Pedro Fasanaro brilha em filme que representa país no Oscar e diz: ‘Não me identifico nem como homem ou mulher’


Aos 24 anos, Pedro Fasanaro é um dos protagonistas de ‘Deserto Particular’, filme de Aly Muritiba, que pode ser a produção responsável pelo Brasil levar a estatueta para casa. O ator celebra a personagem não-binária, como ele na vida. E, em entrevista exclusiva, fala de liberdade, família, aceitação, respeito e do trabalho incansável da comunidade LBTQIA+ para ocupar espaços com visibilidade. “Atuação é sobre isso: sair da zona de conforto, experimentar. Vamos romper essas estruturas e empregar mais pessoas LGBTQIA+. Nós talvez precisemos até mais que as outras, porque às vezes acaba sendo mais fácil para uma pessoa hétero, cis, conseguir um trabalho nesta área. Por tantos anos colocamos pessoas cisgêneros, interpretando pessoas homo, trans, por que não podemos fazer o contrário também?”, indaga

*Por Brunna Condini

‘Deserto Particular’, filme que representa o Brasil na corrida pelo Oscar 2022, nos apresenta Pedro Fasanaro, um dos protagonistas do longa de Aly Muritiba. Com passagens pelas séries ‘Onde Nascem os Fortes‘ (2018) e ‘Shippados‘ (2019), além de ‘Malhação: Toda Forma de Amar‘, é no longa que poderá concorrer a Melhor Filme Internacional que Pedro exala potência e hipnotiza. Em ‘Deserto‘ ele é Sara, que mora no sertão da Bahia, e se corresponde por aplicativo de celular com Daniel, vivido por Antonio Saboia, um policial afastado do trabalho depois de cometer um erro. O desaparecimento repentino de Sara faz Daniel cruzar o país por amor.

“É uma alegria interpretar um personagem não-binário, como eu. Até pouco tempo atrás, era quase impossível visualizar isso. É representatividade e muito importante. Levar para o cinema um pouco desse mundo real que vivemos. É não lidar com isso como tabu e, sim, normalizar. Para que nós, pessoas não-binárias, da comunidade, nos sintamos representadas. Porque é muito cansativo assistirmos produções que falam sobre milhões de questões, menos de você”. E vibra: “Levar o Oscar com esse filme seria uma resposta, uma dose de esperança para nós. Temos vivido dias muito tristes, seria pura dose de otimismo. O que me deixa mais feliz, é saber que o filme que representa o nosso país nessa campanha, significa amor e diversidade. É o audiovisual trazendo novas possibilidades”.

Pedro Fasanaro brilha em 'Deserto Particular', filme que pretende representar o Brasil no Oscar 2022 (Pablo Vieira)

Pedro Fasanaro brilha em ‘Deserto Particular’, filme que pretende representar o Brasil no Oscar 2022 (Pablo Vieira)

Nascido em Natal, no Rio Grande do Norte, o ator de 24 anos conta que tem estado focado na campanha do filme. O Brasil não emplaca um indicado à categoria de filme estrangeiro no Oscar, agora rebatizada de filme internacional, desde ‘Central do Brasil’, em 1999. Depois disso, ‘O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias’ (2008) chegou a ser pré-selecionado para a categoria. Ano passado, o filme de Bárbara Paz, ‘Babenco: Alguém tem que ouvir o coração e dizer: Parou’, não chegou a ir adiante na campanha. “Agora é esse momento de divulgar, para que o máximo de pessoas o assistam. No dia 21, a lista com os 93 indicados vai ser reduzida a 15 semifinalistas, então a expectativa é grande”, diz, sobre a premiação que terá todos os indicados conhecidos em fevereiro.

“Precisamos que as pessoas se apaixonem pelo nosso filme para conseguirmos essa vaga que o Brasil espera há tanto tempo. Aposto muitas fichas, porque ele bate de frente com o Brasil que estamos vivendo agora. Apesar de falar também de uma certa violência, preconceito, acaba trazendo um elixir de otimismo grande. É um filme de afeto. As pessoas saem do cinema com essa sensação gostosa e isso acaba sendo um diferencial dos outros filmes com essa temática LGBTQIA+”.

"Precisamos que as pessoas se apaixonem pelo nosso filme, para conseguirmos essa vaga que o Brasil espera há tanto tempo"(Divulgação)

“Precisamos que as pessoas se apaixonem pelo nosso filme para conseguirmos essa vaga que o Brasil espera há tanto tempo”(Divulgação)

Pela liberdade de ser

“Não me identifico nem como homem e nem como mulher. Em quase tudo na minha vida gosto muito do espaço entre onde posso vislumbrar todos os outros espaços. Não posso falar sobre os outros não-binários, mas eu me atraio por pessoas e não por gêneros”, esclarece Pedro. E conta que desde cedo a família conviveu com sua liberdade de ser exatamente quem é. “Não fui criado em um ambiente de respeito máximo, até porque para a minha família tudo sempre foi novidade. Ninguém sabia muito como lidar, sempre fui o que sou desde criança. Sempre tive uma energia muito feminina. Nunca fui exatamente o menino que um pai esperava. Não jogava futebol, brincava mais com as meninas, fazia teatro, então já tinha uma ‘quebra’ de expectativas”, recorda o ator. “Minha família estranhava, mas à medida que fui aprendendo a teoria dessa existência, fui podendo educar um pouco eles também. No sentido que não estou fazendo nada errado, estou só sendo. E isso aqui que sou é gostoso, estou feliz. Hoje minha família já é muito mais tranquila”.

Por conta do trabalho, o ator já morou no Rio de Janeiro e em São Paulo, mas sempre retorna para Natal: “Moro com a minha avó Ana, desde criança. Ela lida numa boa com o fato de eu ser não-binário. Pode não entender exatamente, mas respeita. E isso para mim já é um passo gigantesco, porque é só respeito que precisamos. Só estou existindo e correndo atrás da minha liberdade”.

E embora exista a celebração do caminho até aqui, Pedro segue forte. “Vivemos em um país LGBTQfóbico, onde é mais difícil um ator LGBT interpretar um personagem cisgênero, por exemplo. Mesmo com tudo que está acontecendo na minha carreira, ainda preciso correr muito atrás. Chutei uma porta para abrir outras”, analisa. “Atuação é sobre isso: sair da zona de conforto, experimentar. Vamos romper essas estruturas e empregar mais pessoas LGBTQIA+. Nós talvez precisemos até mais que as outras, porque, às vezes, acaba sendo mais fácil para uma pessoa hétero, cis, conseguir um trabalho nesta área. Por tantos anos colocamos pessoas cisgêneros, interpretando pessoas homo, trans, por que não podemos fazer o contrário também?”, indaga.

Bem humorado, mas certeiro, ele conclui: “Não estou com o jogo ganho. Tudo isso que está acontecendo com esse filme. Está servindo de combustível para que eu siga em frente e continue com essa luta. Para que escalem cada vez mais as pessoas LGBTQ. Até que um dia seja natural, habitual e comum”.