Letícia Sabatella: “Até hoje a mulher tem essa questão de ceder para ser aceita. É opressor”


Atriz está em ‘Nos Tempos do Imperador’ vivendo papel memorável, e também como Latiffa, um marco em sua trajetória, na reprise de ‘O Clone’. E, apesar de serem mulheres separadas pelo tempo e com histórias muito diferentes, as duas remetem à luta de direitos femininos: “Até hoje a gente tem essa questão de cedermos para sermos aceitas. Há uma dificuldade de romper com o estabelecido, que mesmo quando se estabelece com harmonia, é opressor, por ser patriarcal. Tereza Cristina ainda estava no tempo da escravidão. Deve ter havido o momento em que ela pensou que precisava cuidar de algo maior do que sua própria pele enquanto mulher. Confesso que busco maneiras de contribuir para que haja mais harmonia, mais humanidade. Ao mesmo tempo, percebo que a gente precisa de um choque para romper com o que foi estabelecido”

Aos 50 anos, Letícia Sabatella pode ser vista em belo momento da sua maturidade profissional como a imperatriz Teresa Cristina em ‘Nos Tempos do Imperador’, novela das 18h da Globo, mas a atriz admite ter ganho outro belo presente esse ano, com a reprise de ‘O Clone’, que estreou esta semana no Vale a Pena Ver de Novo, 20 anos após a exibição original. “A novela é um fenômeno, né? Eu fui para a Rússia e era reconhecida na rua. Pessoas aprenderam a falar português na Rússia por causa de ‘O Clone’. Tenho seguidores russos, já recebi presentes, é muito lindo. Não só na Rússia, mas em outros países, é um sucesso. A Gloria Perez segue a tradição das nossas grandes autoras, como Janete Clair. A criatividade dela é incrível. Na época eu pensava: ‘Meu Deus, como consegue isso?’. Juntar clonagem, universo muçulmano. Abordar questões fundamentalistas com questões da ciência com tanta sensibilidade’, diz Letícia.

Letícia Sabatella celebra: “A novela é um fenômeno, né? Eu fui para a Rússia e era reconhecida na rua. Pessoas aprenderam a falar português na Rússia por causa de 'O Clone'" (Reprodução)

Letícia Sabatella celebra: “A novela é um fenômeno, né? Eu fui para a Rússia e era reconhecida na rua. Pessoas aprenderam a falar português na Rússia por causa de ‘O Clone'” (Reprodução)

No ano em que completa 30 anos de carreira, a atriz reconhece que a muçulmana Lattifa trouxe reconhecimento e projeção para ela: “Foi enriquecedor e precisei aprender muito. A dança do ventre foi um pouco desafiadora, entender o alcorão… Tudo era um desafio, mas para mim, foi um parque de diversões. Acho que o maior desafio para todos nós era que não trouxéssemos uma caricatura. Eu tomei muito cuidado com isso. O ‘Inshalá’ (Deus queira), eu tomava muito cuidado de não transformar em um bordão vazio, porque, quando eu fui para o Marrocos, percebi que quando você fala “Alá”, é do fundo da alma. Pedi muita, muita inspiração a Deus. Acho que esse era o desafio: tratar com delicadeza”.

ao lado de Giovanna Antonelli na trama que reestreia hoje: 'Pedi muita, muita inspiração a Deus para fazer esse papel. Acho que esse era o desafio: tratar com delicadeza” (divulgação/ Globo)

ao lado de Giovanna Antonelli na trama que reestreia hoje: ‘Pedi muita, muita inspiração a Deus para fazer esse papel. Acho que esse era o desafio: tratar com delicadeza” (divulgação/ Globo)

E embora interprete personagens separadas pelo tempo, ambas são muito influenciadas por sua época e costumes. Recentemente, a atriz falou sobre o fato de interpretar uma mulher do século 19 e afirmou que olhar para esse passado só inspira na contínua luta pelo direito das mulheres. “Até hoje, a gente tem essa questão de cedermos para sermos aceitas. Há uma dificuldade de romper com o estabelecido, que mesmo quando se estabelece com harmonia, é opressor, por ser patriarcal. Tereza Cristina ainda estava no tempo da escravidão. Deve ter havido o momento em que ela pensou que precisava cuidar de algo maior do que sua própria pele enquanto mulher. Confesso que busco maneiras de contribuir para que haja mais harmonia, mais humanidade. Ao mesmo tempo, percebo que a gente precisa de um choque para romper com o que foi estabelecido. E isso a gente encontra com estratégias, enquanto tentamos melhorar essa questão da luta das mulheres, porque não é saudável, nas dimensões físicas, psíquicas, emocionais, para nós”, declarou. “Naquela época, a luta acontecia, mas os limites eram mais estreitos, a comunicação era mais restrita. Hoje, temos informação com alcance global, e mesmo assim ainda podemos ser ludibriadas pela lógica patriarcal”.

