “Pátria Minha”, a partida de dois atores importantes à trama fez a história desandar. Entre eles, Vera Fischer, Fábio Assunção, Felipe Camargo, Taumaturgo Ferreira

*por Vítor Antunes

Novela é uma obra aberta. Durante os vários meses em que uma trama é desenvolvida alguns contratempos podem fazer com que atores – mesmo em papeis protagonistas – sejam eliminados de algumas produções. De motivos políticos a brigas de casal. A indisposições entre ator e autor sob as mais variadas formas – desde a novelista apaixonada a autor revoltado com interferências em seu texto -, influenciou na saída de atores, alguns com personagens importantes. Em determinados casos, a despedida dos atores provocou um grande desalinhamento narrativo na novela. Em outros, a contrário, a partida do ator serviu para alavancar a audiência. Veja a seguir, 10 casos de atores que deixaram novelas em andamento.

Christiane Torloni (Corpo Santo, 1987)

Em 1987, “Corpo Santo” era exibida pela extinta TV Manchete. Sucesso na capital fluminense e com reconhecimento de público, tanto que recebeu o Prêmio Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA) naquele ano, a novela de José Louzeiro (1932-2017) possuía um grande time de protagonistas: Reginaldo Faria, Lídia Brondi, Jonas Bloch e Christiane Torloni. No capítulo 90 da trama, a personagem Simone Reski (Torloni), foi assassinada num sequestro orquestrado pelo vilão da trama, Russo (Jonas Bloch). A este repórter, em 2014, Louzeiro negou que a saída de Torloni tivesse a ver com alguma indisposição entre eles, mas a uma forma de movimentar a audiência na praça paulistana, onde a novela não ia bem, a contrário do Rio. Em sua fala, a mudança na novela surtiu efeito. Porém, segundo pesquisa do jornalista Duh Secco publicada no site Teledramaturgia, Christiane Torloni declarou ao jornal O Dia de 18/06/1989 haver saído de “Corpo Santo” por que a “novela estava ficando boba, sem alma. E não conseguia perceber como o autor ia resolver aquilo. Ator não tem que fazer qualquer papel, não”.

Christiane Torloni foi Simone Reski em “Corpo Santo”. A protagonista da novela saiu da trama durante a sua exibição (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

Tarcísio Meira (A Gata de Vison, 1968)

 Tarcísio Meira (1935-2021) estrelava a sua segunda novela na Globo: “A Gata de Vison”. O clima não era amistoso entre ele e a autora, Gloria Magadan (1920-2001). Seu personagem estava mudando de personalidade, deixando de ser o mocinho e passando a ser o vilão. O malvado da trama era Geraldo Del Rey (1930-1990). A mudança “repentina” do perfil dos personagens justificava-se pelo fato de Magadan haver se apaixonado por Del Rey, como consta no Site Teledramaturgia. Em entrevista concedida à Clarice Lispector (1920-1977) para a Revista Manchete, Magadan justificou a mudança no perfil da personagem como “à maravilhosa interpretação de Geraldo Del Rey ou se foi por que eu descrevi um vilão simpático demais. O público apaixonou-se por ele (…) e eu tive que fazê-lo galã”. Diante da significativa mudança do personagem vivido por Tarcísio Meira, segundo consta no livro “No Princípio Era o Som”, de Régis Cardoso, o ator foi enfático: “Ou grava a minha morte essa semana, ou meu personagem pega o próximo trem e não volta!”. A autora optou, então, matá-lo. Mas Tarcísio, decidido, não voltou sequer para gravar a cena da morte de seu personagem.

