*por Vítor Antunes
A novela “Jerônimo”, obscuro remake levado ao ar há 40 anos no SBT da telenovela exibida pela Tupi em 1972 e também transmitida pelo rádio nos Anos 1950 – “Jerônimo, o Herói do Sertão“, vem sendo exibida diariamente na Itália pela DonnaTV. A trama teve seu primeiro episódio levado ao ar no dia 22 de fevereiro e segue tendo reexibido o mesmo capítulo mais duas vezes ao dia. “Jerônimo” não é a única novela do SBT a ter exibições misteriosas na Europa. Aqui mesmo no Site Heloisa Tolipan, em outubro de 2022, noticiamos que “Meus Filhos Minha Vida“, de 1985, estava sendo transmitida, bem como “Cortina de Vidro” também teve uma exibição naquele país, conforme publicado em setembro de 2022. Além da atual reexibição, localizamos que, anteriormente, a trama escrita por Moyses Weltman (1932-1985) também foi reprisada na Polônia, na Nowa Telewizja Warszawa – NTW (Nova Televisão Varsóvia)/ Polônia 1, o P1, entre 1992 e 1994. Esta releitura da famosa radionovela brasileira foi a última obra de Weltman, falecido em 1985, e que, curiosamente, na época, era diretor da TV Manchete. Procurado a falar sobre o licenciamento desta novela, o SBT apontou que: “A obra não faz parte do nosso catálogo. Não trabalhamos com a novela e nem temos informações a respeito de quem pode fazer essa comercialização”. Através do único contato disponível, a Donna TV disse não ter como responder aos nossos questionamentos.
Entramos em contato com Interartis, coletivo que representa os artistas e que objetiva arrecadar direitos aos atores no âmbito audiovisual através do presidente executivo da instituição, Victor Drummond. Ante esse quadro, Victor falou-nos que “existe uma responsabilidade das TV’s, em decorrência da produção das obras e também com a carreira dos artistas. Não se trata só de assinar um contrato para receber os direitos relativos a uma novela e colocá-la no mundo. Se há quem aponte tratar-se de uma exibição pirata e a emissora é comunicada disso, é preciso fazer algo em favor dos direitos dos artistas, já que eles os cederam à emissora. É preciso considerar que se a TV tem direitos a receber, se ela tem ativos, ela também tem obrigações e uma delas é a obrigação de zelo. Se o SBT assume indiferença ao caso após ser comunicado do fato, ele deveria indenizar os artistas”.
Sabedor das várias reprises da novela, um dos herdeiros de Moyses, seu filho Wladimir Weltman conversou conosco e reiterou a informação de que a novela recebeu reprises não comunicadas. Inclusive, tivemos acesso a um documento enviado pelo SBT em nome de Richard Vaun, assessor acionista do canal, que se comprometia, em 2009, estabelecer uma forma de zelar por esse patrimônio. Richard disse que “Este assunto é importante e tudo será analisado e investigado para tentar resolver esta situação da melhor maneira possível e em breve. Estamos aqui para isto”. A exibição na Itália acabou por ter uma nova música original para a abertura, cantada por Raoul Casadei (1937-2021). Conta-nos Wladimir não haver judicializado o caso anteriormente em razão da amizade entre Silvio Santos e seu pai. “Sílvio já falou publicamente que a ideia de fazer a TV SBT foi do meu pai. Eu acho que a novela foi vendida por alguém do SBT e talvez o Sílvio nem tivesse noção disso”.
Essas exibições sem comunicação são algo muito ruim. Sobretudo é crime, crime de direito autoral. Nunca mexemos muito nisso também em razão do meu pai ter sido muito amigo do Sílvio Santos, ser amigo pessoal dele. Eu tinha a esperança de que o SBT fizesse a coisa certa e pagasse os direitos, que são inalienáveis. Fico chateado que isso esteja acontecendo. Não apenas nós estamos sendo prejudicados, acho que o SBT também. Pode o SBT nem estar sendo remunerado. Mas, o canal tem que ter, ao menos, responsabilidade de saber o que está acontecendo e entrar em ação – Wladimir Weltman, herdeiro de Moyses Weltman
Com pouca repercussão quando transmitida pela primeira vez , segundo o jornal A Tribuna de 02/03/1985, “Jerônimo” marcou zero de audiência. O Diário de Pernambuco ressaltou que a trama foi bem recebida na estreia apenas naquele estado. Ainda segundo “A Tribuna”, o protagonista Francisco di Franco (1938-2001) reviver o mesmo personagem de doze anos atrás não cabia, em razão de ele “não ser mais tão mocinho assim”, afinal o ator estava com 46 anos àquela altura. Diferentemente da Tupi, na qual a trama teve 255 capítulos, o remake do SBT teve menos da metade disso: 102. O mesmo jornal “A Tribuna”, para falar sobre o corte abrupto da novela exemplificou: “Silvio Santos age como o Django. Não perdoa, mata. E lá se vai a novela para as raias do esquecimento”. Com efeito, ainda hoje não há muitos registros da novela mesmo na internet. Com uma exibição fracassada, o SBT deu mais duas chances à trama rural, reexibindo-a em 1985 e em 1991. Todas exibições passaram em brancas nuvens.
