‘Na pandemia, vejo pessoas voltando para terra natal, porque não têm como pagar para viver aqui”, diz Jonathan Azevedo


O ator fala da volta de Sabiá, em “A Força do Querer”, próxima reprise das 21h, na Rede Globo. O personagem que tinha tudo para ser o vilão, mas ganhou a simpatia do público, possibilitou que Jonathan alçasse outro voos, e ele conta aqui. Além disso, o ator criou a personagem “Kraudinha”, que aparece em vídeos do seu Instagram: uma diarista negra e moradora da favela, que aborda a questão da desigualdade, que se alargou ainda mais nesta pandemia. E coloca na roda temas como desigualdade, racismo e paternidade. “Ser pai é muito bom. Quero adotar um filho. É um compromisso com minha experiência de vida”, diz

*Por Brunna Condini

Pega a visão! Com o sucesso “A Força do Querer” confirmado para voltar à grade da Globo em edição especial, substituindo “Fina Estampa” na faixa das 21h, muitos personagens emblemáticos da trama de Gloria Perez voltam ao imaginário do público. E esse é o caso do Sabiá de Jonathan Azevedo.

O ator ficou conhecido dos espectadores vivendo o traficante que a princípio só faria uma participação de três dias, mas seguiu até o fim da novela e ganhou a simpatia do público. Jonathan conversou com o site, falando sobre o momento de quarentena e as consequências para as comunidades, e celebrando a reprise do seu primeiro trabalho de destaque na TV.

“Fiquei muito feliz. Foi uma história muito importante na minha vida. Ele ficar mais na trama foi fruto de papo, espaço que me deram como ator para fazê-lo. Conversava muito com a Juliana Paes nas gravações, levava gírias da comunidade, dizia como as coisas aconteciam de fato. O bordão “pega a visão”, por exemplo, foi assim. Soltei, ela gostou, fiz. A direção curtiu e a Glória Perez também”, recorda o ator, que continua morando no Vidigal.

“No terceiro dia que eu gravaria a sequência da minha morte, a Gloria me ligou e disse que nos dois dias que as cenas com o Sabiá foram ao ar ficamos nos trending topics do Twitter, que era um sucesso, e com isso, ela não iria mais matar o personagem, disse que o Brasil me queria na novela. Isso foi maravilhoso, porque além do personagem aumentar, eu crescer como ator, pude colocar a comunidade ali, pontos de vista de quem vivenciava aquela realidade, isso deu mais força a tudo. Mas o sucesso do Sabiá veio da sensibilidade da Juliana e da abertura da Gloria. Isso foi essencial para trazer a comunidade com ele naquele cenário”.

‘O sucesso do Sabiá veio da sensibilidade da Juliana (Paes) e da abertura da Gloria (Perez). Isso foi essencial para trazer a comunidade com ele naquele cenário” (Divulgação/Globo)

Para quem possa achar que o sucesso de Sabiá no folhetim ajuda a glamourizar esse universo do crime e da violência, Jonathan aproveita para opinar sobre o tema: “Me propus a colocar neste personagem a minha paixão pelo o que eu faço. Acho que isso chegou nas pessoas, além do trabalho. E a questão ali, não era descriminalizar o Sabiá, mas humanizá-lo. Em qual circunstâncias ele chegou naquela situação? É uma reflexão boa. Têm muitos Sabiás nas comunidades, que não tiveram muita escolha. Tentei trazer o ser humano e não o bandido. Não julgo os personagens. Essa discussão é mais profunda, precisamos falar de desigualdades, falta de oportunidades e outras coisas mais. A pessoa que diz que a novela glamouriza o crime não está olhando para a realidade do Brasil. A história dele na trama foi contada por um negro, periférico, e isto está além de julgamentos sobre o personagem. A Gloria me deu todas as possibilidades para interpretar o Sabiá, é uma narrativa de um universo que me pertence. Eu ter feito esta novela incrível mostra que você pode realizar sonhos, mudar sua realidade. E sigo na minha carreira pedindo luz e sabedoria nas escolhas”.

“Me propus a colocar neste personagem a minha paixão pelo o que eu faço. Acho que isso chegou nas pessoas. E a questão ali, não era descriminalizar o Sabiá, mas humanizá-lo” (Divulgação)

Recontando a história

De Sabiá para cá, o ator participou da série “Ilha de Ferro”, e também do reality musical “Popstar” e da “Dança dos Famosos”, no Domingão do Faustão. Além de ter ficado em cartaz com o espetáculo biográfico “O Canto do Sabiá“. Mas antes disso, foram 15 anos de trajetória para realizar seus sonhos.

“Fui criado em comunidade, sei que muitos jovens se espelham na minha trajetória e gosto de pensar que posso inspirá-los, mas também penso na responsabilidade disso. Quero levar mais arte, amor, informação e cultura para todos os lugares que eu passar. Sou um artista que sempre vou querer inspirar os jovens, quero que acreditem que é possível. E os negros precisam conhecer sua história, já que o país parece querer apagar tudo que se passou. Além de conhecer seu passado, batalhar no presente para transformar o que virá, todos precisam de educação, carinho, atenção, amor. Isso transforma”.