Tarcísio Meira e Yoná Magalhães (1935-2015) em “A Gata de Vison”. O ator pediu para sair da novela por não concordar com as mudanças no perfil de seu personagem (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

 

Geraldo Del Rey (Véu de Noiva, 1969)

A ascensão de Janete Clair (1925-1983) somada ao insucesso de “A Gata de Vison” foi o estopim para que Glória Magadan deixasse a Globo e se transferisse para a Tupi. A extinta emissora convidou, então, Geraldo Del Rey – que compunha o elenco de “Véu de Noiva”, da Vênus Platinada, a fazer a novela “E Nós Aonde Vamos?”, que era escrita… Por Glória Magadan!  Na trama de Janete Clair, Del Rey interpretava Luciano, noivo de Andreia (Regina Duarte) que tinha um caso com a sua cunhada, Flor (Myriam Pérsia). Por volta do capítulo 30, o personagem foi assassinado. Sua morte costuma ser atribuída como sendo o primeiro “Quem Matou?” da história das telenovelas. Por esta saída atribulada, como retaliação, Del Rey só faria uma novela completa na Globo em 1990, “Lua Cheia de Amor”.

Geraldo Del Rey e Myriam Pérsia em cena de “Véu de Noiva”. O ator deixou a trama global para fazer a malsucedida “E Nós, Aonde Vamos?”, da Tupi (Foto: Biblioteca Nacional/Revista Manchete)

Dado Dolabella (Vitória, 2014)

Dado Dolabella estava contratado pela Record e faria sua terceira novela pela casa, “Vitória”. Co-protagonista da trama, gravava as cenas iniciais da novela na Ilha de Curaçao, no Caribe. Porém, segundo publicado no Site Na Telinha em 03/06/2014, Dado foi demitido da Record após haver agredido um produtor da trama. O site O Fuxico, na mesma época, coletou uma fala de Anderson Souza, diretor de dramaturgia da Record, que disse: “O episódio em Curaçao foi a gota d’água. Já havíamos dado outras chances para ele, mas não soube aproveitar. Agora está sendo resolvido na esfera judicial”. A agressão foi negada pelo ator, em fala ao site Noticias da TV : “Não houve agressão, não houve nada. A gravação foi ótima, tudo na paz”. Porém, o fato é que poucas das cenas do ator gravadas no Caribe foram aproveitadas e as que não puderam ser excluídas, tiveram exibição. Na abertura, Dado foi creditado como uma “participação especial” e seu personagem deixou de existir depois que as suas cenas gravadas foram ao ar e uma carta explicou o seu desaparecimento. Para a personagem Diana (Thaís Melchior) não ficar sem triângulo amoroso foi escalado o ator Rodrigo Phavanello. “Vitória” foi a última novela do ator.

Dado Dolabella e Thaís Melchior em “Vitória”, de 2014 (Foto: Divulgação/RecordTV)

Vera Fischer e Felipe Camargo (Pátria Minha, 1994)

Vera Fischer e Felipe Camargo viviam um conturbado romance desde a época em que protagonizaram “Mandala”, em 1987. As brigas do casal eram públicas e cercadas de muito ruído. A coisa se radicalizou em “Pátria Minha”, na qual Camargo interpretava um personagem de destaque, Inácio, e Vera a protagonista, Lídia Laport. Em entrevista ao semanário “Quem”, em 2009, Vera resumiu como era a sua relação com o ex-marido: “A gente se batia de tapa, jogávamos umas coisas, uma vez joguei um cinzeiro. Outra vez, ele quebrou o meu braço. Uma vez, ele foi parar no hospital”.

Inclusive, uma cena de ciúme foi crucial para o afastamento de ambos da trama de Gilberto Braga. Segundo publicado em O Globo e repercutido por Manchete (Ed. 2223), Vera enciumou-se de uma cena de sexo gravada entre seu marido e a atriz Isadora Ribeiro. Por conta do entrevero, Fischer ficou afastada das gravações por três semanas. Os problemas de gravações da trama de avolumaram de tal modo que a novela passou a ter dois capítulos de frente, ou seja, dois episódios gravados além daquele que seria exibido no dia.