JERIMUM WESTERN
“Jerônimo” estreou no fim de 1984, em novembro, no SBT. Junto a esta novela a série “Joana” , uma produção independente, espécie de continuação de “Malu Mulher“, que o SBT passou a exibir quando a produtora que realizava o seriado, a ArtVideo, rompeu com a TV Manchete. Coube ao canal de Sílvio Santos exibir a segunda temporada da atração, já que a primeira passou no finado canal carioca. “Joana” era protagonizada por Regina Duarte, assim como a extinta série global. Deste modo, a estratégia do SBT era deixar mais robusto o seu núcleo de teledramaturgia. Exibiria, portanto, uma novela realizada pelo próprio canal, “Jerônimo”, e uma produção independente que tinha como protagonista uma atriz do quilate de Regina Duarte.
Nada disso, porém, deu certo. Manoel Carlos, que era um dos roteiristas de “Joana”, era contratado da Manchete e tinha que fazer jogo duplo para roteirizar a trama exibida pelo SBT. Regina Duarte também ficou descontente já que sua ideia era estar na extinta TV carioca e não na tela do canal de Sílvio Santos. “Jerônimo” , por sua vez, também não teve boa passagem pela casa. Ignorada pela maior parte dos veículos de comunicação da época, e pelo público, conseguimos localizar informações em apenas dois veículos, um em Recife (PE) e outro em Santos (SP). Segundo o Diário de Pernambuco, a trama rural trazia “ação e aventura, tramas amorosas, um pouco de tudo. Além de folclore e dramas sociológicos”. Já A Tribuna, de Santos, trouxe os dados de audiência que citamos acima e o título deste trecho da reportagem, chamando-a de “Jerimum Western“. A novela foi transmitida diariamente, às 18:30.
Além disso, o jornal pernambucano relata que o co-protagonista, que fazia o personagem Moleque Saci, foi escolhido através de um concurso no programa “Novos Talentos“, do SBT. O vencedor foi Eduardo Silva, até hoje um ator ativo e grande nome da cena teatral paulistana. Na televisão, ficou famoso por dar vida ao personagem Bongô do “Castelo Rá Tim Bum“, em 1994. Do elenco da trama, poucos são os atores que despontaram, além daqueles que já eram grandes nomes na ocasião.
Além de Francisco di Franco, Neusa Borges, Jussara Freire e Marcos Caruso estavam no elenco. Conhecido por sua beleza, di Franco começou a carreira como modelo e fez algumas novelas. “Jerônimo” foi sua última. Após esta, afastou-se da mídia e viveu seus últimos dias como servidor público até seu falecimento em 2001. A mocinha romântica da trama, Suzy Camacho, fez mais algumas novelas no SBT e apenas uma na Globo. Formou-se em Psicologia e, recentemente, foi citada num escândalo envolvendo o patrimônio de seu falecido marido. O autor da obra, Moyses Weltman morreu em setembro de 1985. O último capítulo de “Jerônimo” foi levado ao ar em março. Ainda segundo o Diário de Pernambuco, o texto era o mesmo da versão de 1972, e não foi adaptado. Ou seja, talvez soasse anacrônico para aqueles Anos 1980.
Sobre as novelas das quais fizemos matéria anteriormente, “Cortina de Vidro” e “Meus Filhos Minha Vida“, e citadas nesta reportagem, o SBT disse “não havê-las licenciado. Se exibição ocorreu – ou ocorre – trata-se de um ato de ‘pirataria’”. No caso de “Jerônimo”, disse diferente, que “Jerônimo não faz parte do nosso catálogo. Não trabalhamos com a novela e nem temos informações a respeito de quem pode fazer essa comercialização”. Importante igualmente frisar que, a trama pode não fazer parte do catálogo internacional da emissora, mas faz parte do seu acervo. Perguntamos se o canal ainda a tem preservada na íntegra e não fomos respondidos.
Sergio Buck, um dos atores da novela, reclamou no Facebook, em um grupo voltado à memória da trama, de que não estava recebendo os direitos conexos relacionados a ela. Diz ele: “E os direitos de imagem onde recebo?… Fiz também a novela “Meus filhos minha vida“. Estamos sem receber há anos. Quero meus direitos!”. Segundo um dos italianos presentes no tal grupo, Ezio Cepicci, “Os direitos desta novela, “Jerônimo” e de “Meus Filhos Minha Vida” foram pagos pela importadora italiana Doro TV Mondo TV Merchandising ao SBT em 1984, ano em que a novela foi comprada e dublada. De acordo com as leis italianas, nenhum outro direito é devido ao diretor, atores etc… Os direitos são exonerados mediante pagamento ao SBT (…). Os distribuidores italianos não têm nada a ver com isto”. A fala do italiano, ainda que seja ele apenas um comentarista do grupo do Facebook, talvez ajude a contextualizar um pouco a relação entre a Itália e a novela, já que não foram localizados representantes da Doro TV para dar uma explicação mais assertiva e eles não têm nenhum canal ativo de comunicação. A Doro, de fato, esteve por trás não apenas da transmissão de Jerônimo, mas de “Cortina de Vidro” e “Meus Filhos Minha Vida“. Antes dos capítulos, especialmente dessas últimas duas tramas, é/era exibida uma vinheta da empresa.
Wladimir conta-nos que era uma ideia refazer “Jerônimo” nos Estados Unidos como novela. “Eu cheguei a fazer uma edição em vídeo com os desenhos do quadrinho do personagem e o áudio que estava gravado no LP”. Para ele, “É importante que Jerônimo volte, para se perpetuar a obra do meu pai. Essa nova geração não o conhece. Ele foi fundador da Globo, SBT e da Manchete. Meu pai foi muito importante para a História da TV brasileira. É necessário resgatar a memória dele, por que, como diz Ivan Lessa, ‘De 15 em 15 anos, o Brasil esquece do que aconteceu nos últimos 15 anos'”, finaliza.
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