Jonathan salienta que os efeitos, duros, da pandemia do novo coronavírus nas comunidades não se estendem somente às questões de saúde e sanitárias. “Na verdade, desde o início, a quarentena foi uma questão por aqui, porque a maioria não podia fazer. Tem gente perdendo o emprego, gente que precisa seguir trabalhando, se expondo na rua para poder comer. E casos de pessoas que voltaram para sua terra, cidade de origem, para casa de parentes, porque não têm mais como pagar para viver”, conta o ator, que continua envolvido nos projetos Vidiga na Social e Basquete Cruzada, que entre outras ações, têm arrecadado doações para distribuir cestas básicas nas comunidades.

“No momento, estou trabalhando em cima da comédia. Hoje tenho roteiristas na produtora e trabalhamos para contar as nossas histórias, dos pretos” (Foto: Elvis Moreira)

Durante o isolamento, ele criou a personagem “Kraudinha”, que aparece em vídeos do seu Instagram: uma diarista negra e moradora da favela, que aborda a questão da desigualdade, que se mostrou ainda mais nesta pandemia. “Quis através do humor, despertar a reflexão para isso. Muita gente não foi dispensada, e precisa ir trabalhar, em qualquer situação, para sustentar sua vida. Me inspirei em relatos da comunidade das mulheres que trabalham na casa de pessoas bem sucedidas, com grana, conhecimento, mas que não abrem mão que elas estejam lá”, conta. “O barato de toda a construção como a Kraudinha é que a comunidade entende o que ela passa, então me comunico direto com eles. E tem outro lado, que muitos amigos depois me agradeceram, porque não enxergavam as pessoas que trabalhavam em suas casas desta forma”.

O ator tem produzido e refletido muito no isolamento, inclusive, sobre as narrativas que deseja contar através da sua nova empresa, a Carta Preta Produções. “No momento, estou trabalhando em cima da comédia que é um lado que tenho e o Brasil ainda não conhece. Hoje tenho roteiristas junto comigo na produtora e trabalhamos para contar as nossas histórias, dos pretos”.

“O barato na construção como a Kraudinha, é que a comunidade entende o que ela passa. (Reprodução)

E que tipo de histórias pretendem contar? “Primeiro queremos trabalhar na história da minha comunidade, a Cruzada São Sebastião, que fica ali no Jardim de Alah, no Leblon. Então tem toda essa dualidade, esse embate, favela, burguesia. A favela dentro da casa da burguesia, através dos trabalhadores domésticos. Toda a força de transformação que pode vir desta realidade. Além disso, a Cruzada, tem mesmo boas histórias de cruzando, é uma comunidade pequena, todo mundo se conhece. O músico Macau, que escreveu “Olhos Coloridos” nasceu ali, foi um dos namoradinhos da minha mãe. São muitas histórias nascidas lá, que podem ser desenvolvidas”, detalha. “ A própria história de D. Elder Câmara que defendeu a permanência dos moradores lá, e antes disso, a criação deu um conjunto habitacional. Queriam mandar todo mundo para a Cidade de Deus. A Cruzada abrigou os moradores da favela da Praia do Pinto, que sofreu um incêndio”.

O carioca de 35 anos conta que a história da Cruzada se mistura à sua própria trajetória. “Minha mãe, Sildea, veio da favela da Praia do Pinto. Ela passou fome e teve sua casa queimada no incêndio. Depois disso, foi para a Cruzada São Sebastião, cuidando de seis irmãos, conheceu meu pai, Sergio, casou com ele, que tinha dois irmãos mais novos, então, que ela também adotou e cuidou. Uma irmã antes de mim, morreu aos 22 anos, acho que foi meningite, e uma das enfermeiras do hospital viu minha mãe lá e falou da minha adoção. Foi assim que ela encontrou esse pretinho aqui. Tenho muitas coisas dos meus pais. Minha fé e meu astral são da minha mãe. Meu pai é da garra, do trabalho. Esse equilíbrio deles alimentou minha energia, minha positividade”.

Desde que se tornou pai de Matheus Gabriel, de 9 meses, Jonathan tem ficado ainda mais atento à sua contribuição no mundo. “Sou curioso, gosto de conhecer, estudar, quero passar isso para o meu filho e quero proporcionar educação para ele”, diz. “Matheus é parecido comigo, fisicamente e de personalidade, já dá para ver. Consigo me ver nele em vários aspectos. Quero dar o melhor desta vida para ele”. E tem vontade de ser pai novamente? “Ser pai é muito bom. Quero adotar um filho. É um compromisso que tenho com minha experiência de vida. Agora como vai ser isso, já é outra história, ainda é cedo para pensar”.

Está feliz com a caminhada até aqui? “Sim, com meu trabalho, com tudo que venho construindo e compartilhando. Mas não fico bem, em paz, com essa pandemia, com  tudo que continua acontecendo com a população preta, periférica. Por mais que eu tente ver tudo de um lado mais positivo, precisamos falar de racismo, de desigualdade. Enquanto eu estou conversando com você, está morrendo uma mulher negra a cada 17 minutos. E um jovem negro a cada 23. Como posso me sentir bem assim? Precisamos lidar com essa questão social. O conhecimento, o debate, a educação, os livros e o amor podem mudar as coisas, falo por experiência própria”.