Vera Fischer era Lídia Laport em “Patria Minha”. A atriz foi afastada das gravações por indisciplina (Foto: Arquivo/TV Globo)

No início de 1995 ambos foram definitivamente expulsos do folhetim. Procurada pela Folha de São Paulo à época para falar acerca do afastamento da novela, Fischer vociferou contra a Globo e seu colega de trabalho: “Tarcísio é um velho caquético. Quero que ele e todo mundo da Globo se f***. Ninguém me expulsou. Eu que pedi a conta. Não quero mais saber da Globo. Vou trabalhar no SBT ou no exterior”. Segundo a reportagem da época, o contrato da atriz duraria ainda mais um ano e meio. Nesse período, ela participou da primeira fase de “O Rei do Gado” e só daria a volta por cima em 2000, ao protagonizar “Laços de Família”. Já o vínculo de Felipe com a TV só durou até o fim de trama. Para justificar a saída dos atores da novela, Gilberto Braga (1945-2021) matou os personagens num incêndio. No capítulo 179, Luiza Tomé “assumiu” um dos vértices do triângulo amoroso do personagem Pedro Fonseca (José Mayer). Felipe e Vera se divorciaram ainda em 1995 e retomaram uma carreira brilhante.

Felipe Camargo era Inácio em “Pátria Minha”. Tal como sua então esposa foram desligados da trama de Gilberto Braga (Foto: Arquivo/TV Globo)

Gloria Menezes (Vira Lata, 1996)

Depois do sucesso de “Quatro por Quatro”, Carlos Lombardi estava escrevendo “Vira Lata”. Assumidamente, segundo ele próprio, ao livro “A Seguir Cenas do Próximo Capítulo” esta é a sua trama “menos sucesso”. À mesma literatura, Lombardi cita que ele e o diretor, Jorge Fernando (1955-2019) erraram na escalação. Um dos desacertos foi com a atriz Glória Menezes. Ao livro “Autores, Histórias da Teledramaturgia”, Lombardi disse que a atriz “pediu para sair da novela. Ela estava insatisfeita com a personagem”. E, segundo publicado em O Globo de 16/06/1996, o autor afirmou que “Glória ficaria afastada das gravações durante um mês. Depois, por problema de estafa, ela pediu mais 30 dias. Achei que dois meses era muito tempo”. Lombardi colocou Susana Vieira para cumprir as ações dramáticas que competiriam à atriz afastada, que não voltou à novela.

Gloria Menezes. Atriz não adaptou-se ao texto anárquico de Carlos Lombardi (Foto: Memória Globo)

Taumaturgo Ferreira (Renascer, 1993)

 Taumaturgo Ferreira fazia o seu segundo trabalho com Benedito Ruy Barbosa, o sucesso “Renascer”. Ao Site HT, em junho, o ator explicou as razões que o fizeram deixar a trama, da qual, segundo ele, “fora expulso”: “Eu acho que o Benedito Ruy Barbosa foi ficando de saco cheio de mim. Eu, no lugar dele, se estou escrevendo uma novela de sucesso, eu vou querer minimizar os problemas. Se há um ator encrencando eu vou limar ele. Mas, pensando sob minha ótica, eu nunca fui arrogante ou dei chilique, eu sempre fui um doce de coco. Sempre fui um cara que obedece hierarquia em todos os lugares. Na época diziam que o meu personagem era muito afetado e que não combinava com a novela, o que eu até concordo, de certa maneira. Porém, depois da minha ‘expulsão’, correu a fama de que eu era ‘bad boy’, que eu parava a gravação para determinar o que ia ser dito ou não. Ou seja, passaram a se valer disso para fazerem o que quiserem com a minha imagem. Se fosse hoje eu seria cancelado. Não fui por que na época não existia cancelamento”.

Taumaturgo Ferreira em “Renascer”: “Eu não devia ter feito essa novela! (…). Eu acho que o Benedito Ruy Barbosa foi ficando de saco cheio de mim” (Foto: Divulgação/TV Globo)

Leia MaisNo ar em ‘O Cravo e a Rosa’, Taumaturgo Ferreira fala sobre a sua saída de ‘Renascer’: “Fui expulso da novela”

Sebastião Vasconcellos (Sheik de Agadir, 1966)

Sebastião Vasconcellos (1927-2013) foi outro a não escapar de Glória Magadan. Na trama “O Sheik de Agadir”, escrita pela autora, Vasconcellos interpretava Jean Dubois. O artista foi afastado da trama por conta de fazer a autora, que era cubana, achá-lo parecido com Fidel Castro (1926-2016). Por esta razão pela qual decidiu eliminá-lo de sua trama. Para movimentar a novela junto aos telespectadores, a Globo inventou um concurso no qual os telespectadores deveriam adivinhar qual seria o futuro do personagem: Se morto pela Gestapo (Órgão Nazista) ou salvo pela Resistência francesa. Não houve escapatória para Jean.