Na pele de Teresa Cristina: "Até hoje, a gente tem essa questão de cedermos para sermos aceitas. Há uma dificuldade de romper com o estabelecido, que mesmo quando se estabelece com harmonia, é opressor, por ser patriarcal" (Divulgação/ Globo)

Na pele de Teresa Cristina: “Até hoje, a gente tem essa questão de cedermos para sermos aceitas. Há uma dificuldade de romper com o estabelecido, que mesmo quando se estabelece com harmonia, é opressor, por ser patriarcal” (Divulgação/ Globo)

Parceria com química

Já Latiffa, em ‘O Clone’, era libertária, mas vivia um amor romântico, idealizado pelo marido, vivido por Antonio Calloni, mesmo em um casamento ‘arranjado’: “Ela realmente se apaixonou pelo Mohamed. E deu uma sorte danada, porque tinha todo o ideal de se casar e tal, e se casa e aprende a amar. Bateu, deu química, deu certo. A sorte da Latiffa e do Mohamed é que eles tinham a ver e se davam muito bem. Assim como eu e Calloni, a gente se dava muito bem em cena, ria muito. Foi muito divertido, ele é um parceiro que comprava as minhas ideias, sabe? O nosso núcleo ficou colorido, dançante, divertido. Tinha muito humor, mas tinha drama e sensibilidade também. Foi uma trajetória que me deu muitas alegrias”.

"Eu e Calloni nos dávamos muito bem em cena, ria muito. Foi muito divertido, ele é um parceiro que comprava as minhas ideias, sabe? O nosso núcleo ficou colorido, dançante, divertido" (Divulgação/ Globo)

“Eu e Calloni nos dávamos muito bem em cena, ria muito. Foi muito divertido, ele é um parceiro que comprava as minhas ideias, sabe? O nosso núcleo ficou colorido, dançante, divertido” (Divulgação/ Globo)

A parceria com o ator é outra razão para que Leticia considere a novela um dos melhores trabalhos que já fez. E o ator também faz parte do começo da carreira da atriz na TV. “Ele é um parceiro incrível. É um dos atores que eu mais admiro no Brasil e no mundo. É um ator completo e uma pessoa que adoro, de uma inteligência, uma sagacidade, uma delicadeza, uma gentileza. Eu tinha trabalhado com o Calloni em ‘O Dono do Mundo’ e na época me sentia muito crua, estava começando minha primeira novela, caindo de paraquedas em uma obra do Gilberto Braga, com direção do Dennis Carvalho, profissionais incríveis. E o Calloni, ainda muito novo, estava muito pronto. Quando fui fazer ‘O Clone’ com ele, eu tive esse propósito. Pensava: “Caramba, agora eu quero fazer uma superparceria, retribuir a atenção que ele teve comigo. Quero estar à altura desse ator e valorizar o trabalho dele”. Assumi esse propósito de fazer uma superparceria com ele e assim foi, fiquei muito feliz com o resultado”, conta.

Letícia exalta o momento especial que vive em sua carreira na TV: “Me envolvo e me apaixono por cada trabalho. Isso não é só déjà vu, clichê, sinceramente é uma característica minha. Tenho um entusiasmo e trabalho através dele, tenho tido o privilégio de fazer grandes personagens sempre. E agora, fazendo a Imperatriz Teresa Cristina, é uma grande descoberta. Uma mulher que na história foi tão silenciada. Acho mesmo que é um momento especial. E acho que cada vez mais a gente vai se aprofundando e ficando com mais agilidade. Emocional, mental e com mais experiências de vida. Você consegue carregar personagens com mais complexidades ainda. Esse é um momento para se agradecer. Tenho muita gratidão, o que me move é uma eterna gratidão”.