*Por Brunna Condini
“Dizem que a série foi feita com pouca pesquisa e já usaram até a palavra ‘maldade’ para falar da produção”, diz Mariano Mattos Martins, sobre algumas críticas direcionas ao ‘O Rei da TV’ da Star+, vindas da família de Silvio Santos, personagem que interpreta, e até do próprio, que aos 91 anos, quando abordado sobre a produção, declarou a um programa de TV: “Não achei nem boa e nem ruim. Podiam ter feito melhor”. Mariano vive o apresentador dos 28 aos 45 anos – na juventude ele é vivido por Guilherme Reis, e mais velho, por José Rubens Chachá – e também é um dos responsáveis pela pesquisa de três anos para o projeto.
“Estamos falando de uma obra baseada em uma biografia, mas é ficcional. Existe uma vontade por parte de algumas pessoas, que seja um retrato fiel da realidade e isso neste tipo de trabalho é cilada. Trazemos a personalidade do personagem, um ícone da comunicação, vivo, em muitos elementos da narrativa, mas é uma obra de ficção. Quando dizem que poderíamos ter feito mais, como ator me sinto provocado (risos). Mas posso dizer que trabalhei no máximo da minha potência, porque sei da responsabilidade. Jamais seria leviano. E posso garantir que a pesquisa foi gigantesca. Inclusive vou lançar um vídeo falando desse processo de construção. Foi um mergulho como nunca fiz em 20 anos de carreira. Então, se eles não gostaram do resultado, não foi por falta de pesquisa e muito menos por má fé nossa. Foi um trabalho feito com paixão e cuidado, que mostra um ser humano, que como nós, é complexo”
Existe o Silvio Santos potência, esse conhecido pelo carisma, mas não podemos esquecer que nasceu na Lapa, foi camelô, é um lutador – Mariano Mattos Martins, ator
Mariano completa: “Acho que nessa ideia de realidade que esperavam, fica também a vontade de ver só o Silvio Santos carismático, o apresentador de TV. O herói que deu certo. Mas o intuito da série é se aprofundar neste retrato. Mostramos outros lados possíveis. A obra em si, por existir, já é uma homenagem, uma evocação. Ao homem por traz do personagem”. E deixa escapar: “É possível que tenham outras temporadas, são muitas histórias ainda para serem contadas. Eu adoraria. Foi uma escola”.
Gravada durante o início da pandemia do Covid-19, a série conta com oito episódios, tem direção geral de Marcus Baldini e roteiro de Mikael Albuquerque, e já se tornou o terceiro conteúdo mais visto no canal na plataforma, pretendendo retratar a trajetória do comunicador, da infância como camelô até a conquista do SBT. E sobre as críticas do excesso de dramatização na trama? “O Silvio Santos que nós vemos é um personagem, que foi criado por uma pessoa chamada Senor Abravanel. Mas entendemos que ele não é personagem o tempo inteiro, sofre, fica em silêncio, tem dúvidas, conflitos. Então, quando trazemos à tona todos esses lados, é natural que as pessoas tenham um choque, estranhem. Mas sinceramente, recebo essa crítica e passo. Acredito que é um trabalho com grandiosidade para a cultura brasileira e tem sido bem recebido. Existe o Silvio Santos potência, esse conhecido pelo carisma e capacidade de se comunicar, mas não podemos esquecer que ele nasceu na Lapa, foi camelô, trabalhou na barca Rio-Niterói, é um lutador. Dentro desse processo, se descobre comunicador, vai para o rádio e depois para a TV. A minha versão do Silvio, mostra ele lutando pelo seu espaço na televisão, que até então era ocupada pelas elites, as oligarquias familiares”, observa o ator.
É possível que tenham outras temporadas, são muitas histórias ainda para serem contadas. Eu adoraria – Mariano Mattos Martins, ator
“Ele precisou buscar esse lugar sempre, desenvolvendo uma espécie de malícia, uma ‘tecnologia’ própria, para lidar com desde presidentes da república, até com a dona Maria. As biografias dele mostram histórias muito divergentes, mas algumas coisas sabemos. Como por exemplo, o fato do Silvio ter escondido a primeira mulher (Maria Aparecida Vieira, a Cidinha). Ele mesmo se autodesculpou em 1988 em uma entrevista no YouTube, falando sobre isso. Ela morre jovem, é feita na série pela Roberta Gualda, e ele se arrepende de ter dito que era solteiro. Isso é uma mancha na história dele. Tem também a história com o Baú da Felicidade, com o amigo Manoel da Nóbrega, que ele meio que se apossa. São dois fatos conhecidos e que fazem parte da formação de uma pessoa que também pode avaliar, e até se arrepender de coisas que fez, como qualquer um”.
Me sinto predestinado na minha profissão. Não é preciso falsa modéstia, todo mundo sabe de si na vida. Tenho buscado lapidar esse talento nestas duas décadas – Mariano Mattos Martins, ator
O ator destaca também, que a série mostra que o apresentador já foi considerado vanguarda quando surgiu, mas que tem falas ainda hoje, que não acompanharam os tempos, portanto, não passam mais. “O racismo, a misoginia, a transfobia, esses lugares hoje são mais vistos. Felizmente a sociedade está mudando e isso é questionado. Trazemos essas pitadas desse lado B da personalidade dele, que nem são tão grifadas, mas pelo visto são o suficiente para que algumas pessoas se perguntem onde está o ‘herói’ delas. Também por isso essa obra tem um valor histórico. Ele formou gerações com seus programas”, analisa.
Predestinado
Cria do teatro, o paulista de Osasco, passou 10 anos ininterruptos no Teatro Oficina, de José Celso Martinez Corrêa, e no audiovisual esteve recentemente em ‘Hebe – A estrela do Brasil’ (2019). “Faço teatro desde criança, sempre soube que seria ator. Me identifico com o Silvio nesse lugar de ser um cara que gosta de ‘fabricar felicidade'”, diz. “No momento estou trabalhando, negociando com o streaming uma produção sobre os bastidores da série, ainda não posso falar muito. Mas te digo quero trabalhar, estou ‘facinho’ para os convites, quem sabe na TV? (risos). Topo tudo desde que eu possa jogar com liberdade, paixão, botar minha assinatura. Me sinto predestinado na minha profissão. Não é preciso falsa modéstia, todo mundo sabe de si na vida. Tenho buscado lapidar esse talento nestas duas décadas”.
O racismo, a misoginia, a transfobia, esses lugares hoje são mais vistos. Felizmente a sociedade está mudando e isso é questionado – Mariano Mattos Martins, ator
E volta a pensar na trajetória de Silvio Santos. “O Carlos Alberto Dines escreveu uma biografia (‘O Baú de Abravanel’), em que estudou a árvore genealógica dos Abravanel, e chegou até o Rei Davi. Os pais do Silvio vem da Macedônia e a família, na história, tem uma vocação de comunicação e de poder. O Silvio sabe dessa história, então acho que tem um lugar também de se sentir predestinado: vou ser rico, tenho que traçar o caminho para chegar lá. E isso traz um desejo, uma determinação, que tem muita força. Quando você entende que tem um talento, isso é irreversível”, aprofunda.
“Peço até licença para dar essa opinião. Mas acho que o sucesso dele se deve muito a isso. O Silvio teve o ‘click’ da vocação e não teve como fugir disso. Existe uma necessidade de sobreviver, ganhar dinheiro, mas tem a ver também com um lado quase espiritual, de determinar uma trajetória que já estava pré-definida para ele”.
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