Anúncio comercial da Globo sobre a morte de Jean, personagem de Sebastião Vasconcellos – no detalhe –  que foi associado a Fidel Castro (Foto: Biblioteca Nacional/Jornal do Brasil)

 Ísis e Luma de Oliveira (Meu Bem Meu Mal, 1990)

As irmãs Ísis e Luma de Oliveira estavam no elenco de “Meu Bem Meu Mal”. Luma vivia a prostituta Ana Maria, um personagem de destaque. Tanto que ela foi a capa da trilha nacional da novela. Ísis, por sua vez, tinha uma carreira consolidada como atriz naquele momento. Já havia trabalhado em várias novelas na casa, como “Sol de Verão” (1982), “Roque Santeiro” (1985) e “Que Rei Sou eu” (1989).

Ísis de Oliveira. Atriz não concluiu sua participação na trama de Cassiano Gabus Mendes (Foto: Divulgação)

Na trama, Ísis vivia Mimi Toledo que ministrava aulas de etiqueta e boas maneiras para o pobretão Doca (Cássio Gabus Mendes), interessado em dar um golpe do baú em Vitória (Lisandra Souto). Oficialmente, a Globo justificou sua saída devido à atriz haver faltado às gravações de fim de ano em dezembro de 1990. Porém, para a atriz, segundo declarou em 27/01/1991 ao Jornal O Dia, tratou-se de um “ato autoritário e radical” do diretor Paulo Ubiratan (1947-1998). O crítico de televisão e mantenedor do Site Teledramaturgia afirma que “Sem Mimi Toledo à frente de seu plano de vingança, a trama central desandou”.
Luma de Oliveira, ao GShow, em 10/10/2020, justificou a sua saída da trama devido a haver “engravidado. Precisei fazer uma escolha e tive que optar pela minha saúde e do bebê, mas eu fiz isso muito triste, muito mesmo. Mas foi uma decisão acertada, porque eu fiquei muito enjoada. Cassiano [Gabus mendes, autor] entendeu e elogiou a minha sinceridade. (…) Gostaria muito de continuar, era meu segundo papel no horário nobre na TV, era uma super chance que queria ter aproveitado. ”

Luma de Oliveira. Grávida, a atriz pediu para sair da trama (Foto: Divulgação/TV Globo)

Fábio Assunção (Negócio da China, 2008)

Após haver protagonizado “Paraíso Tropical”, em 2007, Fábio Assunção foi convidado a fazer “Negócio da China”, primeira novela de Miguel Falabella às 18h. O ator faria um triângulo amoroso com Grazi Massafera e Ricardo Pereira. Porém, ainda no início da trama, o ator pediu afastamento das gravações “por motivos de saúde”. Assunção pede que “respeitem esse momento de luta” e “que Deus ilumine meus passos na minha recuperação”. Previa-se que o ator ficaria na história até o capítulo 50. Seu personagem sequestrado e assassinado pelo grupo marginal que buscava a posse do pendrive que continha o segredo que orientava a trama. Para suplantar a ausência de Fábio Assunção no triângulo amoroso principal da novela foi escalado Dalton Vigh. Segundo noticiado pela Revista Época em 18/11/2008, o afastamento do ator deu-se devido ao seu tratamento contra a adicção, coisa que ele próprio tornaria pública anos depois. Ao site Notícias da TV/UOL, Fábio declarou que “a dependência química é incurável, mas tratável. Dá para mudar de ideia, e ela volta. Hoje, me sinto forte e protegido, isso nem é mais um assunto na minha vida, está acomodado dentro de mim”. O ator retomou as rédeas da carreira e, atualmente, compõe o elenco de mais uma novela “Todas as Flores”, do Globoplay.

Fábio Assunção e Grazi Massafera em “Negócio da China” (Foto: Acervo/TV Globo)